Advogado denuncia descumprimento da Lei de Execução
Penal
A adoção da justiça restaurativa em casos de furtos
e a presença de um juiz criminal em toda prisão em flagrante são
medidas que poderiam contribuir para um novo modelo de execução
penal, conforme sugestões do presidente da Comissão de Assuntos
Penitenciários da OAB-MG, Adilson Geraldo Rocha. O advogado
participou, nesta quinta-feira (21/5/09), na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais, de reunião da Comissão Especial da Execução das
Penas, denunciando aos deputados que nenhum Estado cumpre a
legislação federal de execução e que há em Minas mais de 2 mil
presos em regime fechado que deveriam estar em regime aberto.
Sobre as propostas sugeridas à comissão, ele
admitiu que a implantação da justiça restaurativa - modelo já
adotado em alguns países e que determina a reparação dos danos
causados às vítimas - depende de um debate nacional e de mudanças na
legislação federal. Ressaltou, contudo, que seria uma forma de
resolver na Justiça, com a participação das vítimas, casos de roubos
sem que necessariamente resultassem em processos demorados e prisões
às vezes desnecessárias.
Quanto à presença de juízes em prisões em
flagrante, o advogado disse que a providência dependeria de
resolução do Tribunal de Justiça, e que o procedimento já vem
ocorrendo em situações que envolvem adolescentes infratores. Hoje o
prazo para que uma prisão em flagrante seja comunicada ao juiz é de
24 horas, o que, segundo o conselheiro da OAB, leva o magistrado a
olhar apenas o aspecto técnico da questão, ao passo que a presença
no ato em si poderia clarear possíveis distorções, mais comuns num
exame posterior e fora do contexto, ou mesmo evitar prisões. O
advogado disse que esse procedimento é adotado também em alguns
países e poderia evitar pelo menos 30% das prisões hoje realizadas
em Minas.
Já a ouvidora do Sistema Penitenciário de Minas
Gerais, Marlene Alves de Almeida Silva, defendeu a instalação da
Vara de Execução Penal da Região Metropolitana como proposta que
teria grande alcance para a população.
Para advogado, medidas devem combater a
reincidência no crime
Para o conselheiro Adilson Rocha, medidas que
possam resultar em queda do número de prisões são bem vindas e devem
ser discutidas para quebrar o círculo da criminalidade. Ele
argumentou que o crime é um fenômeno complexo, motivado por um
universo de causas variadas. "Mas sem dúvida a reincidência é a
maior porta de entrada, pois alimenta a própria criminalidade na
medida em que o sistema prisional hoje em funcionamento não
humaniza, não respeita a dignidade do preso nem contribui para sua
ressocialização".
O advogado fez essa análise quando o presidente da
comissão, deputado João Leite (PSDB), quis saber sobre a visão do
conselheiro a respeito do aumento da população carcerária,
multiplicada por quatro em 12 anos, e quais causas poderiam explicar
o fenômeno. Segundo o representante da OAB-MG, há em Minas cerca de
50 mil presos, contra 12 mil levantados em 1997 pela CPI do Sistema
Carcerário da ALMG.
Desses 50 mil detentos, o advogado estima que 2%,
ou cerca de mil, estejam presos ilegalmente, com penas já
prescritas. Outros 2 mil presos que poderiam cumprir pena em regime
aberto estariam irregularmente no regime fechado. Estima-se que 70%
dos presos reincidem na criminalidade, o que significa que desses 50
mil, 35 mil retornariam ao sistema prisional, num círculo
vicioso.
Acesso a processos é outra dificuldade
O representante da OAB-MG relatou ainda todas as
dificuldades enfrentadas no exercício da advocacia na área de
execução de penas e disse que a legislação é "letra morta" no País.
Segundo Adilson Geraldo Rocha, nenhum Estado cumpre a Lei Federal de
Execução Penal, de 1984. Ele lembrou que, por essa legislação,
deveria haver um juiz de execução penal presente em toda localidade
onde houver um estabelecimento penitenciário, que deveria ser
visitado pelo magistrado no mínimo uma vez por mês, procedimento
previsto também para o representante do Ministério Público, ao qual
caberia acompanhar toda a execução penal, atuando como fiscal da
lei.
Além do próprio descumprimento da lei, o advogado
criticou também a desvalorização dos defensores públicos frente aos
promotores, a demora no trâmite envolvendo despachos de juízes e
pareceres do Ministério Público e ainda dificuldades enfrentadas
pelos advogados até mesmo para ter acesso a processos ou mesmo
localizá-los. Isso porque a transferência de presos é prerrogativa
do Executivo, sendo informada posteriormente ao Judiciário, o que
atrasa a ação dos advogados. Segundo ele, são dificuldades que têm
desestimulado a atuação do advogado, levando muitos deles a
abandonarem a área de execução de penas.
Modelo Apac é defendido também pela OAB
Durante o debate, o representante da OAB-MG
ressaltou que o modelo Associação de Proteção e Assistência aos
Condenados (Apac) precisa ser difundido em Minas, e cobrou mais
investimentos do Executivo nessas unidades, bem como apoio de todos
os órgãos do Estado. O deputado João Leite lembrou que, em 1997, o
relatório final da CPI do Sistema Carcerário já havia apontado a
necessidade de investir nas Apacs, reconhecendo seu importante papel
na humanização da execução penal.
O deputado Wander Borges (PSB) sugeriu a
apresentação de um requerimento para que seja realizado um seminário
sobre as Apacs. Ele disse que nesse modelo, a reincidência não chega
a 20%, o que contribui para mudar o comportamento do sistema rumo à
ressocialização do condenado.
Já o vice-presidente da comissão, deputado
Vanderlei Miranda (PMDB), defendeu a adoção do modelo americano de
privatização do sistema prisional, argumentando que o custo seria
inferior ao que tem hoje o Estado. Ele disse que um preso custa hoje
ao Estado R$ 2.300,00, valor que comparou à mensalidade de um curso
de Medicina, e que é muito superior aos R$ 1.300 que o Estado gasta
para educar uma criança.
Vanderlei Miranda disse ainda que os debates na
comissão têm demonstrado que a execução de penas é um assunto de
grande relevância e amplitude, e que por isso defendia uma análise
visando transformar a Comissão Especial, de caráter temporário, em
comissão permanente da Assembleia. O deputado João Leite se mostrou
favorável a essa análise, que, lembrou, depende de estudos visando a
mudanças no Regimento Interno da ALMG.
Empecilhos também para os presos
provisórios
Durante o debate, o deputado João Leite quis saber
ainda se a OAB-MG tem um levantamento sobre a situação dos presos
provisórios em Minas. Segundo o deputado, há solicitações para
libertação de presos que não são acatadas pela Justiça por falta de
comprovação de residência ou de trabalho.
O representante da OAB-MG explicou que, para se
conceder liberdade provisória, é preciso comprovação de residência,
trabalho e bons antecedentes. Ele relatou que a comprovação de
residência é um dificultador, tendo em vista que muitos presos são
pobres e não têm como comprovar onde moram. Esse problema acaba
sendo resolvido com a ajuda, por exemplo, de familiares que atestam
à Justiça ser possível encontrar o cidadão no endereço de parentes.
Complicadores maiores, acrescentou ele, são a
reincidência do réu e o tipo de crime que ele cometeu. "O réu preso
dá muito trabalho, pois demanda atenção o tempo todo. O defensor
público muitas vezes não tem condições de dar essa atenção integral.
Por isso é preciso fortalecer a Defensoria Pública", afirmou Adilson
Geraldo Rocha, reconhecendo que é comum uma pessoa ficar na cadeia
muitos anos, mesmo estando em prisão provisória.
Agenda da comissão tem quatro reuniões no
interior
O deputado João Leite informou que a Comissão
Especial visitará a Vara de Execução Criminal de Belo Horizonte na
próxima terça-feira (26), às 14h30. Também anunciou o calendário de
reuniões da comissão no interior do Estado. São elas:
* 28/5 - em Montes Claros (Norte de Minas): visita
à Vara de Execução Criminal às 9 horas e audiência às 10 horas.
* 29/5 - em Governador Valadares (Vale do Rio
Doce): visita à Vara de Execução Criminal às 9 horas e audiência às
10 horas.
* 1º/6: em Uberlândia (Triângulo Mineiro): visita à
Vara de Execução Criminal às 14 horas e audiência às 15 horas.
* 5/6: em Juiz de Fora (Zona da Mata): visita à
Vara de Execução Criminal às 9 horas e audiência às 10 horas.
Presenças - Deputados João
Leite (PSDB), presidente; Vanderlei Miranda (PMDB), vice; e Wander
Borges (PSB).
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