Cipe São Francisco avalia ações na bacia e propõe novos
debates
Um debate acalorado sobre a revitalização e a
transposição do Velho Chico dominou a audiência da Comissão
Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento
Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (Cipe São
Francisco), realizada nesta quinta-feira (18/6/09) na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. Durante o encontro, foram propostos
ainda temas a serem abordados pela comissão no biênio 2009/2010.
Entre as ações, está prevista uma caravana pelo São Francisco para
analisar as condições reais do rio e das obras realizadas na
bacia.
A Cipe São Francisco reúne deputados de Minas
Gerais, Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe. Na manhã desta quinta
(18) foi eleita a diretoria para o próximo biênio. O deputado
mineiro Paulo Guedes (PT) é o novo presidente; Antônio Passos (SE) é
o vice, e Elmar Nascimento (BA), o secretário. À tarde, na audiência
pública, representantes da Companhia de Desenvolvimento do Vales do
São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Ministério da Integração
Nacional e do Governo de Minas apresentaram um balanço dos projetos
e ações desenvolvidos na bacia. Paulo Guedes lembrou que esse é um
momento importante da Cipe, em função de toda a polêmica envolvendo
a transposição do rio.
Segundo Athadeu Ferreira da Silva, assessor técnico
da Codevasf, o programa de revitalização engloba saneamento básico,
lixo e conservação da água e do solo. "Mais de R$ 200 milhões já
estão aplicados em obras contratadas, algumas delas concluídas",
detalhou. Ele citou como fator prioritário para a Codevasf, além de
IDH e outros indicadores, a localização dos municípios na calha do
rio. O deputado Paulo Guedes contestou a informação afirmando que
Manga, cidade ribeirinha, não tem nenhuma obra, enquanto cidades a
200 metros da calha têm obras concluídas. Athadeu ponderou que as
obras de saneamento estão divididas com a Funasa e Ministério da
Integração.
Outras ações, segundo o representante da Codevasf,
são mais complexas pois têm de ser realizadas dentro de propriedades
privadas localizadas em áreas de recarga do rio. É o caso do
tratamento de resíduos sólidos e da preservação dos lagos marginais.
Paulo Guedes solicitou ao técnico um relatório detalhado por Estado,
com os recursos envolvidos e o estágio das obras. Já a
diretora-geral do Igam, Cleide Pedrosa de Melo, citou ações do
Governo de Minas, entre elas a revitalização do Rio das Velhas, que
envolve R$ 1,2 bilhão, sendo R$ 800 milhões em saneamento.
Outro programa do Estado é o Minas sem Lixões, cuja
meta é tratar de forma adequada 60% dos resíduos sólidos até 2010.
Para isso, segundo Cleide, 60 municípios do Velho Chico estão
recebendo um total de R$ 34 milhões. Por outro lado, 200 municípios
estão desenvolvendo projetos com o governo para revitalizar 227
microbacias. Ela citou ainda o crescimento de 153% de áreas
protegidas na bacia, desde 2003, e o salto no volume de esgoto
tratado, de 3%, em 2003, para 20%, atualmente. Os esforços agora se
voltam para a despoluição do Rio Paraopeba. "Investimentos pesados
na RMBH vão ter impactos positivos na bacia do São Francisco",
afirmou.
Patrícia Boson, da Fiemg, criticou a inclusão dos
recursos para saneamento na conta da revitalização. "O saneamento é
obrigação constitucional dos poderes públicos", afirmou.
Comissão quer o envolvimento dos barranqueiros na
revitalização
Pelo menos dez temas foram propostos pela Cipe para
as discussões e ações no próximo biênio. Um deles prevê a
participação da população ribeirinha do Velho Chico e dos pescadores
na ações de revitalização promovidas pela Cipe. Além disso, serão
debatidos temas envolvendo as unidades de conservação na bacia, a
qualidade da água, o uso e conservação dos solos rurais e a
compensação financeira pela geração de energia elétrica. A Cipe
também quer conceituar a revitalização e prosseguir com o debate
sobre a transposição.
Durante a audiência pública, o deputado Judson
Cabral sugeriu um debate sobre a educação ambiental na bacia. E o
presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) do São Francisco,
Antônio Thomaz da Mata Machado, pediu a inclusão na lista de temas
do regime de operação das barragens do São Francisco e a quantidade
das águas. Para ele, não se pode considerar apenas o sistema
elétrico ao se analisar a operação das barragens.
Transposição volta a provocar polêmica
Ao defender o Projeto de Integração de Bacia,
também chamado de transposição, o gerente de projetos e coordenador
de revitalização do São Francisco, José Luiz de Souza, iniciou a
polêmica sobre a verdadeira motivação das obras e sobre a condição
ou não de o Velho Chico ceder águas para o Nordeste brasileiro.
Segundo ele, o projeto tem dois eixos: o Leste (200 km de canais e
adução de 10 m3/segundo), e o Norte (400 km e 16,4 m3/s), além do
Canal do Sertão Alagoano (250 km e vazão de 32m3/segundo). "O
projeto vai atender ao propósito de garantir água para beber,
sanando a insegurança hídrica. Ele precisa ser visto com um olhar
cidadão", afirmou.
Os deputados Geraldo Coelho (PE) e Elmar Nascimento
(BA) também se posicionaram a favor. O primeiro citou que o São
Francisco tem 1.800 m3/segundo e que a retirada de 26m3/s não teria
impacto. "A transposição vai revitalizar açudes e fixar os moradores
da região", argumentou. Já o parlamentar baiano afirmou ter mudado
de posição, apoiando a transposição em troca de políticas
compensatórias na bacia. Para ele, não há dados técnicos que refutem
os argumentos do Ministério da Integração. Essa opinião foi
endossada pelo deputado Misael Neto, também da Bahia.
O contraponto ficou, sobretudo, com o deputado
Augusto Bezerra (SE), que apresentou um vídeo com dados oficiais
comprovando, segundo ele, que o Ceará e o Rio Grande do Norte não
precisam da água do Velho Chico. "Se for para fazer, que se faça o
eixo Leste, porque a Paraíba e Pernambuco precisam da água. O eixo
Norte é para o agronegócio", afirmou. Bezerra listou que a
transposição não vai sanar o problema da seca e acarretará um grande
consumo de energia, aumentando a frequência de apagões. "A obra tem
impacto em terras indígenas e teria que ser aprovada pelo
Congresso", finalizou.
O presidente do CBH São Francisco, Thomaz da Mata
Machado, completou que, da vazão total de 1.800 m3/segundo do rio,
1.500 são usados todos os anos para encher a Barragem de Sobradinho.
"Sobram 300 m3, e a transposição, na verdade, é de 127 m3. No
Governo Federal existe apenas o Projeto de Integração de Bacia. Não
existe nada de revitalização", apontou. Segundo ele, não há na bacia
o consenso necessário para priorizar as ações de revitalização. Além
disso, não existem indicadores para se verificar a melhora ou não do
rio.
O deputado Judson Cabral (AL) solicitou à
Secretaria da Cipe a sistematização dos dados oficiais e ao CBH São
Francisco um relatório com as análises sobre a transposição. O
objetivo é aprofundar as discussões nos estados. O deputado Rui
Palmeira (AL) questionou o tratamento diferenciado entre os estados,
uma vez que, segundo ele, Alagoas não está recebendo
investimentos.
Deputado garante que debate na Cipe será
democrático
Ao encerrar a reunião, o deputado Paulo Guedes
disse ser favorável à transposição, por ter vivido na infância o
drama da falta de água na região do São Francisco. Ele garantiu, no
entanto, que o debate na Cipe será feito de forma democrática e fez
uma convocação de unidade em torno da revitalização da bacia. "Sobre
isso não há divergência", afirmou. Uma das prioridades, segundo ele,
é a ida a Brasília para pedir a aprovação e implantação do Fundo
Permanente de Revitalização do Rio São Francisco, proposta em
tramitação no Congresso Nacional.
Na fase de debates, o presidente do Comitê da Bacia
do Rio das Velhas, Rogério Sepúlveda, alertou que cinco barragens
estão projetadas para os afluentes do São Francisco em Minas, obras
que, na sua avaliação, ameaçam criar grandes lagos contaminados por
algas que prejudicarão o meio ambiente e a economia das regiões
atingidas. "Isso é projeto de regularização de vazão, não é
revitalização", afirmou. Esses projetos também foram criticados pelo
presidente da Federação dos Pescadores de Minas Gerais, Valtinho da
Rocha.
Atendendo demanda do presidente do CBH Rio
Paracatu, Afonso de Jesus, o deputado Paulo Guedes defendeu que seja
transformada em proposta da Cipe a criação de mais uma
superintendência da Codevasf em Minas. Essa superintendência,
segundo ele, deveria dedicar-se especificamente à preservação das
nascentes na bacia do São Francisco. O deputado solicitou ainda ao
Ministério da Integração a conclusão de uma estação de piscicultura
inacabada em São Francisco.
Presenças - Deputados Paulo
Guedes, presidente da Cipe, Doutor Viana (DEM), Carlos Pimenta
(PDT), e Almir Paraca (PT), além dos deputados de outros estados
citados acima. Participaram ainda da audiência diversos prefeitos,
vereadores, secretários municipais, presidentes de comitês de bacia,
representantes de órgãos estaduais e federais e de colônias de
pescadores.
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