Expedição revela desafios e avanços na recuperação do Rio das
Velhas
O lançamento dos esgotos de Nova Lima, Sete Lagoas
e Sabará diretamente no rio; o uso inadequado de agrotóxicos e a
falta de integração das gestões ambiental e hídrica para concessão
de licença ambiental foram os principais problemas encontrados na
segunda expedição do projeto Manuelzão, da UFMG, pelo Rio das
Velhas. Os resultados da viagem foram relatados em audiência pública
da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da
Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta quinta-feira (10/9/09).
Como principal avanço percebido na recuperação do rio, o coordenador
do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano, apontou a volta dos
peixes para a bacia hidrográfica do Velhas.
O deputado Fábio Avelar (PSC), presidente da
comissão e autor do requerimento da reunião, destacou a importância
da Meta 2010, proposta pelo Manuelzão, ter sido incorporada pelo
Governo do Estado como projeto estruturador. Essa meta estabelece
que até o próximo ano o Rio das Velhas deverá apresentar condições
para pesca, navegação e banho.
A segunda expedição pelo Velhas foi realizada de 9
de maio a 6 de junho deste ano, quando 50 pessoas formaram equipes
multidisciplinares e percorreram os 780 km do rio, desde Ouro Preto
até a foz, no Rio São Francisco. Havia equipes percorrendo o rio em
caiaques e outras pesquisando a bacia por terra, conversando com a
população, analisando o entorno e buscando a conscientização dos
moradores das cidades ribeirinhas.
Segundo Marcus Vinícius Polignano, a primeira
diferença percebida em relação à primeira expedição, realizada em
2003, é a volta dos peixes, "em quantidade e qualidade", sobretudo
depois da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Ele avaliou
que a recuperação da biodiversidade é resultado, sobretudo, do
aumento do volume de esgoto tratado. Em 2003 eram cerca de 40
milhões de m³ e hoje são mais de 80 milhões de m³. De acordo com
Polignano, o rio está bastante preservado em sua nascente e, a
partir do Médio Velhas, já tem condições de balneabilidade. Para que
todo o rio seja próprio para banho, ele afirmou que a Copasa precisa
fazer a desinfecção das águas.
Coordenador do Manuelzão defende integração das
gestões ambiental e hídrica
Apesar das conquistas, o coordenador do Manuelzão
listou uma série de desafios à preservação da bacia, como a
degradação das nascentes, deposição inadequada de resíduos sólidos,
a especulação imobiliária e irregularidade na extração de areia,
além de deficiências na fiscalização e controle do setor industrial,
de mineração e parcelamento do solo. Ele defendeu a integração da
gestão ambiental com a de recursos hídricos, com vistas ao
licenciamento ambiental, respeitando a classificação dos cursos
d'água. Para ele, é preciso uma visão sistêmica, que leve em
consideração o impacto de um empreendimento sobre toda a bacia
hidrográfica. "A Meta 2010 não é só de tratamento de esgoto, mas de
mudança de cultura", concluiu.
O gerente-adjunto do Projeto Estruturador de
Revitalização do Rio das Velhas, Ronaldo Matias de Sousa, disse que
a Copasa deve investir R$ 1,3 bilhão, de 2004 a 2010, na recuperação
da bacia. "É quatro vezes o volume de investimentos feito na Linha
Verde", comparou. Ele também mostrou a evolução do tratamento do
esgoto coletado ao longo do Rio das Velhas. Em 2002, eram tratados
2%; em 2008 esse índice subiu para 58%; deve chegar a 68% no final
de 2009 e a 84% em 2010.
Ronaldo Matias também informou que a Copasa já
contratou estudos, que devem ser concluídos em quatro meses, para
saber a eficácia da desinfecção do Velhas. Além disso, ele disse que
a empresa tem um programa de controle dos efluentes para garantir
que eles não comprometam a rede da Copasa, o tratamento biológico do
esgoto ou mesmo a saúde dos funcionários das estações de
tratamento.
Meta 2010 busca envolvimento da sociedade para
controle da poluição
Para a empreendedora pública do Sistema Estadual de
Meio Ambiente, Myriam Mousinho, a Meta 2010 está agora em um momento
crucial, que é o controle da poluição difusa, ou seja, aquela gerada
por diversos agentes ao longo da bacia (agricultura, turismo,
indústria). Para isso, estão sendo feitas reuniões de articulação e
conscientização com esses setores. "O ano de 2010 precisa ser um
marco dos avanços na recuperação do rio, mas as ações precisam ser
permanentes", defendeu, lembrando que a recuperação total de um rio
pode levar até 30 anos.
Myriam Mousinho também acredita que a cobrança pelo
uso da água e a outorga para lançamento de efluentes, sob
responsabilidade do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam),
são ações que trarão resultados para a recuperação do rio. De acordo
com o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas,
Rogério de Oliveira Sepúlveda, a segunda expedição marcou uma
mudança de paradigma. O foco não é apenas na qualidade da água para
o consumo, mas na volta dos peixes para a bacia. "O desafio ainda
está presente, porque durante a expedição houve mortandade de
peixes", contou.
Rogério Sepúlveda também pediu ajuda da Comissão de
Meio Ambiente para discutir o projeto da Codevasf de construção de
cinco grandes barragens ao longo do Rio das Velhas, em função da
transposição do São Francisco. Segundo ele, parte do rio passaria a
ser de domínio da União, prejudicando o arranjo institucional
existente para a gestão da bacia e comprometendo o projeto de
despoluição.
O vice-diretor do Igam, Geraldo José dos Santos,
também criticou a construção de barragens e a monopolização do setor
elétrico sobre o uso da água no Brasil. "É preciso garantir o
multiuso", defendeu. Para ele, a construção das barragens fere a
autonomia mineira. O representante do Igam e também disse que o
governador anunciou que não haverá a construção dessas barragens em
sua gestão.
Na fase de debates, o integrante do Projeto
Manuelzão, Rafael Bernardes, que percorreu o Velhas de caiaque na
expedição deste ano, fez um depoimento sentimental e provocador
sobre os desafios ambientais do Estado. Ele afirmou que Belo
Horizonte também precisa tratar melhor seu esgoto. "A visão de quem
está dentro do rio é outra", disse. Na opinião dele, falta
integração da área ambiental em prol da preservação e acompanhamento
dos empreendimentos licenciados. "Destruir é fácil, reconstruir pode
levar 500 anos", concluiu. Ronaldo Matias respondeu que em breve
deve ser adotada uma nova técnica de tratamento do esgoto, que pode
elevar de 70% para 90% o índice de eficiência do tratamento.
O deputado Carlos Gomes (PT) elogiou a iniciativa
da audiência e parabenizou o projeto Manuelzão pelo trabalho que
realiza desde 1997. "Esse projeto é de interesse de toda a
população. A preocupação agora não é só com a quantidade, mas com a
qualidade da água", lembrou.
Presenças - Deputados
Fábio Avelar (PSC), presidente; e Carlos Gomes (PT). Também
participaram da reunião a analista ambiental do Igam, Vanessa Kelly
Saraiva; a superintendente de Coordenação Técnica da Semad, Simone
Ribeiro Rolla; e o ouvidor ambiental do Estado, Eduardo
Tavares.
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