Moradores de prédio invadido prometem resistir a ordem de
despejo
Durante audiência pública da Comissão de Direitos
Humanos realizada na manhã desta sexta-feira (26/2/10) na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, mais de uma centena de moradores das
chamadas "torres gêmeas" inacabadas do bairro Santa Tereza, em Belo
Horizonte, fizeram manifestação para permanecerem nos dois prédios
de 17 andares que ocupam há cerca de 14 anos. Maria da Penha Vieira
da Silva, uma moradora antiga de 60 anos, afirmou que se atira da
janela se tentarem tirá-la dali à força.
Uma ordem judicial de reintegração de posse em
favor da massa falida das construtoras ICC e Jet Engenharia e
Incorporações Ltda. foi emitida há 11 anos, mas a Polícia Militar
alega que jamais encontrou condições de cumpri-la, por causa da
resistência dos moradores. O deputado Durval Ângelo (PT), presidente
da comissão, participou de um protesto no pátio dos prédios na
última quarta-feira (24), juntamente com o advogado Fábio Alves dos
Santos, da Assistência Jurídica da PUC Minas.
Os prédios inacabados foram ocupados por famílias
de moradores de rua após a paralisação das obras pela falência das
construtoras. Eles realizaram benfeitorias, como o fechamento dos
poços dos elevadores, colocação de portas e janelas, e fizeram
ligações elétricas clandestinas para dispor de energia elétrica nas
unidades. São 136 apartamentos de dois quartos, e 32 deles são
compartilhados por duas famílias.
Levantamento feito pela Pastoral de Rua contou ali
570 pessoas, sendo 135 crianças até seis anos, 98 de sete a treze
anos e 290 adultos, muitos deles acima dos 60 anos. Os prédios não
têm elevadores, o que torna um grande sacrifício subir e descer dos
andares mais altos. No entanto, os moradores não querem sair, não só
pelos investimentos que fizeram, mas também pela proximidade de uma
estação do metrô, da escola pública José Bonifácio e pela oferta de
empregos no bairro. Dos atuais moradores, apenas 10% eram moradores
de rua, 48% quis sair do aluguel e 38% foram desalojados e não
tinham onde morar.
Maioria dos moradores de rua têm profissão e
documentos
O deputado Durval Ângelo também traçou um perfil
dos moradores de rua brasileiros, que seriam cerca de 300 mil, com
predominância de 82% de homens. Do total de moradores de rua de Belo
Horizonte, mais de 50% são oriundos da própria Capital. Setenta por
cento deles têm ocupação fixa, e quase metade destes trabalham com
reciclagem de lixo, trabalho útil para a coletividade. A maioria tem
profissão e documentos.
A solução apontada pelo advogado Fábio Santos seria
a tomada de um empréstimo pela linha de Crédito Solidário do
Ministério das Cidades, para pagar R$ 1,8 milhão à massa falida e o
restante para concluir a construção dos prédios, sem desalojar os
moradores. Em seguida, as unidades seriam vendidas pelo Sistema de
Financiamento Habitacional por cerca de R$ 35 mil, para que as
famílias pagassem como pudessem. O deputado Durval Ângelo disse que
intermediou as negociações do Crédito Solidário com o ex-prefeito
Fernando Pimentel, a pedido do cardeal dom Serafim, e que os
recursos chegaram a ser disponibilizados para a prefeitura, mas
retornaram ao Ministério das Cidades porque os moradores não
possuíam garantias para oferecer.
Vários participantes da audiência ofereceram
solidariedade aos moradores das "torres gêmeas", entre eles o
presidente da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza, Ibiraci
José do Carmo; frei Gilvander Luiz Moreira, da paróquia N. Sra. do
Carmo; padre Elias Silva, da paróquia de Santa Tereza; e o cabo Luiz
Carlos Cândido de Oliveira, apelidado "cabo Cadeado", que prefere
ser chamado de Cabo Favelado.
Diana Patrícia Cardoso da Silva, presidente da
Associação Comunitária dos Moradores do Residencial Saint Martin,
disse que foi moradora de rua por vários anos, assim como seu
marido. Tiveram seis filhos e foram dos primeiros a ocupar as
"torres". Sua vida melhorou muito, desde então. Está estudando o 8º
período de Serviço Social e todos os filhos estão nas escolas
próximas. Inúmeros moradores foram ao microfone de aparte relatar
sua história de vida e sua esperança de permanecer no local.
Compradora legítima também apresentou suas
queixas
Também a funcionária pública Rosângela da Mata, que
comprou e pagou R$ 45 mil por um dos apartamentos no local, foi ao
microfone queixar-se do sofrimento de pagar prestações durante cinco
anos e não receber o imóvel. O deputado Durval Ângelo informou a ela
que, pela legislação, os valores apurados da massa falida terão
prioridade para pagar dívidas trabalhistas das construtoras e em
seguida dívidas tributárias. O parlamentar considera injusta a
priorização, mas os compradores viriam apenas em terceiro lugar.
Ao final da reunião, o deputado Durval Ângelo disse
que a Comissão de Direitos Humanos vem sendo acusada de ser parcial
e só olhar um lado das questões. "Somos parciais, sim", admitiu.
"Para defender os ricos, muitas vozes se levantam. Para defender os
pobres, somos poucos", explicou. Ele determinou que cópias das notas
taquigráficas da audiência fossem encaminhadas ao vice-presidente da
República, José Alencar, que ofereceu seu apoio à causa dos
moradores; ao prefeito Márcio Lacerda, que não enviou representante
à reunião; ao juiz da 3ª Vara Empresarial, que cuida do processo das
"torres gêmeas", e ao secretário municipal Jorge Nahas, pela demanda
de projetos sociais no local.
Presenças - Deputado
Durval Ângelo (PT), presidente da comissão. Também participaram da
reunião Francisco José Guimarães Filho, presidente da Associação
Vila Feliz Esporte Cultura; e Claudenice Rodrigues Lopes, educadora
da Pastoral de Rua.
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