Especialistas sugerem políticas públicas para usuários de
drogas
A existência de políticas públicas que garantam o
atendimento ao usuário de drogas e desenvolvam projetos de
prevenção, bem como um sistema carcerário que realmente ressocialize
o condenado, são algumas das recomendações de especialistas no
assunto. A análise foi feita nesta segunda-feira (9/11/09), na
Comissão Extraordinária de Políticas Públicas de Enfrentamento à
Aids, DSTs, Alcoolismo, Drogas e Entorpecentes da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, que realizou o Debate Público O
enfrentamento do narcotráfico e a descriminalização das
drogas.
O requerimento para o debate foi apresentado pelos
deputados Fahim Sawan (PSDB), coordenador da comissão, Célio Moreira
(PSDB) e Neider Moreira (PPS). Os três foram unânimes em destacar a
importância de se envolver toda a sociedade no debate sobre a
descriminalização das drogas. Fahim Sawan lembrou o aumento da
violência, da aids e das doenças sexualmente transmissíveis e
destacou a desagregação familiar como consequência do aumento do
consumo de drogas. Ele ressaltou o papel da comissão neste debate e
sua responsabilidade de emitir uma opinião, em nome da sociedade
mineira, para ser encaminhada ao Congresso Nacional, a quem cabe
elaborar legislações pertinentes.
Célio Moreira fez um longo apanhado do aumento do
consumo de drogas no País e citou leis de outros países, como
Portugal, Espanha, México e Argentina, onde o consumo foi
descriminalizado. Ele destacou ainda a necessidade de o tratamento
começar na família, com diálogo que deve se estender para as
escolas, sindicatos, associações e igrejas.
Já o deputado Neider Moreira disse que a sociedade
ainda não se deu conta da gravidade do problema que tem pela frente
e que enquanto não houver essa conscientização, ela não se
mobilizará para superar o problema. O deputado destacou que qualquer
política pública que trate do tema tem que levar em conta a ocupação
de espaços negligenciados. "A exemplo do que aconteceu no Rio de
Janeiro, esses espaços esquecidos foram a mola para a ocupação do
poder paralelo", disse.
Para a deputada Maria Tereza Lara (PT), os pais que
dão limites e criam seus filhos "verdadeiramente com autoridade e
com amor" estão evitando problemas futuros com a droga. Ela lembrou
também que os municípios podem procurar os governos estadual e
federal para criar parcerias em programas para o tratamento de
pessoas dependentes.
Enfrentamento do narcotráfico passa pelo controle
de fronteiras
Para o subsecretário de Estado de Políticas
Antidrogas, Cloves Benevides, o Brasil precisa discutir o tema de
forma não episódica. "Não adianta debater a descriminalização da
maconha se não há uma estrutura pública de tratamento, prevenção e
reinserção do usuário". Benevides disse que o problema mais
significativo é o controle das fronteiras. "O Brasil produz
pouquíssimo do que consome e está na divisa com os principais
produtores".
Outro ponto levantado por Benevides diz respeito à
importação de modelos de legislação de outros países. "Eles se
aplicariam à realidade brasileira?", questionou. Crítica neste
sentido foi feita pela procuradora de Justiça Ruth Lies Scholte
Carvalho, para quem a lei brasileira não precisa de modificação.
Ela discorreu sobre a Lei Antidrogas (Lei Federal
11.343, de 2006), destacando os principais pontos e informando que
ela não precisa de alterações. "É uma lei boa, só está mal aplicada
e mal interpretada". Compartilhando da opinião de que é preciso
haver uma estrutura para acolhimento do usuário, Ruth Carvalho
criticou a corrente a favor da descriminalização da maconha.
"Liberação nunca resolveu problema de ninguém. Todos precisam de
limites". Sobre a liberação da venda, como forma de desmantelar o
tráfico, ela garantiu tratar-se de um argumento errôneo. "Na Holanda
não resolveu nada, só agravou o problema de saúde pública. Aqui só
aumentaria a guerra, porque ninguém quer perder seu negócio",
sentenciou.
Ruth Carvalho afirmou que a Lei 11.343 já foi um
grande avanço e não acabou com as penas para o usuário. "A lei
apenas criou um tratamento diferenciado, que ao invés de prisão,
permite o cumprimento de penas alternativas, como o trabalho
comunitário". Ela lembrou que portar, guardar, ter em depósito ou
transportar a droga continua sendo crime. Enfatizando a sofisticação
na distribuição de drogas pelos grandes traficantes, que multiplicam
os distribuidores, os chamados "aviões", geralmente usuários que
pagam seu vício prestando serviço, a procuradora de Justiça disse
que a prisão é a única forma de quebrar a atividade. "Mas não basta
a prisão. Ela tem que ser completada com um sistema carcerário que
ofereça a ressocialização", completou.
Tráfico de drogas está entre os três negócios
mundiais mais lucrativos
Para o presidente do Conselho Estadual Antidrogas
(Conead), Aloísio de Andrade, a questão da dependência química é um
problema da humanidade, que enfrenta hoje um momento de crise e de
questionamento de valores. "O dependente químico é geralmente um
depressivo, uma pessoa que já está em desespero e não está dando
conta de viver nem de intervir no próprio destino", comentou.
Aloísio destacou ainda os três tipos de negócios mundiais mais
lucrativos: o tráfico de animais silvestres, o de seres humanos e o
de drogas.
A diretora-geral do Centro Mineiro de Toxicomania,
Raquel Martins Pinheiro, destacou que as pessoas que não usam drogas
são aquelas que desenvolveram uma capacidade crítica de escolher o
que querem para suas vidas. Para ela, todo ser humano tem a
tendência de fugir de problemas, alguns deles procurando o prazer
imediato através das drogas. Ela contou o caso de uma moça que disse
que saia à noite somente se estivesse "doidona". "Talvez as pessoas
não saibam, mas a felicidade é efêmera", concluiu.
Tráfico organizado - Para
o presidente do Conselho Municipal Antidrogas de Uberaba, Ricardo
Aparecido dos Santos, o traficante entra para preencher no
adolescente a falta da família, do limite, do amor, da figura
paterna ou materna. Segundo ele, é necessário criar estratégias de
enfrentamento, pois o tráfico é organizado, e por isso, toda a
sociedade também tem que se organizar. Ele sugeriu medidas como a
criação de novas leis, a criação de centros de referência para
atender pessoas após internações e o fortalecimento dos conselhos e
outras instituições de combate ao narcotráfico.
O delegado da Polícia Civil da Divisão Antidrogas,
Rodrigo Pascoal, disse que para combater o tráfico não basta prender
o traficante, é necessário compreender todo o processo. Não basta
também apreender a droga, o policial tem também que retirar o poder
do traficante, ou seja, o dinheiro. "O policial tem que fazer todo o
levantamento financeiro e trabalhar de forma científica", observou.
Segundo ele, o Brasil não é um grande produtor de droga, a maior
parte vem de fora e não está só na favela". Pascoal defende a
pedagogia da aplicação das leis, de modo a aumentar os riscos para a
atividade do tráfico.
Organizadores de festas distribuem ingresso a
traficantes
O coordenador da comissão, deputado Fahim Sawan,
abriu a palavra para a plateia. O primeiro a usar o microfone,
Gustavo Machado, da Coordenadoria de Esportes e Juventude do
Governo, criou uma polêmica ao dizer que seus colegas da Faculdade
de Direito da UFMG fumavam maconha nos banheiros, e que conhece
donos de boates que distribuem ingressos para traficantes, que
garantem um grande comparecimento a suas festas.
O colega de Machado, Tiago Franco, disse estranhar
essa atitude, conclamou seu companheiro a denunciar os produtores
dessas festas e defendeu os organizadores de raves e eventos de
música eletrônica como gente séria, que evita e não estimula a
entrada de traficantes. O deputado Célio Moreira também ficou
indignado com a informação de Machado e pediu uma atitude de
denúncia da sociedade pelo telefone 181. Disse que compareceu a
festas raves com seus filhos adolescentes para verificar se havia
algo suspeito e que muitos delegados da Polícia Civil e da Federal
fazem o mesmo.
O deputado Neider Moreira também deplorou a
irresponsabilidade dos donos de boate que credenciam traficantes,
sem consciência de que entre aqueles jovens há talentos que serão
ceifados e famílias que serão desfeitas. O deputado disse que não
basta avançar na repressão, mas nas medidas socioeducativas.
Ronaldo Terra Viana, delegado da Federação das
Comunidades Terapêuticas, pediu políticas públicas para combate às
substâncias psicoativas centradas na valorização da vida, e
classificou taxativamente que qualquer dessas substâncias é um
atentado à espécie humana. Tadeu Luciano Pereira, de Uberaba,
manifestou sua preocupação com a continuidade do apoio às
comunidades terapêuticas no governo que será eleito em 2010. "Hoje o
atendimento é feito com as migalhas que caem da mesa", afirmou.
O subsecretário Cloves Benevides disse que todo
problema complexo tem uma solução simples, que é errada. Para ele,
não há dois casos iguais de dependência de drogas, e as próprias
drogas evoluem sempre. "Um quilo de pasta de coca sai da Bolívia por
US$ 2 mil, e seu custo de produção é de apenas 5%. Nos Estados
Unidos chega a R$ 25 mil e na Europa a R$ 40 mil", informou. Para
ele, as três frentes de combate às drogas têm que ser harmonizadas e
nenhuma negligenciada: a prevenção, a repressão e o tratamento.
Benevides garantiu, em nome do vice-governador Antônio Anastasia,
que em 2010 os centros de referência serão uma realidade.
Presenças - Deputados Fahim Sawan (PSDB),
coordenador da comissão; Neider Moreira (PPS), Célio Moreira (PSDB)
e a deputada Maria Tereza Lara (PT).
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