Comissão ouve relatos de tortura em presídio de Coronel Fabriciano

Evidências de marcas de choques, coronhadas e de tiros de borracha pelo corpo de vários detentos foram verificadas pe...

22/02/2010 - 00:02
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
 

Comissão ouve relatos de tortura em presídio de Coronel Fabriciano

Evidências de marcas de choques, coronhadas e de tiros de borracha pelo corpo de vários detentos foram verificadas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais durante visita feita ao presídio de Coronel Fabriciano (Vale do Aço), na manhã desta segunda-feira (22/2/10). A visita foi seguida de audiência pública realizada na Câmara Municipal para investigar denúncias de tortura na unidade, a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT).

O parlamentar, acompanhado de vereadores e da ouvidora do Sistema Prisional do Estado, Marlene Alves de Almeida, percorreu dependências da administração e da carceragem da unidade. Em todas as celas, foram ouvidos vários relatos de presos sobre maus tratos e torturas. Segundo os presos, o então diretor do presídio, Ulisses Leonardo Barbosa Melo, afastado recentemente do cargo, teria participado de várias das sessões de tortura junto com agentes penitenciários.

"Vários presos em celas diferentes relataram que o ex-diretor usava o nome de Deus e dizia nas sessões de tortura que estaria tirando o demônio do corpo dos presos", frisou o deputado durante a audiência pública. Segundo disseram alguns presos, o diretor chegava a obrigar vários detentos a cantar o Hino Nacional durante sessões de tortura, que ocorreriam num espaço chamado pelos presos de "latão", o mesmo destinado às visitas íntimas. Os presos mostraram, ainda, várias balas de borracha que guardaram após as agressões.

Situação generalizada - Em entrevista à imprensa na saída do presídio, o presidente da Comissão de Direitos Humanos avaliou ter encontrado "marcas recentes de tortura generalizada" na unidade, situação que comparou à de um campo de concentração. Ele lembrou que o País tem uma legislação rígida contra a tortura que deveria estar sendo cumprida.

Durante a audiência, o deputado pediu providências urgentes, citando especialmente a situação relatada por três presos. Um deles, na unidade há sete meses, relatou, com os olhos vermelhos, que teria ficado cego em função de spray de pimenta usado por agentes penitenciários. Outro, que já tinha deficiência de locomoção, teve a perna ferida por bala de borracha em tiro que teria sido disparado na véspera (21). O terceiro mostrou pus no ouvido e denunciou que estaria com o tímpano estourado após ter sofrido tortura.

Sobre as várias marcas de agressão mostradas por presos, o deputado disse reconhecê-las como sendo de choque elétrico, segundo ele dados com uma espécie de pistola fabricada na China e vendida livremente em vários shoppings populares.

Presos criticam permanência de agentes denunciados

Os presos relataram à comissão que as denúncias envolvem a direção anterior, mas reclamaram que, embora o diretor acusado tenha sido afastado, os agentes penitenciários ainda continuam em serviço. Segundo o diretor em exercício Edmar Soares de Sousa, no cargo há 15 dias, todos os agentes denunciados, que estariam de folga nesta segunda (22), já tinham sido ouvidos pela Corregedoria do Sistema Prisional, mas nenhum havia sido afastado até o momento.

O diretor em exercício informou ainda, à comissão, ter iniciado providências para o cumprimento de direitos de presos garantidos pela lei de execução penal, e mostrou um abaixo-assinado em que eles defendem sua permanência na direção do estabelecimento. Apesar disso, informou que neste domingo (21) uma tentativa de fuga gerou tumultos no presídio, sendo necessário usar tiros de borracha para conter os presos.

A tentativa ocorreu na cela 16, onde estariam 15 presos. Conforme verificado na visita, os detentos usaram ferros retirados da própria estrutura interna das paredes do banheiro e dos beliches para cavar um buraco na cela. Segundo o deputado Durval Ângelo, o uso desse tipo de material na construção de presídios descumpre normas técnicas que recomendam o uso de telas de aço para garantir maior segurança. "Vamos pedir uma perícia no local", anunciou o deputado.

Inaugurado há cerca de dois anos, o presídio, segundo a direção atual, tem capacidade para receber 194 presos, mas sofre superlotação ao abrigar, pela última contagem, 313, dos quais 29 são do sexo feminino.

Corregedoria garante afastamento de agentes em resposta a deputado

O presidente da comissão pediu, durante a audiência, que fossem encaminhados a exames de corpo de delito vários detentos, e que as denúncias fossem objeto de um único inquérito conjunto. Também cobrou o cumprimento de acordo firmado há dois anos em colegiado que reúne diversos órgãos e entidades afetos à questão prisional, pelo qual toda denúncia de tortura feita pelo Ministério Público deve resultar no afastamento de agentes efetivos e na demissão de contratados.

O subcorregedor do Sistema Prisional, Francisco Felipe Ramos Martins, informou que nove denúncias de tortura no presídio já estão em processo de investigação, mas sobre as quais não poderia dar detalhes por estarem correndo sob segredo de justiça. Garantiu, contudo, que estava pedindo o afastamento, por 30 dias, dos agentes penitenciários efetivos cujos nomes foram repassados pelo deputado Durval Ângelo após ouvir os presos durante a visita.

Quanto aos nomes de agentes contratados, o subcorregedor disse que todos seriam ouvidos e que poderiam vir a ter o contrato de trabalho rescindido. Ele assegurou que será feita, ainda, a requalificação profissional dos agentes da unidade.

Já a delegada de Polícia Civil em Coronel Fabriciano, Elisa Caetano, informou à comissão que a corporação trabalha no caso antes mesmo da instauração, em 1º de fevereiro, de inquérito sobre as primeiras denúncias. Ela disse acreditar que as agressões foram encerradas na nova gestão e garantiu que todos os presos já ouvidos na delegacia foram imediatamente encaminhados ao Instituto Médico Legal para exame de corpo delito.

Os laudos dos exames, segundo a delegada, devem estar finalizados em até dez dias. Sobre exames em todos os presos, ela registrou: "Não há necessidade, porque o que já temos seria suficiente para indiciar os envolvidos. Está sendo feito um trabalho minucioso pela Polícia Civil".

Novas denúncias - Além das nove denúncias que segundo a Corregedoria já estão em processo de investigação, a visita desta segunda (22) resultou em oito novas denúncias encaminhadas ao órgão pela ouvidora do Sistema Prisional, que lamentou a situação encontrada na prisão. "Estivemos na unidade há dois anos e foi com tristeza que percebemos agora que não houve evolução", registrou ela.

Vereadores temem nova sucursal do inferno

O vereador Marcos da Luz Evangelista Lima Martins informou que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Coronel Fabriciano teve conhecimento das denúncias por meio da imprensa local, no início do ano, encaminhando cópias do noticiário a órgãos como Ministério Público e Secretaria de Estado de Defesa Social, bem como à Comissão de Direitos Humanos da ALMG.

Ele e outros vereadores cobraram que sejam apuradas todas as denúncias e punidos os responsáveis, lembrando que a antiga cadeia do município era chamada de "sucursal do inferno", e temendo que a atual venha a ter o mesmo destino. Nesse sentido, o vereador Francisco Pereira Lemos sugeriu a criação de um estatuto do agente penitenciário, que, segundo ele, encontra dificuldades de exigir o cumprimento de normas legais. "Os agentes não recebem instrução adequada para tratar o preso com dignidade", criticou, citando especialmente as humilhações impostas às mulheres nas revistas íntimas em dias de visitas aos presos.

Já o prefeito Chico Simões disse esperar que a tortura não mude apenas de lugar, em alusão à simples transferência de diretores ou agentes. "Suplico por mais presença das autoridades, pois ninguém quer a impunidade, mas também não quer que presos sejam tratados de forma subumana", registrou ele, elogiando a iniciativa da audiência, que lotou a Câmara Municipal.

Durante os debates, familiares de presos reclamaram, ainda, das condições das visitas, durante as quais a água dos bebedouros estaria sendo cortada, não haveria banheiros disponíveis para os visitantes e ocorreriam exageros durante as revistas das mulheres.

Presenças - Deputado Durval Ângelo (PT), presidente da comissão. Também participaram da audiência o representante da OAB, Manoel Barros; os promotores Ary Pedrosa Bittencourt e Viviane Moreira; e o representante da Polícia Civil, Leonardo Vieira Dias.

 

 

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