Comissão discute impacto da crise no segmento de
mineração
Grandes mineradoras, em especial a Vale do Rio
Doce, tiveram lucros bilionários nos últimos anos, e teriam
condições de enfrentar os reflexos da crise econômico-financeira
mundial sem fazer demissões, como vêm fazendo. E além disso,
aproveitam a crise para pressionar o governo em busca de
flexibilização da legislação ambiental e reduções tributárias, e
também os sindicatos para conseguir acordos de achatamento salarial
e eliminar conquistas trabalhistas.
Este foi, em síntese, o resultado da audiência da
Comissão Extraordinária para o Enfrentamento da Crise
Econômico-Financeira Internacional, realizada na tarde desta
terça-feira (26/5/09) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com
a presença de autoridades do governo e sindicalistas patronais e
trabalhistas. Seis parlamentares participaram dos debates,
realizados sob a coordenação do deputado Sebastião Helvécio (PDT). O
trabalho da comissão é um desdobramento do Ciclo de Debates Minas
Combate a Crise, organizado em abril pela ALMG.
De início, Luiz Antônio Fontes Castro, da
Secretaria de Desenvolvimento Econômico, anunciou que o setor
mineral tem feito investimentos de R$ 1,3 bilhão, e que há
indicadores de certa recuperação no setor, embora não aos níveis de
2008. Paulino Cícero, presidente do Sindifer, disse que o setor de
ferro-gusa nunca enfrentou crise tão grave nos 200 anos de sua
história. Cícero denunciou o alto preço do frete ferroviário da FCA,
que é controlada pela Vale, e as altas contas de energia que as
siderúrgicas pagam mesmo com os fornos inoperantes. Revelou que o
minério é vendido a US$ 75 a tonelada, mas há pressão do Japão para
reduzi-lo em 35% e da China para reduzir esse preço em 40%.
Vale do Rio Doce: meganúmeros e desprezo pela
origem
A afirmação de que as adversidades do mercado
internacional estariam trazendo dificuldades para a Vale foi
vigorosamente contestada pelos sindicalistas e deputados presentes à
reunião. Neider Moreira (PPS) assegurou que países como a Ucrânia e
a China não têm condições de fazer chantagem para rebaixar preços,
já que seus estoques de minério estariam no fim. Antônio Júlio
(PMDB) lembrou que o potencial da Vale lhe foi dado de graça, do
tempo em que era estatal. "Só de ouro em suas jazidas havia muito
mais que o preço que foi pago pela empresa. O Governo do Estado tem
autoridade moral para cobrar um posicionamento claro da Vale em
relação à proteção dos empregos", acrescentou.
Wellington Alvarenga Silva, do sindicato Metabase
de Itabira, afirmou que a Vale deu lucro de R$ 3 bilhões no primeiro
trimestre, caminha rapidamente para se tornar a maior mineradora do
mundo e se utiliza da crise para se tornar maior ainda. A empresa já
teria demitido em Itabira mais de 2 mil trabalhadores, incluindo os
terceirizados, e seria responsável por uma queda de 44% na
arrecadação municipal. O sindicalista denunciou também que a empresa
está rebaixando o lençol freático, envelopando 40 nascentes, e
previu um futuro trágico para Itabira, sem empregos, sem água e
cheia de crateras.
Outros números expressivos foram trazidos por
Valério Vieira, do Metabase de Ouro Preto, Congonhas e região. Ele
disse que a mineradora valia US$ 9 bilhões em 2001 e hoje está
avaliada em US$ 57 bilhões. É maior que a General Motors, a Embraer
e os grandes bancos, e no Brasil só perde para a Petrobras. Extraiu
295 milhões de toneladas de minério de ferro em 2008, enquanto suas
duas maiores concorrentes no mundo, somadas, extraíram apenas 245
milhões. Suas reservas em todo o território nacional são de 7,6
bilhões de toneladas, e ela responde sozinha por 80% da produção
mineral do País.
Citando dados do DNPM e do Ministério do Trabalho,
cada emprego perdido na Vale significa 13 empregos perdidos, e o
número total pode chegar a 130 mil. Outra revelação inquietante
trazida por ele é a de que a Vale estaria reduzindo em 36% seus
investimentos em Minas para concentrá-los nas jazidas do Pará,
Estado que teria concordado em "flexibilizar" as exigências
ambientais.
Legislação ambiental pode redirecionar
investimentos
Wilson Starling Jr., do Sindiextra, confirmou que a
legislação ambiental de Minas seria "das mais apertadas do País" e
faz com que as mineradoras reconsiderem seus investimentos. "É
preciso agilizar o licenciamento e estabelecer regras claras para a
atividade, de modo que juízes monocráticos não inviabilizem
investimentos". Entre as sugestões do Sindiextra para enfrentar a
crise, ele pede uma desoneração temporária da atividade, a adoção da
mesma alíquota tributária para vendas dentro e fora do Estado, e a
aceitação das jazidas como garantia para financiamentos.
A adoção de regras claras para a atividade
minerária foi consensual também entre os deputados, que criticaram
também a judicialização da lei, com interpretações as mais variadas.
Antônio Júlio deu o exemplo da CPI da Mina de Capão Xavier, em que o
Estado teria burlado a legislação para permitir o licenciamento. "O
empresários mantinham a operação 24 horas por dia, como se o minério
fosse fugir, e depois ficaram extremamente capitalizados, em
condições de enfrentar a crise sem precisar demitir ou interromper a
operação", afirmou.
A deputada Rosângela Reis (PV) relatou que os
planos de expansão da Usiminas e da Arcelor Mittal, no Vale do Aço,
"desabaram de repente". Empresas terceirizadas teriam demitido 60%
do pessoal, em levas de 200 e 300 funcionários. Nos jornais de hoje,
segundo a deputada, está a notícia de 810 demissões, e haveria
boatos de listas para desempregar pessoas com 20, 25 anos de
empresa, e sem condições de recomeçar no mercado de trabalho.
O sindicalista José Osvaldo Souza, do Sindicato das
Empresas Extrativas de Paracatu e Vazante, disse que o desemprego
traz "sofrimento e agonia" no Noroeste de Minas, especialmente nos
segmentos do ferro, zinco e chumbo. O ouro ainda não teria sido
afetado. Seu sindicato defende uma pressão do governo sobre as
empresas que tomam dinheiro nos bancos estatais, para condicionar os
empréstimos à garantia de emprego. "Quem se comprometer a não
demitir, seria contemplado com juros mais baixos", propôs.
Deputados discordam quanto à diversificação da
economia mineira
O deputado André Quintão (PT) notou a centralidade
da mineração no eixo de desenvolvimento do Estado. "Com ou sem
crise, não podemos ficar reféns de um segmento. É preciso
descentralizar as atividades e agregar valor às commodities.
Para isso seria necessária uma ação mais ousada do governo através
do BDMG, investimentos em pesquisa, tecnologia e ciência". Quintão
também criticou as empresas que, depois de surfarem na onda dos
lucros, batem à porta do Estado à menor dificuldade. "O Estado tem
que ser seletivo para acudir primeiro os mais atingidos", disse
ele.
Neider Moreira discordou de Quintão, dizendo que
Minas já atingiu um bom grau de diversificação da sua economia, com
o desenvolvimento da indústria automobilística e de autopeças,
setores de celulose, sucro-alcooleiro e de informática. Admitiu a
crise do setor guseiro do Centro-Oeste, revelando que eram vendidas
400 mil toneladas mensais de gusa, e esse número caiu para 120 mil.
Por outro lado, informou que a Usiminas adquiriu jazidas em sua
região e vem realizando altos investimentos. Criticou a tributação
da água mineral como bebida e não como saúde, como já fazem outros
Estados.
O coordenador da Comissão Extraordinária, deputado
Sebastião Helvécio, também defendeu a importância do papel do Estado
como regulador da economia, e criticou a doutrina do Estado mínimo e
a hegemonia do mercado. Fez uma análise do surgimento da crise no
chamado subprime da economia americana, que foi visto com
descuido pelas autoridades, e revelou que o ministro do Trabalho,
Carlos Lupi, estava ampliando o prazo do seguro-desemprego e
propondo a vinculação dos empréstimos públicos à garantia do
emprego.
Helvécio indagou ao representante da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico se teria sido descoberta nova jazida de
nióbio em Minas, mas este disse apenas que a Votorantim estaria
pesquisando no Norte do Estado. Elogiou a proposta do sindicalista
José Osvaldo de aumentar o período de aviso prévio proporcionalmente
ao tempo de casa do trabalhador. Considerou que a "guerra fiscal"
entre Minas e Pará poderia ser apenas uma "guerra ambiental". E
encerrou a reunião dizendo que as soluções para a crise têm que ser
buscadas "com a humildade de quem reza e a sinceridade de quem ama".
Requerimentos - Foram
aprovados dois requerimentos da deputada Rosângela Reis. No
primeiro, ela pede o envio de ofício ao Ministério Público do
Trabalho e ao Ministério Público Estadual para verificar o
cumprimento dos acordos trabalhistas feitos com as indústrias
metal-mecânicas do Vale do Aço, para impedir abusos. No segundo,
solicita uma audiência pública da comissão em Ipatinga para debater
a situação crítica do mercado de trabalho no segmento
metal-mecânico.
Presenças - Deputados
Sebastião Helvécio, coordenador; André Quintão (PT), Antônio Júlio
(PMDB), Jayro Lessa (DEM), Neider Moreira (PPS) e Rosângela Reis
(PV).
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