Falta de técnicos em prefeituras pode prejudicar assistência
habitacional
Mais de 85% dos municípios brasileiros não têm um
arquiteto ou engenheiro residente e atuando na prefeitura. Criar
mecanismos para reverter essa carência, apontada pelo gerente de
Relacionamento Institucional da Caixa Econômica Federal (CEF),
Kleyferson Porto de Araújo, é um dos desafios para o cumprimento da
Lei Federal 11.888, de 2008, que assegura às famílias de baixa renda
o direito à assistência técnica pública e gratuita para projetos e
construção de habitações de interesse social. A questão foi debatida
em audiência pública realizada nesta quarta-feira (10/6/09) na
Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais com o objetivo de colher sugestões para
a regulamentação da lei.
Além de representantes da CEF, participaram do
debate representantes de entidades profissionais como Instituto dos
Arquitetos do Brasil (IAB-MG) e Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Urbanismo (Crea-MG), e de movimentos sociais de defesa
da moradia popular. Entre as propostas levantadas, estão investir em
capacitação técnica das prefeituras; definir fontes de recursos nos
âmbitos federal, estadual e municipais, bem como as atribuições de
cada esfera; e garantir o piso salarial profissional a arquitetos e
engenheiros envolvidos na assistência técnica de interesse social. E
ainda agilizar procedimentos que envolvem a Caixa Econômica Federal,
cuja burocracia foi criticada por lideranças populares durante o
debate.
A lei, sancionada em 24 de dezembro do ano passado,
deverá estar regulamentada até o próximo dia 24, segundo o deputado
Carlos Gomes (PT), autor do requerimento da audiência. O parlamentar
disse que a assistência técnica gratuita é o caminho para garantir a
construção de moradias dignas e acabar com construções irregulares,
mas apontou a necessidade de que seja definido o papel de cada
esfera e instituição na implementação da lei que, segundo ele,
reforça o programa federal Minha Casa, Minha Vida, que prevê
a construção de moradias para famílias com rendas de até três
salários mínimos.
Consórcios municipais são uma opção para cumprir a
lei
Ao fazer um histórico do movimento de luta pela
reforma urbana no Brasil, a presidente do IAB-MG, Cláudia Teresa
Pereira Pires, disse que a grande quantidade de favelas,
assentamentos irregulares e ocupações de áreas de risco formam um
grande passivo ambiental gerado no País por omissão do poder
público. Segundo ela, sem a participação direta dos movimentos
sociais não se conseguirá pôr em prática a nova lei, sendo
necessário deixar claro como será prestada a assistência técnica, de
onde virão os recursos e quais os fundos serão usados. Defendeu,
ainda, o envolvimento das universidades, de forma a incluir essa
nova realidade nos currículos de engenharia e arquitetura, sugerindo
a implantação de residência profissional nos moldes do que é feito
nos cursos da área médica.
A arquiteta, que representou na audiência o autor
do projeto que deu origem à lei, o deputado federal Zezeú Ribeiro
(PT-BA), sugeriu que sejam formados consórcios regionais entre
municípios que não possuam escritório público de engenheiros e
arquitetos, para buscar recursos financeiros e técnicos para fazer
juz à lei. No seu entendimento, se não faltam recursos para áreas
como saúde, educação e obras, não podem faltar para a área da
habitação, que segundo ela, ainda vive o estigma de ser visto como
área apenas de assistência social e não técnica.
Entidades de classe - Já o
presidente do Crea-MG, Gilson de Carvalho Queiroz Filho, sugeriu que
o trabalho de assistência técnica pública seja feito por meio de
entidades de classe conveniadas, o que, no seu entendimento, seria
uma alternativa para não inchar os quadros de engenheiros e
arquitetos das prefeituras e órgãos públicos.
Ao comentar críticas que têm sido feitas ao
programa Minha Casa, Minha Vida desde o seu lançamento, como
a de que seria uma ação para contemplar grandes construtoras e cujo
acesso esbarra em burocracia, o presidente do conselho disse que
preferia ver o programa como uma grande oportunidade de reduzir o
déficit habitacional no Brasil e sugeriu que a CEF verifique a
possibilidade de vir a financiar mão-de-obra e compra de materiais
para pessoas de baixa renda que tenham um lote e também queiram
construir.
Para Eduardo Farjado Soares, presidente do
Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais, outro desafio colocado é
equacionar recursos para atender uma grande demanda por obras de
reforma. "Elas serão maioria, pois 80% das moradas são irregulares e
improvisadas", disse ele, lembrando que a questão está diretamente
relacionada à saúde, já que problemas de respiração, os mais
recorrentes em saúde básica entre a população pobre, são
consequência em grande parte de moradias inadequadas, que têm mofo,
má ventilação e tetos baixos.
Movimentos sociais querem garantir a capacitação da
comunidade
Marcos Antônio Landa de Souza, coordenador do
Movimento Nacional de Luta pela Moradia e conselheiro do Ministério
das Cidades, defendeu o aporte de recursos para capacitar também a
comunidade, garantido no artigo 5º da lei, sugerindo para isso a
realização de seminários regionais, oficinas técnicas e cursos para
mestres de obras, pedreiros e ajudantes, e ainda a confecção de
cartilha didática para os movimentos sociais sobre os conteúdos da
lei. Segundo ele, a nova norma precisa não apenas ser regulamentada,
mas também estar inserida de fato no Sistema Nacional de
Desenvolvimento Urbano.
Para Antônia de Pádua, presidente da União Estadual
por Moradia Popular, é fundamental garantir formas de parcerias
entre o poder público e a sociedade, lembrando de iniciativas já
existentes nesse sentido entre movimentos sociais e universidades,
bem como investimentos em pesquisas que segundo ela podem vir a
baratear a construção.
Legalização fundiária - O
deputado Wander Borges (PSB) ressaltou que o caos urbano citado na
audiência é fruto da falta de consciência da sociedade. Disse que
"todos aqui devem fazer sua mea culpa" por, segundo ele, incentivar
ou ser condescendente com situações como a ocupação de áreas
ambientais, invasões e construções irregulares. Disse que agora será
preciso investir muito para reorganizar o que ajudou-se a
desorganizar e defendeu que o debate sobre a questão inclua também a
legalização fundiária, segundo ele, o sonho de muitas famílias. Para
o parlamentar, é preciso discutir melhor a questão de dotação
orçamentária específica para a assistência técnica, para que isso
não leve ao engessamento de sua implementação, e garantir maior
proximidade entre a comunidade e os técnicos envolvidos nessa
garantia.
Governo tem recursos e Caixa vai atuar na
capacitação de prefeituras
Segundo o gerente de Relacionamento Institucional
da Caixa Econômica Federal (CEF), Kleyferson Porto de Araújo, já há
recursos disponíveis para implantar a assistência técnica assegurada
na lei, por meio do Fundo Nacional de Interesse Social. Ele informou
que esse fundo está em processo de revisão pelo Ministério das
Cidades e que poderá vir a ter os recursos ampliados por meio do
FGTS.
Ele frisou que a Caixa tem uma supervisão de
assistência técnica de caráter mais amplo, e não especificamente
voltada para projetos de interesse social. Nesse novo processo
caberá à Caixa, segundo ele, um papel de capacitação de prefeituras.
O objetivo é aproximar técnicos da Caixa dos municípios, para que
esses possam ser capacitados e identificar formas de acesso mais
fácil aos recursos financeiros e técnicos.
Respondendo às críticas quanto à burocracia de
procedimentos da Caixa, ele afirmou que a dificuldade se deve à
necessidade de cumprir o arcabouço legal exigido nas várias
situações afetas ao banco. O gerente disse que é preciso avanços
nesse sentido, mas ponderou que a CEF deve se ater a projetos
qualificados e com licenciamento ambiental. "Graças a isso muitas
obras terminam e não são superfaturadas", frisou.
Municípios - Para o
representante da Caixa, a lei federal em debate é praticamente
auto-regulamentada pelo nível de detalhamento que traz. "É uma lei
que não engessa a forma de operacionalizar a assistência e as formas
com que ela será feita vão depender das políticas municipais",
afirmou ele. Para o gerente da CEF, a lei, na verdade, vem
institucionalizar, numa política maior de desenvolvimento urbano e
habitacional, o que já vinha sendo feito no âmbito municipal.
Ele esclareceu que a lei em debate não deve ter o
programa Minha Casa, Minha Vida como foco. Nesse programa,
segundo ele, as construtoras participantes é que terão que arcar com
a assistência técnica, enquanto a lei federal trata da gratuidade de
uma assistência pública voltada para construções em mutirão ou
sistema de auto-gestão.
O deputado Carlos Gomes anunciou, ao final, que as
propostas debatidas serão agrupadas em documento a ser elaborado em
reunião agendada para o próximo dia 19, às 16 horas, em seu
gabinete, com a presença de participantes da audiência pública.
Presenças - deputada Cecília Ferramenta (PT),
presidente; deputados Wander Borges (PSB), Carlos Gomes (PT) e
Carlin Moura (PCdoB).
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