Militantes de direitos humanos denunciam tortura no
Brasil
A tortura é endêmica e sistemática no Brasil e se
volta, sobretudo, contra a população mais pobre e carcerária. Essa
denúncia esteve presente em todos os depoimentos de ativistas que
participaram, nesta quinta-feira (1º/10/09), de audiência da
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais. No encontro, houve também o lançamento de livros e de DVD
relacionados ao tema, idealizados pelo Grupo Tortura Nunca Mais
(GTNM), do Rio de Janeiro.
Para Cecília Coimbra, do GTNM carioca, a concepção
de que defender os direitos humanos é "passar a mão" na cabeça de
bandido vem se fortalecendo na sociedade para justificar a violência
do Estado. "O Estado não pode ter essa lógica de combater a
violência com violência", afirmou. Para a ativista, os órgãos
policiais ainda se valem de processos na justiça para intimidar
imprensa e movimentos sociais que denunciam torturadores. "A tortura
é um importante instrumento de controle social e a insegurança
pública interessa ao Estado", acrescentou.
O presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia em
Minas, Betinho Duarte, reforçou que a denúncia de torturadores,
ainda hoje, gera conseqüências gravíssimas no País. Por isso,
segundo ele, os movimentos permanecem na luta pelo fim da tortura
oficializada pelo Estado e pela punição dos torturadores. "Na
Argentina e no Chile, eles estão sendo presos. Aqui são assessores
de governos", criticou. Betinho deu um testemunho sobre o período de
prisão e afirmou que todos os que passaram pelas instituições
repressoras durante a ditadura militar são sobreviventes, porque a
política era de extermínio.
A continuidade da luta pela verdadeira anistia
também foi justificada pela coordenadora do Instituto Helena Greco
de Direitos Humanos e Cidadania, Heloísa Greco, para quem a tortura
continua sendo uma instituição sólida. "Temos um Estado de exceção
permanente, que promove um genocídio contra jovens e negros. E essa
questão está naturalizada", denunciou. Bizoca citou ainda o sigilo
dos arquivos das forças armadas e salientou que o Brasil deverá ser
condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não
cumprir sentença que exige, entre outras providências, a localização
dos restos mortais de combatentes do Araguaia.
Já a diretora do Escritório dos Direitos Humanos da
Sedese, Maressa Miranda, chamou a atenção para o que considera uma
"tortura refinada", que atinge minorias da população.
Tortura atinge também familiares de presos
A tortura contra os presos no Brasil se estende
ainda aos seus familiares, conforme assinalou Virgílio de Mattos, do
Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade.
"Os parentes que insistem em não abandonar o preso também são
criminalizados", garantiu. Segundo ele, durante a ditadura, a
tortura nem sempre foi usada para se obter informação. "Torturava-se
também para fins didáticos. E essa é uma lógica que não conseguimos
superar, apesar do fim da ditadura", lamentou. A tortura, segundo
Mattos, é o alicerce da proteção à classe dominante e é proporcional
à importância econômica do preso.
Cassandra Dias Castro, também do Grupo de Amigos e
Familiares, cobrou o cumprimento da Lei 12.492, de 1997, que
estabelece os critérios para revista de visitantes do sistema
prisional em Minas. A lei prevê a revista íntima apenas em casos de
grave suspeita, mas Cassandra afirmou que a prática é rotineira em
pessoas de qualquer idade, submetidas a um procedimento humilhante.
"Isso é pior do que a tortura, porque atinge a dignidade de um
sujeito que a justiça não condenou", afirmou. O deputado Durval
Ângelo (PT), presidente da comissão, reforçou que essa prática é
ilegal e que será objeto de ação do Ministério Público.
Durval Ângelo citou ainda dificuldades encontradas
até pela própria comissão para realizar visitas a estabelecimentos
prisionais. No mais recente episódio, ocorrido na última
segunda-feira (28), em Oliveira, o deputado chegou a ser agredido na
tentativa de fazer imagens da cadeia pública da cidade. Segundo
Durval, a Mesa da Assembleia teria, inclusive, tomado providências
em torno do episódio. Ele comemorou, por outro lado, a decisão do
Conselho Nacional de Justiça de exigir a instauração de processo
disciplinar contra o juiz Edilson Rodrigues, de Sete Lagoas, que
teria considerado a Lei Maria da Penha inconstitucional e feito
declarações denegrindo as mulheres.
Pesquisador denuncia repressão em Minas
Gerais
Citando relatórios de organismos internacionais,
que reiteram a existência de práticas de tortura no Brasil, Moisés
Augusto Gonçalves, estudioso do tema, acrescentou que a tortura em
Minas é "um escândalo". Ele analisa que essa tortura oficial é
invisível e, por isso, não há como cobrar. "Os órgãos de defesa dos
direitos humanos no Estado têm que se posicionar abertamente sobre
isso. Se os governos não enfrentam, endossam, e se endossam, são
cúmplices", afirmou.
Durval Ângelo citou que as três primeiras
condenações de agentes públicos pela lei de tortura confirmadas pelo
STJ são mineiras. Minas Gerais, segundo o deputado, também foi o
único dos estados convidados que não assinou o protocolo de combate
à tortura proposto pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. "No
último episódio, o ministro Paulo Vannuchi veio a Belo Horizonte,
estávamos aguardando a assinatura e, meia hora antes, fomos
informados de que a Secretaria de Defesa Social não concordava",
lembrou.
O presidente da comissão citou ainda dados que
apontam o aumento da letalidade policial em Minas e a redução do
número de mortes de policiais, quadro que, segundo ele, aponta para
a prática de execuções sumárias.
Livros - Entre as obras lançadas durante a
audiência está o livro Clínica e Política 2 - Subjetividade,
direitos humanos e invenção de práticas clínicas. Organizado por
Janne Calhau Mourão, o livro traz artigos de profissionais que fazem
atendimento psicológico a vítimas de torturas e seus familiares no
GTNM do Rio. O outro livro é 20 anos da Medalha Chico Mendes de
Resistência, que traz a biografia
atualizada dos homenageados com a comenda nas últimas duas décadas.
Já o DVD, dirigido por Beth Formaggini, traz
depoimentos tanto de familiares que ainda buscam parentes
desaparecidos na ditadura como os que choram os recentes
assassinatos de jovens nas favelas brasileiras. Além dos convidados
citados, prestigiaram o lançamento outros representantes do GTNM e
do Instituto Helena Greco, ex-presos políticos e vários
ativistas.
Presença - Deputado Durval
Ângelo, presidente da comissão.
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