Ambientalistas e agricultores buscam consenso sobre Código
Florestal
O Plenário da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais reuniu os extremos do confronto agrícola-ambiental nesta
segunda-feira (16/11/09), durante o Debate Público Contribuição
de Minas para a Reforma do Código Florestal Brasileiro.
Deputados, ambientalistas e produtores rurais se reuniram para
discutir propostas comuns a serem enviadas à Câmara dos Deputados,
onde tramita o Projeto de Lei (PL) 1.876/99, do ex-deputado Sérgio
Carvalho. O projeto propõe um novo Código Florestal em substituição
ao atual (Lei Federal 4.771, de 1965).
As dificuldades do entendimento ficaram claras nos
pronunciamentos dos convidados e nas manifestações da plateia. A
professora adjunta da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Irene
Cardoso, recebeu aplausos, mas também vaias localizadas, ao defender
a promoção dos sistemas agroflorestais.
Os participantes também reagiram de forma diferente
às falas dos secretários presentes. O secretário de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, foi
aplaudido sobretudo pelo setor à esquerda do Plenário, onde se
concentraram os ambientalistas. Já os aplausos para o secretário de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Gilman Viana, foram
mais fortes, já que os produtores rurais dominavam os setores
centrais e à direita do Plenário.
Deputados defendem entendimento
Organizado pela Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial, o debate na ALMG foi solicitado pelos deputados
Vanderlei Jangrossi (PP), Antônio Carlos Arantes (PSC), Chico Uejo
(PSB), Domingos Sávio (PSDB) e Carlos Gomes (PT). A necessidade de
adaptar a legislação ambiental à realidade do produtor rural foi
defendida pelos deputados na abertura do evento.
O deputado Vanderlei Jangrossi, que presidiu os
trabalhos, destacou a importância das contribuições mineiras para o
aperfeiçoamento do Código Florestal. Ele também avaliou que a
ausência dos deputados federais que participariam do evento não
prejudicaria os debates, em função dos vários especialistas e
autoridades presentes.
Para o deputado Antônio Carlos Arantes, é
perfeitamente possível aliar produção e preservação ambiental, no
entanto, segundo ele, a legislação tem exageros que dificultam o
equilíbrio entre esses aspectos. Ele ressaltou que é importante
discutir os custos e a viabilidade das exigências do Código
Florestal. "Vamos extrair deste evento a proposta mineira,
consciente e coerente, e levar a Brasília", defendeu. E acrescentou:
"Uma proposta que alie produção, meio ambiente e respeito ao
produtor rural", concluiu.
Também o deputado Chico Uejo (PSB) lembrou a
pressão sofrida pelo produtor rural, que fica entre o cumprimento da
legislação ambiental e a preocupação com os custos de produção. Na
opinião do parlamentar, o Código Florestal está deixando a desejar
por ficar distante da realidade do produtor. "A reforma da lei
florestal mineira trouxe avanços, mas é preciso que ocorra o mesmo
em âmbito federal", comparou.
No mesmo sentido, o deputado Doutor Viana (DEM)
afirmou que é preciso buscar o equilíbrio para produzir bem sem
prejudicar o meio ambiente. "O próprio produtor sabe que não pode
secar suas nascentes", exemplificou. Doutor Viana concluiu: "Não
queremos mais leis; queremos leis melhores".
Secretários defendem reconhecimento de uso
consolidado
Divergências à parte, os secretários de Meio
Ambiente e de Agricultura mostraram sintonia em pelo menos um ponto:
a necessidade de reconhecer e legalizar o uso agrícola e pecuário em
áreas de preservação que tenham se estabelecido de forma contínua
antes de 2002. É o chamado uso consolidado da terra, já previsto na
legislação estadual em vigor. O secretário de Meio Ambiente, José
Carlos Carvalho, ressaltou que essa foi uma concessão do setor
ambiental que precisa ser compensada por uma reavaliação da política
agrícola.
Carvalho lembrou que o uso predatório dos recursos
naturais prejudica a própria economia a longo prazo, e acrescentou
que a polarização do debate não traz nenhum benefício. Entre outros
pontos, defendeu a permissão para que a legislação florestal seja
adaptada às realidades de cada Estado ou região; e pediu ainda
mudanças na política de crédito rural, de forma que ela passe a
promover o uso sustentável da propriedade.
O secretário de Meio Ambiente também fez um apelo
para a construção de consensos, num debate que está dominado pelos
extremos. "Os que apostam na divergência estão prestando um
desserviço ao País", afirmou. Um ponto de convergência por ele
indicado é a remuneração dos serviços ambientais prestados pelos
produtores que preservam suas florestas e mananciais. O outro é que
o governo dê condições para a reversão dos danos. "O Brasil tem duas
chances neste século, como protagonista no cenário internacional. A
primeira é como produtor de alimentos. A segunda é como potência
ambiental, pelos recursos existentes em nosso território", disse
Carvalho.
O secretário de Agricultura, Gilman Viana, citou
dados que mostram a vitalidade do setor agropecuário. Lembrou que o
Brasil saiu de uma situação de déficit na balança comercial
agrícola, na década de 70, para tornar-se o segundo maior exportador
mundial de alimentos, atualmente. Em 2008, o setor foi responsável
por 26,5% do Produto Interno Bruto (PIB), índice que deve crescer
muito em 2009.
Esse crescimento, segundo Viana, foi estimulado
pelo governo, que ignorou a legislação ambiental. Para o secretário,
exigir agora que o produtor reduza sua a área de produção que foi
ocupada anteriormente, com estímulos oficiais, é inviável. "Hoje, a
legislação exige que 71% do território seja preservado. A realidade
é que só 53% estão preservados. Cumprir a exigência legal significa
eliminar a maior parte do café do Espírito Santo e Sul de Minas, 90%
da cana do Nordeste e todo o arroz do Rio Grande do Sul, que
representa 70% do consumo nacional", advertiu o secretário. Por esse
motivo, ele defendeu respeito às áreas consolidadas.
Técnicos também defendem mudanças na lei
A professora Irene Cardoso, da UFV, defendeu
mudanças na lei que incentivem os sistemas agroflorestais e outras
iniciativas que contribuam para a recuperação e preservação
ambientais. Em vez de fiscalização e multas baseadas em uma
legislação pouco adaptável às realidades locais, ela acredita que o
melhor seria um monitoramento positivo, que premiasse essas boas
práticas com um título, "amigos da natureza". Esse título, por sua
vez, poderia viabilizar benefícios como descontos fiscais.
Irene Cardoso também apresentou o projeto da UFV de
monitoramento de sistemas agroflorestais na Serra do Brigadeiro.
Para ela, esses sistemas são um exemplo de prática agrícola
compatível com a preservação ambiental. Eles são também uma
alternativa vantajosa à agricultura que usa grandes quantidades de
agrotóxicos. A apresentação também mostrou, no entanto, críticas de
agricultores familiares aos grandes proprietários, o que provocou
críticas no Plenário.
O chefe-geral da Embrapa Florestas, Helton Damin da
Silva, defendeu ajustes nos critérios técnicos para a legislação, o
envolvimento da comunidade científica e o desenvolvimento de
pesquisas para solucionar o impasse entre produção e preservação. No
entanto, ele ponderou que há diferença entre o critério da lei e a
disponibilidade de informação para aplicar a norma.
O pesquisador também informou que a Embrapa defende
a possibilidade de compensação das áreas produtivas em outras de
maior fragilidade, desde que isso ocorra na mesma bacia
hidrográfica. Ele também criticou o conceito de "topo de morro", que
não teria consenso científico e seria tecnicamente indevido, sendo
mais adequado o de fragilidade ambiental (quanto ao solo, água,
fauna, flora e ar).
Segundo a exposição de Helton da Silva, há
necessidade de relacionar a funcionalidade das áreas de preservação
permanente (APPs) à fragilidade ambiental. A proposição, segundo o
pesquisador avalia, deve considerar a diversidade de paisagens. "As
APPs devem harmonizar com os sistemas de produção e considerar as
potencialidades e fragilidades das paisagens", explicou. E afirmou
que o sistema de composição com árvores é o único que garante a
preservação.
Brasil tem 700 milhões de hectares
sub-utilizados
Maria Dalce Ricas, da Associação Mineira de Defesa
do Ambiente, procurou uma linha conciliatória, criticando tanto os
deputados ruralistas que desejam desregulamentar o setor como as
entidades ambientais equivocadas que desejam congelar o Código
Florestal. "Há entidades que persistem em ignorar realidades que não
podem mais ser ignoradas", condenou. Por outro lado, lembrou que há
700 milhões de hectares já desmatados e abandonados ou
sub-utilizados. Para ela, não há necessidade de ocupar novas áreas,
nem de empurrar os sem-terra para projetos fictícios de assentamento
na Amazônia. "Por que o modelo de exportar carne e soja é o melhor
para o País?", indagou.
O representante da Federação da Agricultura de
Minas Gerais (Faemg), Afonso Damázio Soares, disse que a
Confederação Nacional da Agricultura foi a primeira a levantar a
bandeira da adoção de parâmetros técnicos e científicos na mudança
do Código Florestal. A entidade também defende a descentralização da
legislação, em que a União estabeleceria os limites e caberia aos
Estados definir o que é melhor para cada região.
Soares criticou a profusão de órgãos e normas
infralegais, pediu o desmatamento zero na Amazônia e a proibição de
aumentar a ocupação das APPs. E fez um apelo ao desarmamento dos
espíritos para caminhar nas soluções. "O que vai salvar o meio
ambiente brasileiro não é o comando controle, mas a educação",
afirmou.
O presidente da Federação dos Trabalhadores em
Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da
Silva, disse que há 50 anos 80% da população brasileira era rural, e
que hoje essa situação se inverteu, sem que o Código Florestal
acompanhasse essas mudanças. Vilson queixou-se do prazo de 10 de
dezembro para averbação dos 20% das propriedades e disse que o custo
será muito alto para o pequeno produtor.
Deputado relata casos de injustiças contra
produtores
Dois deputados trouxeram contribuições ao debate,
Domingos Sávio (PSDB), pelos produtores, e Fábio Avelar (PSC), que
preside a Comissão do Meio Ambiente. Avelar lembrou o difícil
desafio que foi atuar como relator do projeto de criação da Lei
Florestal mineira, administrando interesses antagônicos. "Trinta
deputados e sete entidades se debruçaram sobre o tema, e enfrentaram
como maior barreira os limites insuperáveis da legislação federal",
recordou.
Domingos Sávio relatou dois episódios que ilustram,
segundo ele, a difícil situação do produtor mineiro. Recentemente,
um pequeno produtor de Divinópolis comprou 50 hectares com as
economias de toda a vida, e ao apresentar um projeto para uso
agrícola, recebeu a notícia de que sua área era intocável. "Um
decreto do presidente Lula, editado em dezembro, considera mata
atlântica qualquer floresta em recomposição. Ele não pôde desmatar
um único hectare. Isso é confisco, senhores!", exclamou o deputado.
O outro episódio ocorreu nesta segunda-feira (17),
numa reunião com produtores de queijo da região de São João del-Rei
que estariam sendo coagidos a interromper sua tradicional atividade
por denúncia de multinacionais de que todo queijo feito em fazendas
estava contaminado. "O pior é que há fiscais que endossam essa
mentalidade. Ora, senhores, produtor de queijo não é bandido!",
indignou-se o parlamentar.
Presenças - Vanderlei
Jangrossi (PP), presidente da comissão; Antônio Carlos Arantes
(PSC), vice; Doutor Viana (DEM), Fábio Avelar (PSC), Chico Uejo
(PSB) e Domingos Sávio (PSDB).
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