Assegurar direitos de doentes mentais ainda é
desafio
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais debateu em audiência pública na tarde
desta sexta-feira (4/12/09) os direitos humanos das pessoas com
sofrimento mental. O autor do requerimento foi próprio presidente da
comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que fez um retrospecto sobre
a situação dos manicômios no final do século 20 e a comparou com os
dias atuais.
"Dizer que o manicômio judiciário de Barbacena em
1997 era um inferno é fazer injustiça com o inferno. Era o porão da
loucura, o que havia de mais deprimente e degradante da dignidade
humana. Hoje tudo mudou. As celas só são usadas em casos extremos.
Há lençóis limpos, atividades lúdicas e artísticas. Uma visão
totalmente nova foi introduzida pelo Programa de Assistência
Integral ao Paciente Jurídico (PAI-PJ)", reconheceu o deputado.
No entanto, Durval Ângelo alertou que "vozes do
passado se levantam cada vez mais por um retorno à situação
anterior, da indústria psiquiátrica", e isso estaria nítido na
intenção manifestada por algumas autoridades de aumentar as vagas
nos manicômios, em vez de desativá-los de vez. Para debater esse
risco e as situações de interdição de pacientes, aos quais é negada
qualquer cidadania, convidou autoridades, médicos e juristas. O
Ministério Público não compareceu.
O jurista Virgílio de Mattos historiou barbaridades
cometidas pelos hospitais de custódia da Fhemig, dizendo que no de
Barbacena não só matavam os internos como os cozinhavam para vender
as ossadas às escolas de medicina. Mattos denunciou que há cerca de
500 portadores de sofrimento mental que cometeram algum crime e
estão detidos ilegalmente, em desrespeito à Lei Carlão, aprovada
pela Assembleia há 14 anos.
Condenados à prisão perpétua sem direito a
júri
O desrespeito aos direitos fundamentais dos doentes
mentais foi denunciado também por Aléxia Machado Baeta, da
Secretaria de Estado de Saúde. Segundo ela, há cerca de 198 desses
pacientes em cárceres e outros no Hospital Jorge Vaz, que tem 150
vagas masculinas e 50 femininas. "O portador de sofrimento mental
deveria ser inimputável, mas é condenado à prisão perpétua sem ter
direito sequer a júri popular. Por outro lado, é absurdo o número de
detentos nas prisões comuns que tomam medicamentos psiquiátricos,
porque a privação da liberdade enlouquece".
Para Aléxia Machado e demais convidados, as
chamadas residências terapêuticas seriam mais adequadas, mais justas
e custariam mais barato que a internação. Uma delas estaria sendo
construída em Ribeirão das Neves. Dados obtidos pelo deputado Durval
Ângelo revelam que um preso comum custa R$ 2,5 mil mensais ao
Estado, e os portadores de sofrimento mental que cometeram crimes
custam o dobro. No entanto, nas residências terapêuticas custariam
apenas a terça parte.
Rosimeire Aparecida Silva, da Prefeitura de Belo
Horizonte, lembrou a militância do psiquiatra italiano Franco
Basaglia na luta antimanicomial na época da elaboração da Lei
Carlão. "Essa lei foi incisiva, desconcertante e avançada. Tentaram
derrubá-la, mas o movimento social impediu. Com ela foi possível
fechar três hospitais e 1,5 mil leitos em Belo Horizonte. É possível
fazer mais".
Rosimeire é defensora da ética da inclusão de toda
e qualquer diferença, e apóia as iniciativas para sair do aparato da
exclusão. Respondendo a um questionamento do deputado Durval, disse
que em Belo Horizonte há 240 leitos psiquiátricos em convênio com o
SUS, na Clínica Serra Virgem. Citou os hospitais Santa Maria e André
Luiz como instituições totalmente privadas.
Jovem interditado é parcialmente capaz
Mark Nápoli, psiquiatra da Prefeitura de Belo
Horizonte, relatou o caso que tem acompanhado de um jovem
interditado por vontade de seu pai, que é seu curador. Nápoli
sustenta que o jovem é parcialmente capaz de administrar algum
dinheiro e de pegar um ônibus e ir ao cinema, e por isso suspeita
que o pai mantém a interdição para administrar sozinho uma pensão de
R$ 5 mil mensais recebida pelo rapaz.
"Percebam a fragilidade da cidadania desse rapaz, o
desrespeito aos seus direitos humanos. O novo Código de Ética
Médica, que entra em vigor em março próximo, veda ao médico tratar
paciente contra sua vontade, a não ser quando houver risco de vida
para si ou para terceiros. Estaremos praticando infrações em breve",
disse ele.
Nápoli disse que não há estatística no Brasil sobre
expectativa de vida dos pacientes que tomam medicamentos
psicoativos. Há países em que essa expectativa é estimada em 10 a 15
anos, e nenhum médico informa à pessoa a quem receita essas
substâncias sobre os riscos de diminuição de sua vida.
Uma série de providências será pedida pela Comissão
de Direitos Humanos através de requerimentos de seu presidente. Ele
propõe um debate público sobre a questão no mês de março, a
realização de um censo jurídico e psicossocial, cobrar da Secretaria
de Defesa Social a construção de novas residências terapêuticas, o
ingresso do Ministério Público em favor do jovem assistido por Mark
Nápoli e a revisão de todos os casos de interdição e
curatela.
Presenças - Deputado
Durval Ângelo (PT), presidente.
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