Despejo de escola de circo motiva críticas ao Governo do
Estado
Uma experiência internacionalmente premiada de
atendimento à criança carente por meio da magia circense e de
educação para a cidadania foi interrompida bruscamente há um ano por
um mandado de reintegração de posse conseguido pelo Governo do
Estado contra a ONG Circo de Todo Mundo. Durante a noite, com apoio
de 40 viaturas policiais e um trator, oficiais de Justiça fizeram
demolir as instalações da ONG que ocupava um galpão e 5 mil
m2 do terreno da antiga Febem, no bairro do Horto, em
Belo Horizonte, e destruíram sua lona e seus equipamentos.
Este conflito foi o tema dominante na audiência
pública da Comissão de Direitos Humanos realizada nesta quarta-feira
(11/11/09), a requerimento do seu presidente, deputado Durval Ângelo
(PT), com a presença de pelo menos 70 artistas, alunos e pais de
crianças prejudicadas pelo fechamento do circo. Os artistas
apresentaram uma dramatização do ato de despejo e inúmeras pessoas
foram ao microfone de aparte para dar depoimentos emocionados, falar
da frustração de seus sonhos e condenar a truculência do ato.
A coordenadora-geral do Circo de Todo Mundo, Maria
Eneide Teixeira, disse que todos foram apanhados de surpresa pela
ação de reintegração de posse. Para ela, foi uma demonstração de
intolerância do governo. Ela lamentou a destruição do patrimônio da
ONG, especialmente a destruição do muro erguido com doação da
embaixada da Itália e das árvores frutíferas que os alunos haviam
plantado. Admitiu, no entanto, que a ONG estava em débito com suas
prestações de contas e informou que estavam trabalhando sob uma nova
lona em Nova Lima e estariam para montar uma segunda lona em Betim,
com o apoio da prefeita Maria do Carmo Lara.
Governo destinou o espaço para projeto mais
amplo
Roberta Albanita, subsecretária de Estado de
Assistência Social, desmentiu que a ordem judicial tenha sido
expedida de surpresa, e mostrou uma pasta com toda a documentação
trocada entre o governo e Maria Eneide, com ofertas de negociação e
de realocação das crianças para atendimento em outros projetos do
governo. Afirmou que os participantes se negaram a aceitar, mas
admitiu que as ofertas se referiam apenas aos jovens de 15 a 24
anos, excluindo as cerca de 100 crianças acolhidas após seu horário
escolar nas unidades da prefeitura. Albanita esclareceu ainda que os
deputados André Quintão (PT) e João Leite (PSDB) acompanharam todo o
processo de negociação.
Ana Carolina Lara, coordenadora do projeto Plug
Minas, da Secretaria de Estado de Cultura, explicou que esse projeto
é muito mais amplo do que o do Circo de Todo Mundo, abrangendo
teatro, música, dança, artes plásticas, webdesign, fotografia, games
e empreendedorismo juvenil. E foi concebido para ocupar todos os 67
mil m2 da antiga unidade da Febem no Horto. Atualmente
estaria atendendo 700 jovens, número que seria ampliado para 1.300
em 2010 e 8 mil em 2011. No entanto, participantes sustentaram que
os ex-alunos do Circo de Todo Mundo dependiam dele para tomar sua
única refeição do dia. Muitos hoje estariam nas ruas, alguns foram
mortos e outros se tornaram dependentes de drogas ou vítimas de
abusos sexuais.
O advogado da ONG, Luciano Marcos da Silva,
destacou aspectos que considerou estranhos no despejo. O primeiro
deles é que foi feito à noite, fora do horário forense, o que seria
ilegal. O segundo foi que a data escolhida foi o dia 27 de outubro,
um dia depois das eleições municipais de segundo turno, para que o
candidato do governo não fosse prejudicado. O terceiro foi a rapidez
com que a Justiça concedeu a reintegração de posse, apenas 42 dias
após o vencimento do contrato. A ONG entrou na Justiça com processos
de danos morais coletivos e danos materiais, cobrando pela lona
destruída, figurinos e cenários, cozinha, almoxarifado e galpão.
Mencionou também o prejuízo da perda de um patrocínio da Petrobras
no valor de R$ 240 mil.
Conceito de circo social é inexistente na
Europa
Um depoimento emocionado foi prestado pelo artista
circense italiano Roberto Magno, que trouxe patrocínios
internacionais para a iniciativa. Magno se declarou profundamente
enamorado pela ideia de um circo social, um conceito inexistente na
Europa. Perguntou qual seria a justificativa para o Estado usar de
violência contra uma iniciativa pacífica cujo objetivo era
justamente evitar a violência e resguardar jovens em situação de
risco, e afirmou que a maior riqueza do Brasil é a alegria das
pessoas.
O deputado Durval Ângelo lembrou a proposta do
Araguaia Pão e Circo, trazido a Belo Horizonte há 22 anos pelo bispo
de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga. Determinou que
fosse filmada toda a dramatização do despejo feita pelos artistas e
o envio de cópias ao governador Aécio Neves, ao Ministério Público e
aos dois juízes incumbidos de tratar do caso. Disse que, decorrido
um ano, pode ser difícil restabelecer a situação original, mas não
seria tarde para buscar uma solução alternativa.
Outros dois deputados se prontificaram a ajudar.
Gláucia Brandão (PPS) preside a Comissão de Cultura e propôs levar o
tema para sua comissão em busca de um espaço alternativo para alojar
a ONG. Almir Paraca (PT), que já fez campanha para a prefeitura de
Paracatu com técnicas circenses, disse que ajudou a contactar
prefeituras para acolher o projeto. "O trabalho dessa ONG desbravou
um caminho para atendimento alternativo aos meninos de rua, e
inspirou políticas públicas que deram projeção internacional a Belo
Horizonte e ao Brasil. Só por sua história de 18 anos, o Circo de
Todo Mundo merecia mais respeito. Lamentamos a condução dada pelo
Governo do Estado. Não era necessário desalojá-lo", disse o
deputado.
Agentes penitenciários em greve denunciam
demissões
A primeira parte da reunião, dedicada aos protestos
dos ex-alunos do Circo de Todo Mundo, terminou por volta das 12h30.
Em seguida, o presidente Durval Ângelo abriu o chamado "pinga-fogo",
em que qualquer cidadão ofendido em seus direitos humanos pode usar
o microfone para encaminhar sua denúncia. A primeira inscrita foi a
professora Alessandra Assis, da Funec de Contagem, que denunciou
assédio moral da administração e falta de apoio após o assalto que
sofreu durante seu horário de trabalho. O deputado a instruiu a
trazer documentos e testemunhos que comprovem a denúncia, para que a
comissão possa dar encaminhamento.
Cláudio Angelo, da Unimasp, fez um relato do que
considera intransigência do governo de negociar com os agentes
penitenciários em greve, e de manter a demissão dos grevistas.
Anunciou que pretende entrar em greve de fome imediatamente, com
outros companheiros. Ronan Rodrigues denunciou 300 demissões na
Penitenciária Nelson Hungria, de agentes que não aderiram à greve. O
deputado Durval Ângelo os aconselhou a organizar uma manifestação de
grande visibilidade para pressionar o governo a negociar.
Requerimentos - Foram
aprovados 15 requerimentos do deputado Durval Ângelo, dando
prosseguimento a denúncias levadas nas últimas reuniões, em favor
dos metalúrgicos da RMBH, apurando arbitrariedades policiais
cometidas em Congonhas e Ouro Branco, e no Estádio Mineirão, pedindo
proteção para a freira dominicana Geralda Magela Fonseca, marcando
visita ao Hospital Infantil João Paulo II, entre outros. Do deputado
Vanderlei Miranda (PMDB), foi aprovado requerimento de visita aos
familiares de duas detentas mortas na Penitenciária Estevão Pinto.
Do deputado Delvito Alves (PTB), pedindo visita à cadeia pública de
Unaí; do deputado Sargento Rodrigues (PDT), que pede audiência
pública para discutir irregularidades na escala de trabalho dos PMs
lotados no 33º Batalhão de Betim.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente, Almir Paraca (PT), Carlin Moura
(PCdoB), Ruy Muniz (DEM), Antônio Carlos Arantes (PSC) e deputada
Gláucia Brandão (PPS).
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