Projeto sobre ato médico divide profissionais de
saúde
Médicos de um lado e profissionais de outras áreas
de saúde de outro. A cisão entre as categorias sobre o Projeto de
Lei 7.703/06, que regulamenta a profissão médica e tramita no Senado
Federal, ficou evidente durante audiência pública da Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizada
nesta segunda-feira (12/4/10). A proposição, conhecida como Ato
Médico, define a área de atuação, as atividades privativas e os
cargos privativos de médicos. Já foi aprovada pela Câmara dos
Deputados, em outubro do ano passado, e aguarda votação dos
senadores.
O projeto torna privativo do médico, por exemplo,
os diagnósticos de doenças, a prescrição de tratamentos
terapêuticos, os diagnósticos de exames citopatológicos, o ensino de
disciplinas médicas e a ocupação de direção e chefias de serviços
médicos. A restrição, na avaliação de representantes de outras
profissões da área, compromete os princípios da
multidisciplinariedade e do tratamento do paciente de maneira
integral, adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), elogiado e
copiado por outros países.
Já para os representantes do Conselho Regional de
Medicina que participaram da reunião, o projeto apenas vem corrigir
um erro que persiste desde 1957, quando foi aprovada a Lei 3.268,
que trata do exercício da profissão, mas não define as funções do
médico. De acordo com o conselheiro Ricardo Nascimento, das 14
profissões que atuam na área de saúde, apenas a de médico ainda não
é regulamentada. Ele assegurou que as definições não vão esbarrar
nas atividades de outras profissões que já são regulamentadas.
O outro representante, Ricardo Hernane Oliveira,
também afirmou que o projeto não altera a estrutura atual do sistema
de saúde no Brasil. "Não queremos mudar as relações profissionais.
Queremos, sim, manter e aprimorar os serviços".
O autor do requerimento da reunião, deputado Carlin
Moura (PCdoB), se mostrou preocupado com as implicações que o
projeto, se aprovado, pode trazer para o usuário do serviço de
saúde. Na opinião do parlamentar, a proposição viola o conceito da
Organização Mundial da Saúde (OMS) de analisar a doença de uma
maneira mais completa, abordando os vários aspectos que atingem o
ser humano. "É preciso analisar o projeto sob o ponto de vista do
usuário, e não só do monopólio de uma profissão", advertiu.
O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo
(PT), explicou que a proposição representa um retrocesso à situação
atual da saúde no Brasil, onde há crescimento de práticas
terapêuticas em campos variados do conhecimento, citando como
exemplo as áreas de fitoterapia, homeopatia, acupuntura, entre
outras. A discussão pela comissão, segundo ele, se explica por se
tratar de um debate que trata da garantia de direitos fundamentais,
no caso o acesso à saúde.
Reação - Participaram da
audiência pública profissionais das áreas de psicologia, farmácia,
nutrição, fonoaudiologia, fisioterapia, educação e acupuntura.
Também compareceram estudantes e representantes de usuários do SUS.
Todos afirmaram que não são contra a regulamentação da profissão de
medicina, mas mostraram preocupação com a centralização dos serviços
de saúde apenas por médicos.
O presidente do Sindicato dos Professores do Estado
de Minas Gerais (Sinpro) e da Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB), Gilson Luiz Reis, acusou os médicos
de não estarem preocupados com a sociedade, mas apenas com a reserva
de mercado. Para ele, a monopolização pode colocar em risco outras
profissões.
O presidente do Conselho Regional de
Autorregulamentação da Acupuntura (Craemg), Paulo César Barbosa
Noleto, afirmou que nem todo médico tem competência profissional
para exercer funções hoje assumidas por massoterapeutas,
acupunturistas, biomédicos, físicos e outros profissionais que
também cuidam da saúde das pessoas.
Se aprovado, o projeto pode tornar exclusivo dos
médicos o diagnóstico do exame papanicolau (preventivo contra câncer
ginecológico), como exemplificou o representante do Conselho
Regional de Farmácia, José Geraldo Martins. Ele alertou para o
conflito que a proposição provoca, o que pode gerar muitas
contestações judiciais. "Além de atravancar o serviço da justiça,
pode prejudicar o cidadão, que precisa do serviço", advertiu.
Joana Drumond, do Conselho Regional de
Fonoaudiologia, citou outro procedimento que também é feito por
profissionais dessa área, o tratamento de disfagia (dificuldade de
engolir alimentos). O vice-presidente do Conselho Regional de
Psicologia, Rodrigo Torres Oliviera, completou com os diagnósticos
de neuroses, psicoses e síndromes que são, atualmente,
diagnosticadas e tratadas por psicólogos com boa aceitação.
Já a tesoureira da Associação dos Usuários dos
Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam-MG), Sílvia Maria
Soares Ferreira, disse temer a piora dos serviços para pacientes de
sofrimento mental que, em Minas, são tratados por equipes
multidisciplinares. Ela também lamenta que a proposição fere o
direito do paciente de escolher o tipo de profissional com quem quer
se tratar.
Requerimentos - Durante a
reunião, os deputados aprovaram cinco requerimentos como
desdobramentos de audiência pública que debateu a batalha judicial
de herdeiros do que hoje é a Cidade Industrial. O primeiro solicita
providências ao Governo do Estado para pagar indenizações que já
foram reconhecidas pela Justiça em 1957, mas que ainda não foram
liquidadas; o outro pede que o governador encaminhe um projeto de
lei para a Assembleia para formalizar as indenizações; o terceiro
pede que sejam encaminhadas notas taquigráficas da reunião para
autoridades judiciais e advogados das famílias; o quarto pede o
envio de DVD da reunião para as mesmas autoridades, além do deputado
Weliton Prado (PT), que estaria produzindo um filme sobre o drama
dos herdeiros; e o último propõe um debate público para tentar
encontrar uma solução definitiva para o problema.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; Carlin Moura (PCdoB) e Délio
Malheiros (PV). Também participou da reunião a representante da
Associação dos Usuários, Familiares e Amigos da Saúde Mental do
Ipsemg, Agda da Cruz dos Santos.
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