Moradores de Ipanema denunciam abusos cometidos por
policial
Diversos moradores de Ipanema e Pocrane (Vale do
Rio Doce) se revezaram ao microfone na manhã desta quarta-feira
(24/3/10) para denunciar a ocorrência de abusos e violência policial
aos deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. A reunião foi realizada a requerimento
do presidente, deputado Durval Ângelo (PT), e lotou a Câmara
Municipal de Ipanema.
A maioria dos participantes da reunião disse temer
represálias em função dos relatos apresentados. Emocionado, Wilson
Magalhães denunciou que o irmão, Álvaro Magalhães, que sofre de
deficiência mental, foi violentado em 21 de outubro de 2008 pelo
cabo PM que identificou como Vicente, em Ipanema. "De lá para cá,
meu irmão, muito conhecido na cidade, vive recluso em casa, está
gordo e com depressão", relatou Wilson, na presença da irmã, Kátia,
bastante abalada. Eles entregaram à comissão fotos que registram
lesões sofridas por Álvaro.
"Reclamações que envolvem agentes públicos, com
denúncias de violência, têm que ser apuradas, e esse trabalho de
interlocução com a sociedade em momentos como esse é alma da
Assembleia Legislativa", destacou o presidente da comissão. O
deputado José Henrique (PMDB), 2º vice-presidente da ALMG, também
ressaltou a importância da verificação in loco das
denúncias.
Entre as denúncias feitas à comissão, está a de
Cleiton Carlos Lopes de Souza, de Ipanema, que disse ter sido
obrigado a se mudar de cidade com a família diante da perseguição
que estaria sofrendo da parte de policiais que identificou como
cabos Vicente, Otávio e Branco. Este último é o cabo Antônio Carlos
Oliveira Filho, e suas ações motivaram o requerimento da audiência.
Segundo Cleiton, os policiais alegavam sempre que estariam recebendo
denúncias anônimas de que ele estaria portando drogas, situação que
se repetiria até hoje toda vez que tem ele que retornar a
Ipanema.
"Fui pego com drogas em 2007, mas já demonstrei que
mudei e não posso pagar para sempre", frisou, dizendo que se formou
em Direito e receberia a carteira da OAB nesta semana, sem ter como
trabalhar em sua cidade diante das perseguições. Carlos Souza, pai
de Cleiton, ex-vereador de Ipanema, denunciou ainda que as
perseguições têm atingido também funcionários da família. "Mudamos
por não suportar mais isso".
Já João Batista Ferreira relatou ter sido agredido
por policiais que, sem mandado judicial, invadiram sua casa na noite
de Natal do ano passado. Situação semelhante à que Cristina Alves
diz ter sofrido este ano, em 27 de fevereiro, quando o cabo Branco
teria entrado em sua casa, recolhendo raspadinhas que são vendidas
no bar que fica na frente de sua casa. Ela reclama ter sido agredida
e algemada, e entregou à comissão fotos e laudo de exame de corpo de
delito.
Deputado vê estado de exceção em atitudes de
policial
Outro episódio, que teria ocorrido há cerca de três
anos, foi relatado pela estudante Suelen Gomes, 17 anos. Ela contou
que na ocasião estava em sua casa, na área rural de Limoeiro,
ouvindo música no som do carro do pai, na garagem da residência,
segundo ela protegida por um muro de três metros de altura. Alegando
denúncia de som alto, por volta de uma hora da tarde e numa região
pouco habitada, o cabo Branco teria arrombado o portão, socado o som
do carro, arranhado um CD e algemado o irmão de Suelen, na época
menor de idade, por ter questionado a atitude do policial.
Neste episódio, o próprio cabo, conforme a jovem,
revirou o veículo, chamou um guincho, manobrou e apreendeu o carro
da família, levando na viatura o irmão algemado à delegacia. Nas
duas semanas seguintes, Suelen disse que o ônibus escolar que usava
para ir ao colégio teve seu trajeto seguido por viatura policial,
atitudes que o deputado Durval Ângelo classificou como "estado de
exceção".
Defesa - Foram ouvidos
também alguns depoimentos de moradores das duas cidades em defesa do
cabo Branco. Segundo a aposentada Maria Nília de Sales, graças ao
trabalho de aconselhamento e ajuda do policial, seus dois netos
deixaram de furtar e consumir drogas. Depoimento semelhante foi dado
por Sinésio Amaral. "Hoje tenho um filho crente e honesto graças aos
conselhos do cabo".
Heder Martins de Oliveira, diretor da Associação
dos Praças Policiais e Bombeiros Militares (Aspra-MG), defendeu a
apuração rigorosa de denúncias de abusos envolvendo policiais, mas
questionou se o cabo Branco não estaria sendo exposto à "execração
pública" antes da apuração ter terminado.
Cabo havia denunciado perseguição e vai se
manifestar em juízo
O cabo Antônio Carlos Oliveira Filho não quis
comentar isoladamente os casos denunciados na audiência, dizendo que
usaria o direito de se manifestar em juízo. Ele comentou apenas o
episódio levado anteriormente ao conhecimento da Comissão de
Direitos Humanos, envolvendo o filho de um desembargador, e sobre o
qual o policial se manifestou por meio de relatório entregue à
comissão.
No documento, o cabo cita que estaria sofrendo
perseguições em função da prisão de Paulo César Dias Júnior, em
Ipanema, em abril de 2009. Segundo o boletim de ocorrência, Paulo,
filho de um desembargador, estaria dirigindo com sinais de
embriaguez. A ação do cabo motivou moção de repúdio por parte da
Câmara Municipal de Pocrane. Na audiência, ao ser questionado pelo
presidente da comissão, o policial se referiu às perseguições que
teria citado como especulações que não teriam se confirmado.
Quanto às possíveis perseguições que teria sofrido
o cabo no episódio, o deputado Durval Ângelo esclareceu que os
direitos constitucionais são iguais para todos, não importando o
cargo. "Todos devem ser tratados de forma isenta e imparcial,
cabendo a qualquer infrator as penas da lei", registrou o
parlamentar.
Comandante afirma que acusações serão
investigadas
O comandante da 12ª Região da Polícia Militar,
coronel Geraldo Henrique Guimarães da Silva, informou à comissão que
será elaborada uma planilha detalhando a situação de todos os casos
denunciados, alguns dos quais já em processo de investigação, para
que todos tenham a correta apuração.
Segundo o comandante, Ipanema vive graves problemas
com o tráfico de drogas, já tendo sido apreendidas drogas inclusive
em ambulâncias da prefeitura. O coronel disse que o cabo Antônio
Carlos Oliveira Filho se destaca pela ação repressiva contra as
drogas, "enfrentando a marginalidade com coragem". Contudo, disse
que se as ações do policial fugiram à legalidade e aos direitos
humanos, deve haver punição. "Temos confiança no Judiciário".
O desembargador Hebert José Almeida Carneiro,
representando a Amagis na audiência, frisou que seu papel era o de
ouvir os relatos. Ex-juiz de Caratinga, ele disse não ter tido na
ocasião nenhum processo contra policial militar e defendeu que as
denúncias e provas sejam verificadas. "Nessas situações, resta-nos
apurar os fatos, e sei que o Judiciário local o fará".
Audiência motiva requerimentos
Foram apresentados na audiência requerimentos a
serem apreciados pela comissão:
* De envio das notas taquigráficas da audiência à
Corregedoria e ao Comando da PMMG e à Polícia Civil.
* De solicitação, à Corregedoria e ao 12º Batalhão
da PMMG, para que envie à comissão relatório sobre as apurações, em
andamento ou a serem iniciadas, das denúncias feitas durante a
audiência, e de relatório sobre as apurações envolvendo a conduta do
cabo Antônio Carlos de Oliveira Filho.
* De solicitação, à Ouvidoria Educacional do
Estado, para que apure denúncias de perseguição contra a esposa do
cabo Antônio Carlos de Oliveira Filho, professora da rede
pública.
* De solicitação ao Detran-MG, para apurar
denúncias anônimas recebidas pela comissão de que veículos em
situação irregular estariam sendo usados por policiais nos
municípios de Ipanema e Pocrane.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; e José Henrique (PMDB). Também
participaram da reunião o major PM Wanderson Santiago Barbosa; o
promotor Breno Costa da Silva Coelho; o juiz Luiz Eduardo Oliveira
de Faria; o presidente da Câmara Municipal de Ipanema, José Alves da
Silva Filho; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Amagis,
Carlos Frederico Braga da Silva; o presidente da Câmara Municipal de
Pocrane, Hernane José Macedo; e a procuradora Jucilene Paes Fontoura
Aredes.
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