Estudo mostra impactos da expansão da monocultura da
cana
Entre 80% e 100% do território do Pontal do
Triângulo são ocupados com lavouras de cana-de-açúcar, que também
respondem por percentual semelhante do Produto Interno Bruto (PIB)
dos municípios onde se situam. Dados sobre os impactos da grande
concentração da monocultura no Triângulo Mineiro e no Alto
Paranaíba, que integram o Diagnóstico de Impactos de Grandes
Projetos em Direitos Humanos, foram apresentados em audiência da
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais nesta quarta-feira (2/12/09).
Para o deputado Durval Ângelo (PT), autor do
requerimento para a realização da reunião, é importante pensar nos
direitos humanos para além dos direitos políticos e civis. "O
fracasso de políticas econômicas causa impactos sobretudo para as
classes mais pobres", exemplificou. O parlamentar acrescentou que no
rastro do agronegócio estão registros de violação dos direitos
humanos mais primários. "São casos de trabalho escravo e de
exploração de mão-de-obra infantil", continuou.
O coordenador da Ação Franciscana de Ecologia e
Solidariedade, frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, explicou que o
objetivo do estudo sobre a monocultura da cana é possibilitar uma
reflexão que permita a construção de instrumentos públicos de
controle social sobre grandes empreendimentos do agronegócio, dentro
da perspectiva do direito ao desenvolvimento humano. No diagnóstico
foram avaliados os impactos sobre a situação agrária, mobilidade
humana, as condições de trabalho, cultura e sociabilidade, segurança
e soberania alimentar, economia, infraestrutura urbana e meio
ambiente.
Segundo dados do IBGE de 2007, 7 milhões de
hectares do território brasileiro eram ocupados com lavouras de
cana-de-açúcar. Em Minas, eram quase 497 mil hectares e, no
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, mais de 290 mil hectares. Os
números estimados pelo IBGE para a safra 2008/2009 revelam um
aumento da área ocupada com essa cultura para 9,6 milhões de
hectares no Brasil, 615 mil em Minas e mais de 470 mil no Triângulo
e Alto Paranaíba. A maior parte dos trabalhadores das lavouras
mineiras vem da região Nordeste do País. Para frei Péret, os
deslocamentos provocam a desterritorialização de pessoas, culturas e
atividades econômicas.
Monocultura afeta segurança alimentar
Os impactos sobre a segurança alimentar, de acordo
com o levantamento da Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade,
são a diminuição das áreas de pastagens e de cultivo de alimentos, a
desarticulação das cadeias produtivas locais, a diminuição da
diversidade das atividades econômicas e o êxodo dessas atividades.
No Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, área com bastante tradição na
pecuária, o rebanho bovino teve uma redução de 8,17% entre 2003 e
2007. Nessa região, a área plantada com lavoura temporária teve
redução de 8,4% no mesmo período, com destaque para as culturas do
algodão (-57,64%), arroz (-45,29%), soja e feijão (-27,9%). Enquanto
isso, a área plantada de cana-de-açúcar cresceu 64,17%.
O estudo também revelou que os produtores que não
cultivam a cana acabem se deslocando para o Mato Grosso, Maranhão,
Tocantins ou Bahia. "Os resultados dessa expansão das lavouras de
cana são a concentração da atividade econômica sob controle das
usinas, a desnacionalização das terras, com participação do capital
estrangeiro no setor sucroalcooleiro, além da substituição da
produção de alimentos pelo agronegócio", afirmou frei Péret.
Mecanização substitui até 100 trabalhadores a cada
oito horas
O expositor destacou como pontos positivos da
expansão das lavouras de cana o aumento inicial da geração de
empregos e do PIB dos municípios, que tiveram a economia local
aquecida com a chegada de novos trabalhadores. Por outro lado, há a
mecanização crescente das lavouras, que, como revelou o diagnóstico,
faz crescer o desemprego e precariza as relações de trabalho. Uma
colheitadeira substitui de 80 a 100 trabalhadores a cada oito horas.
O estudo também apontou os impactos da monocultura
da cana na sócio-biodiversidade. "Os locais onde a cana-de-açúcar é
cultivada vão se constituindo em áreas onde a produção da cultura
popular vai desaparecendo. O fato é que a cana como agronegócio não
produz cultura, mas sim capital", afirmou frei Péret. Há ainda a
destruição da natureza pela homogeinização da paisagem e o
soterramento de nascentes e o sepultamento de árvores, com
substituição da vegetação pela monocultura.
Relações precárias - A
situação dos trabalhadores submetidos a trabalho degradante em
várias usinas e as dificuldades de negociação dos acordos coletivos
e seu posterior cumprimento foram denunciadas pelo presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ituiutaba, José Divino de
Melo. "O governo investe milhões no setor sucroalcooleiro e os
trabalhadores não têm condições dignas de trabalho", afirmou o
sindicalista, que acrescentou que não há uma política de
reenquadramento dos trabalhadores dispensados pela mecanização. De
acordo com ele, falta fiscalização por parte do Ministério do
Trabalho.
O presidente da Federação dos Trabalhadores em
Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva,
acrescentou que só a atuação do ministério não tem sido suficiente
para garantir os direitos dos trabalhadores. "O álcool pode não
significar desenvolvimento e sim empobrecimento, trabalho escravo e
até comprometimento da segurança alimentar", afirmou.
O deputado Antônio Carlos Arantes (PSC) ressaltou
que os problemas dos trabalhadores são cada vez maiores. "O Brasil
vive um momento muito favorável ao desenvolvimento mas, muitas
vezes, o trabalhador arca com os custos desse desenvolvimento",
lamentou. O parlamentar também argumentou que o empobrecimento dos
produtores rurais, resultante da falta de uma política de proteção,
faz com as propriedades sejam vendidas para multinacionais. "Em São
Paulo, 17% das terras já estão nas mãos dessas empresas", completou.
Arantes informou que as empresas estrangeiras compram cada vez mais
terras no Brasil para a produção de alimentos no futuro. "Com o
crescimento populacional e da economia, os alimentos devem ficar
muito caros", concluiu.
Requerimentos - Foram
aprovados dois requerimentos do deputado Durval Ângelo sobre a
reunião da comissão que debateu a proteção dos animais, além de dois
pedidos de audiência pública. A primeira delas é para obter
esclarecimentos sobre o afastamento de dois policiais civis lotados
na delegacia de Confins. A segunda audiência é para discutir
denúncias de trabalho escravo em Minas. Também foram aprovados
outros dois requerimentos de pedidos de informações e um de
manifestação de aplauso.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; Delvito Alves (PTB), Duarte Bechir
(PMN) e Antônio Carlos Arantes (PSC).
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