Falta de recursos ameaça manifestações culturais do
Jequitinhonha
Dezenas de sugestões para proteger e estimular a
cultura do Vale do Jequitinhonha e garantir a sobrevivência de seu
principal evento, o Festivale, foram apresentadas por agentes
culturais, autoridades e agentes políticos numa concorrida reunião
realizada pela Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de
Minas Gerais nesta quinta-feira (4/6/09). Personalidades como o
cantor e ator Saulo Laranjeira, os cantores Pereira da Viola, Carlos
Farias e Wilson Dias, os poetas Tadeu Martins e Gonzaga Medeiros
participaram ativamente dos debates.
A reunião foi presidida pela deputada Gláucia
Brandão (PPS), que elogiou a "coragem da gente guerreira do
Jequitinhonha, que supera todas as dificuldades para criar uma arte
original que é identificada em todo o mundo". O autor do
requerimento, deputado Carlos Gomes (PT), acrescentou que os
investimentos públicos em cultura se revertem no fomento ao turismo
e no fortalecimento da economia.
Natural de Medina, no Jequitinhonha, o deputado
Getúlio Neiva (PMDB) fez um amplo protesto contra a omissão e a
negligência dos sucessivos governos até em questões elementares,
como a delimitação geográfica do Vale. Ele enumerou como tesouros
bem conservados o centro histórico de Pedra Azul e a cidade de
Chapada do Norte, que é um quilombo vivo, mas deplorou o estado de
ruína do centro de Araçuaí. "Se o governo não nos ajudar, vamos
continuar produzindo só cascavel e micróbios", afirmou.
Entre as propostas mais aplaudidas, estão as do
deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG), de
aprovação de duas propostas de emenda à Constituição. Na PEC 236, o
deputado pede que a cultura seja entendida como direito social do
cidadão. Na PEC 150, da qual é relator, estabelece investimentos
orçamentários mínimos da União (2%), dos Estados (1,5%) e dos
municípios (1%) em cultura. A proposta de criação de um Museu de
Cultura Popular em Belo Horizonte foi apresentada por Vilmar
Oliveira, diretor executivo da Valemais, e cobrada pelo deputado
José Fernando, para quem a cultura é grande geradora de empregos.
Segundo Vilmar Oliveira, as melhores peças de mestres do Vale, como
Dona Isabel e Zefa, estão no Rio de Janeiro.
Festivale já revelou dezenas de artistas de
carreira consagrada
Remanescente do grupo original que criou em 1977 o
Festival de Arte, Música e Cultura Popular, o Festivale, o agente
cultural Tadeu Martins relatou a epopéia e o aprendizado da
iniciativa. "Aprendemos com a sabedoria popular que a cultura é a
melhor arma para desenvolver um povo. O Festivale já revelou 84
artistas que hoje têm discos gravados, alguns deles com carreira
internacional", informou. Martins disse ainda que o retrato do
descaso governamental é a BR-367, que está inconclusa há 40 anos, e
pediu incentivos aos quatro circuitos turísticos regionais: o da
Cachaça, o do Artesanato, o Ecológico e o dos Eventos. Ele alertou
que o Festivale pode morrer de "eventismo" se não se consolidar.
O artista Saulo Laranjeira sustentou a mesma tese,
e denunciou a penúria dos grupos folclóricos, que não conseguem
renovar seus trajes, perdem a auto-estima e acabam se extinguindo no
embate com "a cultura de massa cruel e avassaladora". Ele propôs
três soluções. A primeira diz respeito à dignidade dos artesãos e
artistas, com hospedagem e alimentação adequadas. A segunda são as
fontes permanentes de financiamento, sem as quais é impossível
realizar folguedos populares decentes. "É humilhante para os
criadores desses mananciais culturais terem que mendigar recursos".
A terceira seria a perenidade da ação cultural. Cada município
deveria fazer toda semana um evento cultural. "A arte alimenta o
espírito, e funciona como desintoxicante para 80% da programação da
TV brasileira, que é um lixo", concluiu Laranjeira.
José Pereira, da Associação dos Grupos Teatrais,
relatou a progressiva extinção desses grupos no Jequitinhonha,
devido à míngua de recursos. Ele denunciou que as prefeituras
preferem gastar R$ 50 mil a R$ 100 mil numa micareta ou num
show de axé do que dar R$ 300 para um grupo folclórico vestir
o boi numa festa popular. Ângela Gomes Freire, da entidade
organizadora do Festivale, também ironizou essa insensibilidade.
"Para muitos prefeitos, as marujadas, as folias de Reis, os bois de
Janeiro não têm nenhum valor. Pagam artistas de fora, mas querem de
graça o trabalho do artista local, como se este não precisasse
comer".
Na mesma reunião, estiveram presentes
representantes da Secretaria de Estado da Cultura, do Iepha e do
Ministério da Cultura, que relataram os planos de seus órgãos para
apoiar a cultura e as linhas disponíveis para o Jequitinhonha. Entre
as participações da platéia, destacaram-se a do cantor Walter Dias,
que defendeu que o Festivale já tinha estatura e tradição para
merecer orçamento próprio na Secretaria de Cultura, sem ter que
mendigar recursos a cada ano, e do poeta Gonzaga Medeiros,
apresentador de todas as 27 edições do evento, que pediu um
engajamento maior dos professores públicos na divulgação da cultura
autêntica do Estado. "As professoras que educam nossos filhos estão
se lixando para a cultura", desabafou.
Presenças - Deputada
Gláucia Brandão (PPS), presidente; deputados Getúlio Neiva (PMDB) e
Carlos Gomes (PT).
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