Ambientalistas criticam decreto que muda regra de proteção de
grutas
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais ouviu, na
manhã desta terça-feira (22/9/09) novas críticas de ambientalistas
ao Decreto Federal 6.640, de 2008, que modifica os critérios de
proteção das cavidades naturais subterrâneas no território nacional
e permite a supressão de grutas e cavernas, dependendo de sua
relevância.
Polêmico, o assunto foi debatido em audiência
pública na ALMG pela segunda vez e, para a superintendente executiva
da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce
Ricas, o decreto abre brechas perigosas à proteção efetiva das
grutas e cavernas, sendo dúbio quanto às responsabilidades dos
diversos órgãos ambientais. Segundo ela, a nova norma não foi
precedida de uma discussão democrática e atenderia apenas ao setor
de mineração.
Já para o consultor de meio ambiente do Instituto
Brasileiro de Mineração (Ibram), João Carlos de Melo, as novas
normas prevêem licenciamento da atividade naquelas áreas mediante
estudos de pelo menos um ano. "Mas em se tratando de uma legislação
nova, a norma vem sendo avaliada e debatida. É um processo natural
da sociedade proteger aquilo de que não se tem muito conhecimento",
argumentou.
Deputados defendem debate mais aprofundado
Para o deputado Sávio Souza Cruz (PMDB), autor do
requerimento da audiência, esse é um debate importante sobretudo
para Minas, pelo fato de o Estado ter na mineração uma importante
atividade econômica e um patrimônio paleontológico de grande
relevância. Ele defendeu, sobretudo, que o Estado resgate o papel do
licenciamento ambiental. Segundo o parlamentar, apesar de sua
importância, boa parte da sociedade ainda vê o licenciamento como
uma mera etapa burocrática.
O deputado Fávio Avelar (PSC), presidente da
comissão, propôs a criação de um grupo de trabalho com
representantes de todas as instâncias envolvidas na questão para a
elaboração de um relatório a ser debatido numa próxima audiência
pública. "É importante que sejam avaliadas as novas regras e
propostas que surjam de um debate maior para, se for o caso, alterar
inclusive a legislação estadual", defendeu o parlamentar, ao
comentar a existência de norma estadual a respeito.
Iepha quer normas específicas para Minas
Para o presidente do Grupo Brandt Meio Ambiente,
Wifred Brandt, o decreto federal e a instrução normativa baixada
posteriormente pelo Ministério do Meio Ambiente representam um
consenso inicial. "O que foi feito até agora é o primeiro caminho
para uma discussão técnica e científica adequada", disse ele.
Discordando, Maria Elisa Castellanos, arqueóloga do
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Arstístico (Iepha),
criticou a falta de clareza dos propósitos e termos da nova
legislação federal. "Nenhuma das políticas atuais atende às
necessidades de Minas, Estado que tem um enorme patrimônio
arqueológico e espeleológico e que por isso precisa de uma
legislação estadual específica", defendeu. Elisa admitiu, contudo,
que o Iepha não dispõe de um banco de dados atualizado e completo de
arqueologia e espeleologia. "Há um grande trabalho a ser feito".
Maria Dalce Ricas, da Amda, acrescentou que o
acervo de grutas e cavernas deveria ser objeto de zoneamento, e não
de um cadastro, como citado nas novas normas. Ela também defendeu
que o papel do Estado no processo de licenciamento ambiental seja
repensado. "Há um desinteresse do poder público na preservação, e
esse decreto pode beneficiar o lado econômico sob argumentos como o
da geração de emprego. Mas emprego e proteção ambiental devem estar
em pé de igualdade", afirmou ela.
Compensações - O analista
de meio ambiente da Vale, Denes Martins da Costa, argumentou que as
cavernas estão sob tutela da União desde a Constituição Federal de
1988, e destacou que o recente decreto federal estabelece
compensações ambientais em graus diversos para supressão de grutas e
cavernas classificadas como de alta relevância.
Já o espeleólogo Maurício Cravo alertou para a
falta de estrutura adequada por parte dos órgãos que irão gerir o
levantamento e os estudos classificatórios e de impactos visando à
nova norma. "O Estado deve se aparelhar para essa análise", frisou,
defendendo que normas nesse sentido não sejam restritas apenas à
mineração, mas também a atividades industriais e de urbanização que
também afetam os patrimônios arqueológico e espeleológico.
Secretaria do Meio Ambiente teme dilapidação do
patrimônio de Minas
O subsecretário de Estado de Gestão Ambiental
Integrada, Ilmar Bastos Santos, também defendeu a formação de um
banco de dados único sobre o patrimônio espeleológico de Minas.
Segundo ele, os cadastros existentes, além de muitas vezes
incompletos, não são integrados. Ele avaliou que o decreto federal
pode contribuir para dilapidar o patrimônio de Minas, e defendeu
união de forças de todos os segmentos para que as normas sejam
debatidas com mais profundidade e abrangência visando seu
aprimoramento.
Ilmar admitiu que o Estado, em função da questão
salarial, enfrenta dificuldades para atrair e manter em seus quadros
técnicos especializados à altura do trabalho de levantamento e
análise, e que em função da queda na arrecadação estadual com a
crise internacional, não há previsão de realização de concursos
públicos. Anunciou, contudo, que o Sistema Estadual de Meio Ambiente
vai se reunir para debater questões relativas ao licenciamento e a
normas de proteção de grutas, cavernas e cavidades naturais.
Promotor diz que decreto federal é
inconstitucional
O coordenador da Promotoria de Defesa do Patrimônio
Histórico, Cultural e Artístico do Estado, Marcos Paulo de Souza
Miranda, criticou o decreto federal sobretudo por não obrigar a
realização de estudos de impacto ambiental, e alertou para os riscos
que a nova norma representa para o Estado. Ele disse que Minas detém
cerca de 2.500 sítios espeleológicos cadastrados, o que representa
um terço do total brasileiro, mas previu que os impactos do decreto
serão ainda maiores. "Somente 10% das cavidades existentes são
conhecidas ou cadastradas", explicou.
Sobre a mencionada tutela da União sobre grutas e
cavernas, o promotor frisou que o Estado pode, sim, avançar na
proteção de seus sítios arqueológicos e cavidades naturais, como já
faz a Lei 11.726, de 1994, que trata da proteção jurídica do
patrimônio espeleológico. "O Estado pode ser mais restritivo em suas
normas do que a União".
O artigo 15 da mesma lei estadual, destacou o
promotor, determina que a exploração nessas áreas depende de estudo
prévio de impacto cultural e da aprovação do Conselho Estadual de
Cultura, instância que, segundo ele, ainda não foi criada. "Minas é
um dos poucos a não ter esse conselho".
O promotor lembrou que o Decreto Federal 6.640 está
sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ação
direta de insconstitucionalidade (Adin), cujo processo está em poder
do relator Eros Grau para apreciação.
Segundo explicou o promotor, a Constituição Federal
de 1988, em seu artigo 225, determina que a supressão dos chamados
espaços territoriais especialmente protegidos somente pode ser
permitida por meio de lei. As cavernas, destacou, foram alçadas à
condição de espaços especialmente protegidos por meio do Decreto
Federal 99.556/90, e por isso as mudanças dos critérios de proteção
deveriam ter sido feitas por lei. O promotor também criticou o fato
de especialistas e ambientalistas não terem sido ouvidos na fase de
elaboração do decreto.
O decreto - O Decreto
6.640 prevê que a cavidade natural subterrânea será classificada com
grau de relevância máximo, alto, médio ou baixo, podendo ser objeto
de impactos negativos irreversíveis (exceção para a relevância
máxima) mediante licenciamento ambiental.
A norma define como cavidade natural subterrânea
"todo e qualquer espaço subterrâneo acessível pelo ser humano, com
ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna,
gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambiente,
conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o
corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que tenham sido
formados por processos naturais, independentemente de suas dimensões
ou tipo de rocha encaixante."
Presenças - Deputados
Fábio Avelar (PSC), presidente; e Sávio Souza Cruz
(PMDB).
|