Impasse entre produtor e fiscalização gera debate sobre mudança
da lei
Mudanças na legislação ambiental e a regulamentação
do artigo 24 da Constituição Federal, permitindo que estados e
municípios legislem sobre a matéria levando em consideração
características regionais. Essas foram algumas das sugestões
apresentadas em audiência pública realizada em Pará de Minas nessa
sexta-feira (10/07/09) pela Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais. O objetivo foi debater a forma como o Instituto Estadual de
Floresta (IEF) e outros órgãos ambientais vêm fiscalizando os
produtores rurais da região, provocando processos penais ajuizados
pelo Ministério Público.
Denúncias de que estariam ocorrendo abusos na
fiscalização foram feitas por produtores da cidade e de vários
outros municípios da região, que lotaram o auditório do Sindicato de
Produtores Rurais de Pará de Minas. O debate reuniu cerca de 300
produtores e representantes de órgãos do governo, como IEF e
Secretarias de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério Público e
da Polícia Militar, além de vereadores da região.
O presidente da comissão, deputado Fábio Avelar
(PSC), abriu o debate informando que tramita na ALMG o Projeto de
Lei 2771/08, que está pronto para ir ao Plenário e que busca avançar
na relação entre preservação ambiental e produção, com o
substitutivo nº 4, de sua autoria. O deputado ressaltou que há 916
processos ambientais em andamento no Judiciário envolvendo
produtores de Pará de Minas. Disse, ainda, que há produtores que
foram autuados e multados por ações como roçar o pasto ou tirar uma
árvore para aumentar o galpão de frangos de sua propriedade, mesmo
tendo plantado outras 50. E indagou se o objetivo dos órgãos
ambientais não estaria sendo o de arrecadar.
O deputado Inácio Franco (PV), autor do
requerimento para a audiência pública, também defendeu a necessidade
de se buscar um ponto de equilíbrio entre a produção e a preservação
ambiental. Lembrou ser de um partido que tem a proteção do meio
ambiente como bandeira, mas disse que a situação na região de Pará
de Minas indica estar havendo abuso de poder. "Há produtores
honestos e trabalhadores sendo condenados como se fossem bandidos".
O deputado Antônio Júlio (PMDB) lembrou que a
questão ambiental tem rendido muitos debates na ALMG e criticou a
atuação de órgãos de fiscalização. "Sabemos que às vezes a lei é
falha,e com isso outros se sentem no direito de atuar. O IEF baixa
decretos e portarias e quem é penalizado é o produtor".
Para o deputado, a questão ambiental em Minas não
está sendo tratada como preservação, mas apenas com o intuito de
arrecadação. Ele observou que não de trata de defender aqueles que
agridem o meio ambiente, e sim produtores que trabalham e a quem os
órgãos fiscalizadores estariam preferindo multar do que orientar.
O parlamentar lembrou, ainda, que não foi a classe
que devastou o País. "Até há pouco tempo, o próprio governo, por
meio de programas como Pró-Várzea, incentivou produtores a plantar
em áreas de várzea. Agora esses produtores estão sendo multados por
fazerem isso há mais de 20 anos". Antônio Júlio denunciou, ainda, a
existência de ongs que estariam "explorando o meio ambiente para
ganhar dinheiro, sem representantes dos produtores".
Produtores denunciam abusos e perseguição
O prefeito de Pará de Minas, José Porfírio,
informou que a própria prefeitura tem tido dificuldades com os
órgãos ambientais ao cascalhar estradas vicinais para melhorar as
condições de acesso na região ou fazer acertos em leitos de
ribeirões para evitar queda de pontes.
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de
Pará de Minas, Eugênio Mendes Diniz, disse que fiscalização não é
sinônimo de perseguição, que é o que vem acontecendo na região. Ele
informou que há 349 processos em andamento no Juizado Especial e
outros 381 por crimes ambientais no Tribunal de Justiça contra
produtores.
Frisando que os produtores são aqueles que
abastecem a mesa da população, Eugênio Mendes leu uma lista extensa
de órgãos relacionados ao meio ambiente e outra lista enumerando as
licenças e autorizações por eles exigidas para concluir que "não é o
meio ambiente que está precisando de ajuda, e sim o produtor que
precisa de socorro".
Emocionado, o sindicalista ainda denunciou ter
recebido nessa própria sexta-feira (10) uma autuação em sua
propriedade, o que atribuiu ao fato de ter dado, há poucos dias,
duas entrevistas a emissoras de rádio da região nas quais havia
criticado a atuação da Polícia Florestal. "A polícia ambiental é
despreparada, desumana e está afindo sem critério na região",
reiterou ao entregar aos deputados cópia da autuação assinada por um
policial e defender mais respeito dos órgãos.
Já o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais
de Divinópolis, Irajá Nogueira, lembrou que há séculos se planta no
Brasil café no morro e que agora a fiscalização tem exigido mudanças
de uma hora para outra sem levar em conta a história do País. "Dessa
forma seremos os maiores importadores de alimentos do mundo",
desabafou o sindicalista. Ele defendeu que seja feito um termo de
ajustamento de conduta não apenas para os produtores, mas para todos
os órgãos envolvidos, para que atuem de forma mais sensível até que
o Código Florestal vigente seja modificado.
Ministério Público nega acusações e diz que cumpre
a lei
O promotor de Justiça de Pará de Minas, Delano
Azevedo Rodrigues, negou perseguições aos produtores e chamou de
equivocada a visão de que o Ministério Público atua com
insensibilidade. "O Ministério Público e a Polícia não agem sem o
respaldo da lei. Qualquer mudança tem que ser feita na legislação",
disse. Em meio a momentos de tensão no debate, ele pediu a
compreensão dos produtores para o papel do órgão, argumentando que
conhece a realidade do produtor por ter crescido na fazenda do pai,
produtor rural na Bahia.
Por outro lado, admitiu a procedência de
reclamações de produtores quanto à demora na obtenção de
licenciamentos e deficiências na atuação de órgãos ambientais,
dizendo que o produtor deve cobrar melhorias do Governo do Estado
para corrigir, por exemplo, a estrutura deficitária do IEF. Ele
disse, ainda, que a atuação do MP na cidade tem procurado desonerar
o produtor, propondo ajustamentos de conduta.
PMMG admite que relacionamento com produtor precisa
melhorar
Já o diretor de Meio Ambiente da Polícia Militar de
Minas Gerais, Itamar Pacheco, admitiu deficiências no relacionamento
com os produtores rurais. Disse que, ao criar mecanismos de
aproximação com as comunidades, a corporação conseguiu reduzir
conflitos e índices de criminalidade. "Mas quanto aos produtores,
precisamos melhorar o relacionamento e fazemos essa mea culpa em
nome do comandante da PM", disse ele, informando ter recebido a
incumbência de levar todas as colocações feitas no debate para que
sejam analisadas modificações necessárias nesse sentido. Itamar
Pacheco comentou também a denúncia de represália feita pelo diretor
do sindicato de Pará de Minas quanto à autuação sofrida após
reclamar da atuação da PM, dizendo não ter dado nenhuma orientação
nesse sentido para a ação do policial e que o caso será
investigado.
Durante a audiência, o representante da Federação
da Agricultura de Minas Gerais (Faemg), Marcos Abreu, sugeriu que os
boletins de ocorrência envolvendo crimes ambientais sejam
encaminhados também ao IEF para verificar se a autuação tem
procedência quanto a prejuízos ao meio ambiente, por se tratar de
matéria complexa.
Segundo ele, a situação reclamada em Pará de Minas
se repete por todo o Estado e até pelo País. Marcos Abreu, lembrou
que nos anos 80 a população brasileira fazia fila para comprar leite
e carne, vindo o feijão do México e o milho dos Estados Unidos. "Se
hoje há fartura é graças ao produtor que atendeu aos apelos do
governo em programas como Planta que o João Garante e o
Pró-Várzea".
Para IEF, passivo ambiental é de todos
O diretor geral do IEF, Humberto Candeias
Cavalcanti, concordou que o produtor rural não pode pagar a conta
dos prejuízos ambientais sofridos pelo Brasil ao longo da história.
"Esse passivo é de toda a coletividade e cabe à Nação entender que
todos terão que pagar por isso". Ele admitiu que o órgão não tem
estrutura suficiente para atender aos produtores a contento diante
da demanda crescente. Informou que no ano passado o IEF realizou 16
mil fiscalizações e nove mil perícias encomendadas pelo Ministério
Público e Judiciário.
Humberto Candeias fez uma reflexão histórica sobre
a questão, lembrando que o País teve dois códigos florestais e que a
legislação ambiental, de 1965, atendia a uma realidade da época,
criando a área de reserva ambiental como forma de se ter um estoque
de florestas. "Mas houve um descumprimento de lá para cá de quase de
90% da lei, criando-se um passivo ambiental que é de toda a
coletividade".
Regulamentação - Entre as
soluções, o diretor do IEF defendeu a regulamentação do artigo 24 da
Constituição Federal, que trata da legislação concorrente, como
forma de possibilitar a estados e municípios legislar sobre a
matéria levando em consideração características regionais. Apesar
das dificuldades legais, ele frisou que houve recuos, mas também
avanços. Minas, por exemplo, é o único estado a ter uma legislação
que prevê o respeito a ocupações de áreas de preservação permanente
com uso produtivo já consolidado.
O diretor do IEF citou também como exemplo de
tentativas de vencer entraves de uma legislação federal antiga o PL
2771/08 em tramitação na Assembleia Legislativa, e que, entre
outros, prevê que essa ocupação de uso produtivo consolidado seja
reconhecida mediante recomendações técnicas de proteção ambiental,
sobretudo do solo e de recursos hídricos.
O secretário adjunto de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (Semad), Shelley de Souza Carneiro,
também endossou a necessidade de mudanças na legislação vigente no
País. "Não podemos ficar com leis de 40 anos atrás porque o mundo
mudou e exige novas regras".
Grupo de trabalho vai buscar soluções para
impasse
Ao final do debate, o presidente da comissão
sugeriu a formação de um grupo de trabalho pelos órgãos que
participaram da audiência, para avaliar todos os problemas
levantados e buscar propostas de soluções para o impasse entre
produtores e a fiscalização. O grupo foi criado ao final, tendo o
IEF na coordenação. O deputado anunciou que vai propor requerimento
de uma nova audiência pública em Pará de Minas para debater, quando
o grupo tiver concluído seus trabalhos, as providências adotadas e
seus resultados.
Presenças - deputados
Fábio Avelar (PSC), presidente; Antônio Júlio (PMDB), Inácio Franco
(PV). Estiveram presentes ainda o vice-prefeito de Pará de Minas,
Geraldo Eugênio Barbosa Mansur; os representantes da Secretaria de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Guilherme Mendes,
assessor da Superintendência da Agricultura Familiar, e Helysienne
Arruda de Mello Guimarães, assessora jurídica; o representante do
Comitê Gestor da Fiscalização Ambiental Integrada da Semad, Paulo
Teodoro de Carvalho, e o tenente coronel Sérgio Ricardo Bueno,
comandante da 7ª Companhia Independente da Polícia Militar de Meio
Ambiente e Trânsito.
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