Reativação do transporte ferroviário mobiliza
deputados
O transporte ferroviário está ligado ao imaginário
popular de Minas como a própria origem do Estado. A desativação dos
trens de passageiros, a partir da privatização da Rede Ferroviária
Federal (RFFSA), causou grande impacto na cultura e nas tradições do
Estado, e a destruição do patrimônio ferroviário pesa na consciência
dos mineiros. Por essa razão, a Comissão de Cultura da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais realizou, na tarde desta quarta-feira
(27/5/09), uma audiência pública com autoridades e ONGs para
discutir a preservação desse patrimônio.
O requerimento da reunião foi do deputado João
Leite (PSDB), autor de um projeto de lei estabelecendo normas para a
preservação do transporte ferroviário. O deputado anunciou na
audiência que há uma movimentação de deputados para criar uma Frente
Parlamentar em Defesa do Transporte Ferroviário. Ele apresentou
requerimento para que a Comissão de Cultura visite os pátios da
extinta RFFSA no bairro do Horto, o conjunto ferroviário de Ribeirão
Vermelho e o "cemitério" de locomotivas de Sete Lagoas.
Uma exposição sobre o grau de abandono do
patrimônio ferroviário mineiro foi feita pelo promotor de Justiça
Marcos Paulo de Souza Miranda. Segundo ele, dos 1,5 mil bens
ferroviários restantes em Minas, apenas dez estariam tendo
conservação adequada, entre eles o conjunto de São João del-Rei e
Tiradentes. "A rotunda de Ribeirão Vermelho é maior e mais
significativa que a de São João del-Rei. É coberta com telhas que
vieram de Marselha e tem ferragens da Escócia. Foi inaugurada em
1888, e está ruindo. A estação ferroviária de Chiador, na Zona da
Mata, foi inaugurada em 1869 pelo imperador Dom Pedro II, e também
está em estado lamentável", disse Miranda.
Rede ferroviária foi "preparada" para
privatização
O patrimônio ferroviário já vinha sendo sucateado
no Brasil com o desenvolvimento das rodovias, mas o processo
agravou-se na década de 90 com a extinção da RFFSA. Segundo o
ex-superintendente Sérgio Augusto Castro, em 1985 a empresa era
rentável, indispensável e estava em expansão, quando foi "dizimada"
para ser privatizada. Teve cortado seu acesso aos financiamentos do
BNDES, valia R$ 25 bilhões e foi arrendada por R$ 1,3 bilhão.
Regina Célia Carvalho, do escritório de
Inventariação da RFFSA, informou que todos os bens imóveis
desnecessários à operação ferroviária foram descartados pelas
concessionárias e passados para a União. O enfoque das
concessionárias é apenas o transporte de carga, e os próprios
contratos dificultariam a reativação dos trens de passageiros. O
promotor Miranda confirmou que há casos em que o patrimônio a dois
metros da linha férrea está sendo desprezado, e que todos os
patrulheiros ferroviários, que eram 120, foram transferidos para as
cidades maiores, deixando as estações sem fiscalização. Segundo ele,
100 km de trilhos já foram furtados.
O engenheiro Waldson Costa, diretor da Associação
dos Engenheiros Ferroviários do Centro-Oeste, confirmou o interesse
das concessionárias apenas no transporte de cargas, e denunciou a
depredação do patrimônio realizada pelas próprias empreiteiras a
serviço das concessionárias, que retiram peças das locomotivas que
deveriam preservar.
Rosana de Souza Marques, do Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), disse que em 154
municípios mineiros já foi realizado inventário do patrimônio
ferroviário, como em Araguari e Ribeirão Vermelho, e a recuperação
poderia ser feita com recursos do ICMS Cultural. No entanto, uma
crítica foi encaminhada ao Iepha pela representante da ONG Trem,
Helena Campos. Há 15 anos ela pesquisa documentos históricos e vê
como intransponível a dificuldade que uma prefeitura pequena, sem
técnicos competentes, teria para montar um dossiê histórico e
conseguir o tombamento pelo Iepha.
Imagem do vagão tem simbolismo para
mineiros
Diversas propostas foram apresentadas por
veteranos, agentes turísticos e técnicos para a preservação do
patrimônio ferroviário, com a ressalva de que a prioridade deve ser
a retomada do transporte de passageiros na Região Metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH) e a reativação de trechos turísticos no
interior. José Abílio Belo Pereira, representante do Colegiado Civil
da RMBH, sugeriu que o projeto do Rodoanel inclua trilhos paralelos
que interliguem três linhas radiais entre Pedro Leopoldo e Sarzedo,
que deveriam ser reativadas como os antigos trens de subúrbio.
João Batista Filho, da ONG Caminhos da Serra,
revelou que na ferrovia que servia Diamantina, até os trilhos foram
retirados, mas restam pontilhões em bom estado e as estações de
Monjolos, Conselheiro Mata e Barão de Guaicuí. Ele propõe roteiros
turísticos com caminhadas e cavalgadas, que pela pequena declividade
serviriam até para cadeirantes. Ele também propõe que os vagões
sejam recuperados e levados para os centros urbanos, para servir
como museus ou escritórios turísticos. "A imagem do vagão tem um
simbolismo muito grande para o povo mineiro", reforçou.
A presidente da Comissão de Cultura, deputada
Gláucia Brandão (PPS), e os deputados Juninho Araújo (PRTB),
vice-presidente, Vanderlei Jangrossi (PP) e Carlos Gomes (PT) também
endossaram a necessidade de reativar os trens de passageiros. Araújo
disse que o Brasil é pouco servido por trens e hoje enfrenta um
"gargalo rodoviário", com sucessivas mortes nas BRs 040 e 381.
Jangrossi lembrou que presidiu a Reunião Especial pelos 150 anos da
Central do Brasil e mostrou-se solidário com a criação da Frente
Parlamentar em Defesa do Transporte Ferroviário.
Carlos Gomes lembrou as diversas audiências
realizadas no interior de Minas, como Ponte Nova e Rio Acima, onde a
população pediu a volta dos trens de passageiros. "O mundo inteiro
incentiva o transporte ferroviário, e nós estamos na contramão. As
antigas e as novas gerações mineiras sofrem com a depredação do
patrimônio material e cultural das ferrovias", afirmou.
Presenças - Deputada
Gláucia Brandão (PPS), presidente; deputados Juninho Araújo (PRTB),
vice-presidente; Vanderlei Jangrossi (PP), João Leite (PSDB) e
Carlos Gomes (PT).
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