Religiosos de matriz africana pedem respeito do poder
público
"O Estado não sabe lidar com a diferença. Não somos
iguais perante a lei." A frase é parte do desabafo da yalorixá
Nylsia dos Santos. Ao seu lado, dividindo a mesma mesa,
representantes de diversas religiões e deputados deram um exemplo de
respeito à diversidade cultural e religiosa. Todos participaram da
audiência pública desta quarta-feira (6/5/09) da Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para
debater a intolerância religiosa. Duas denúncias de invasão a
terreiros de Candomblé e agressão a seus membros fizeram parte da
pauta. A reunião também serviu para a divulgação da 1ª Caminhada
Cultural pela Liberdade Religiosa e pela Paz, na próxima
quarta-feira (13), às 14 horas, na Praça Sete.
O deputado Durval Ângelo (PT) recomendou a
fiscalização, pelos movimentos sociais, dos meios de comunicação que
veiculam programas que pregam o preconceito e a discriminação
religiosa. Ele também anunciou uma série de encaminhamentos que
serão propostos e votados posteriormente pela comissão. Uma das
medidas é o agendamento de uma reunião com o Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos Humanos para
levantar os principais problemas relativos à discriminação religiosa
ou racial, assim como as providências a serem tomadas pelo
Ministério Público. Na mesma reunião, pretende-se discutir a
elaboração de um manual da liberdade religiosa.
O segundo encaminhamento é uma solicitação à Mesa
Diretora da ALMG para agilizar a tramitação de proposições que
tratam do Conselho Estadual da Igualdade Racial, do Estatuto da
Igualdade Racial e do sistema de cotas. Ao Governo do Estado, serão
solicitados esforços para criação do conselho. Por fim, Durval
Ângelo disse que pedirá o apoio da TV Assembleia para divulgação da
Caminhada pela Liberdade Religiosa.
"Ainda falta muito para sermos iguais perante a
lei", disse o deputado Carlos Gomes (PT), lamentando o fato de a
intolerância ainda precisar ser debatida em uma casa legislativa
brasileira. O deputado Carlin Moura (PCdoB) ressaltou a importância
de ações como a Caminhada pela Liberdade e a audiência pública. Ele
lembrou que a luta pelo respeito cultural é antiga no Brasil e citou
como exemplo a atuação parlamentar pelo Partido Comunista Brasileiro
de Carlos Marighella e do escritor Jorge Amado, ambos deputados
federais constituintes em 1946.
Em sua fala, o diretor de promoção e educação em
Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social
(Sedese), Fábio Carvalho dos Santos, ressaltou a realização da 2ª
Conferência de Promoção da Igualdade Racial, nos dias 23 e 24 de
maio. O promotor de Justiça Rodrigo Filgueira de Oliveira assumiu o
compromisso de trabalhar pela aproximação do Ministério Público com
o movimento negro em geral e colocou-se à disposição para uma
primeira reunião conjunta, para apresentação de demandas.
Policiais que invadiram terreiros de Candomblé não
tinham mandado
Os dois casos de agressão só apareceram na fase de
debates. O babalorixá Henrique de Oxalá e a representante da
Coordenação Executiva e Comunicação do Monabantu/MG, makota
Kinsandembu Kiamaza denunciaram a invasão violenta, sem mandado
judicial e motivo justificado, em fevereiro de 2009, de um terreiro
de Candomblé no bairro Bernardo Monteiro, em Contagem. Em 26 de
abril, uma pessoa foi morta e um babalorixá perdeu um olho durante
outra invasão da polícia em um terreiro de Candomblé no bairro Dom
Silvério, em Belo Horizonte.
"Até o momento, nenhum dos dois casos foi
resolvido", disse Henrique. "Esse racismo institucional tem que
acabar. A Polícia Militar não entra armada com escopeta em igreja
católica", declarou. O representante da PM, major Elton José da
Silva Baião, não comentou sobre os casos e frisou que os cursos de
formação da corporação contemplam o respeito à diversidade. "A
religião é fator de equilíbrio social e vocês desempenham papel
importante nisso", afirmou.
"Não fui educado para a igualdade, mas acredito que
somos capazes de fazer essa caminhada", disse o frei Fabiano Aguilar
Satler, secretário da província dos franciscanos em Minas Gerais.
"No nosso meio, há pessoas dispostas a fazer esse diálogo",
comentou. O frade morou sete anos em Moçambique e mostrou-se
indignado com o que chamou de "exportação da intolerância", ao
contar que no país africano estão chegando muitos missionários
cristãos protestantes pregando a discórdia entre as religiões. "A
luta pela igualdade é árdua, longa e cobra um preço que chega ao
nível da perda da vida", frisou o professor do Departamento de
Comunicação Social da UFMG, Dalmir Francisco. "Quem ataca a
diversidade, ataca a sua própria razão de ser. Por definição, o ser
humano é diverso."
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; Carlos Gomes (PT) e Carlin Moura
(PT). Também participaram da reunião o reverendo da Igreja
Metodista, Lúcio Mendonça da Fonseca; Tatetu Arabomi; babalorixá
Sidney Ti Oxossi; Mametu Mona Sinanguê; o artista João das Neves; e
o monge Hare Krishna Narasim Hadeva Das.
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