Juristas debatem projeto de lei "fichas-sujas" em reunião de
comissão
Opiniões divergentes e discussões sobre critérios
de elegibilidade marcaram o debate sobre o projeto de lei conhecido
como "fichas-sujas", durante reunião realizada na noite desta
sexta-feira (23/10/09) pela Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A atividade integrou o
Simpósio de Ciências Criminais, promovido pelo Instituto dos
Advogados de Minas Gerais (Iamg) e pelo Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCRIM). O evento foi realizado no auditório da
Academia Mineira de Letras.
O projeto de lei debatido, de iniciativa popular,
foi encaminhado ao Congresso Nacional e pretende vetar a candidatura
a cargos eletivos de pessoas que estejam respondendo a processos
judiciais. A proposição teve 1,3 milhão de assinaturas. O deputado
Durval Ângelo (PT) ressaltou o grande número de adesões para falar
da importância de se realizar uma discussão aprofundada sobre o
assunto. Para o deputado, a análise sobre o projeto exige cautela,
pois a norma não pode se transformar num instrumento de "cassação de
direitos de cidadania de ninguém".
Corrobora a opinião do deputado o desembargador do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) José Altivo Brandão
Teixeira, que falou do risco de "cassação prévia do candidatos". Ele
alegou que bastam indícios para que seja formulada uma denúncia que,
ao longo do processo judicial, pode não ser confirmada. Na avaliação
do desembargador, os critérios de elegibilidade podem variar muito
de um caso para outro se dependerem das diferentes opiniões dos
juízes. "Se cada magistrado colocar como norma aquilo que ele
entende como uma vida pregressa pura, nenhum cidadão se sentirá
seguro para se lançar numa candidatura. Cada juiz tem uma opinião",
disse.
Presunção de inocência - O
diretor do departamento de Direito Eleitoral do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais (Iamg), Antônio Ribeiro Romanelli, disse
que o artigo da Constituição Federal que trata dos critérios de
elegibilidade deve ser interpretado em consonância com os princípios
da administração pública. Para o jurista, a "presunção da inocência"
deve ser defendida no âmbito do direito penal, pois "o objeto da
proteção do Estado é a liberdade, um bem fundamental", justificou.
No direito eleitoral, entretanto, ele defende a "inversão" desse
instrumento em nome da "proteção da sociedade, que vai ser objeto
das decisões daquele que for eleito". Na opinião de Romanelli, a
decisão do processo julgado em primeira instância, por garantir ao
acusado o direito de ampla defesa, já seria suficiente como critério
de elegibilidade.
O diretor do departamento de Direito Penal do Iamg,
Odilon Pereira de Souza, fez duras críticas a Romanelli,
principalmente no que se refere ao que foi dito sobre o princípio da
presunção da inocência. Em sua opinião, esse princípio é o único
aceitável, não sendo admitida sua "inversão" sob nenhuma
circunstância. Tem a mesma opinião o diretor do Instituto de
Ciências Penais, o advogado Luís Carlos Parreira Abrita. Para ele,
"o projeto ofende totalmente o princípio da presunção de
inocência".
Cautela - Apesar de
considerar "uma vitória" o fato de o projeto contar com uma
participação popular tão expressiva, o advogado e professor da
Faculdade de Direito Milton Campos, Luciano Santos Lopes, também
pede cautela na análise do proposição. O texto, segundo informou,
prevê que uma pessoa seja considerada inelegível se estiver
respondendo a processo ou se for alvo de denúncia feita junto a
órgão colegiado. "No fundo, bastará a mera denúncia", criticou. Em
sua avaliação, muitas pessoas podem ter assinado o projeto sem que
tenham refletido a respeito de todas as suas implicações.
A advogada Ana Márcia Melo também fez ressalvas em
relação ao projeto. Ela afirmou que muitas ações de improbidade
administrativa são resultado do desconhecimento técnico de alguns
políticos sobre as diretrizes de gestão pública. Em razão disso,
informou a advogada, várias decisões de ações dessa natureza estão
sendo revistas. Nesse sentido, ela considera que seria necessário
que houvesse um trabalho de qualificação voltado para os políticos.
A advogada Edilene Lobo posicionou-se contra o
projeto de lei "fichas-sujas", mas disse que a proposição inaugura
uma oportunidade de se estabelecer um diálogo maduro com o cidadão.
Ela defende que se faça um trabalho de conscientização do eleitor
para que, ele próprio, através do voto, possa fazer o julgamento de
quem deve assumir um cargo eletivo.
Presença - Deputado Durval
Ângelo (PT), presidente da comissão.
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