Juízes responsabilizam INSS por acúmulo de processos na
Justiça
Acúmulo de mais de 30 mil processos somente no ano
passado; inexistência de varas em cidades mineiras de grande porte,
como Contagem e Betim; e ações previdenciárias para garantir
benefícios urgentes, como auxílio-saúde, se arrastando há até oito
anos na Justiça, quando poderiam ter solução no próprio INSS. Estes
foram alguns dos problemas levantados por magistrados e servidores
da Justiça Federal em audiência pública realizada nesta quarta-feira
(6/5/09) pela Comissão de Administração Pública da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais.
O objetivo foi discutir a morosidade na tramitação
de processos na Justiça Federal, conforme requerimento do deputado
Délio Malheiros (PV), presidente da comissão, que anunciou, na
abertura da reunião, a criação, nos próximos dias, de uma frente na
ALMG pela criação do Tribunal Regional Federal de Minas Gerais, já
que o Estado hoje faz parte do Tribunal da 1ª Região, com sede em
Brasília.
Antes da fala dos convidados, o parlamentar
apresentou dados recebidos em correspondência do juiz auxiliar da
Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Cunha
Chimento, na qual justificou sua ausência e encaminhou à comissão
relatório sobre as deficiências apontadas na Justiça Federal a
partir de inspeções recentes feitas no Estado. Os números mostram
que cada uma das cinco varas dos Juizados Especiais Federais
existentes em Minas possui hoje mais de 20 mil processos em
andamento, número que é dez vezes maior do que o de processos
tramitando em cada uma das varas cíveis comuns, embora essas tenham
quadro funcional muito maior: há em média um funcionário para cada
125 processos por vara cível comum em Minas, contra um funcionário
para cada 1.600 processos em vara de Juizado Especial Federal.
Causas previdenciárias são as mais prejudicadas
O presidente da Associação dos Juízes Federais de
Minas Gerais (Ajufemg), Ivanir César Ireno Júnior, observou que as
distorções prejudicam sobretudo a população que mais precisa do
acesso à Justiça Federal: aquelas que buscam benefícios
previdenciários por estarem doentes ou afastadas do trabalho por
invalidez.
Esses casos, lembrou ele, são submetidos ao Juizado
Especial criado em 2001 por lei federal com o intuito de ampliar o
acesso à Justiça e dar respostas mais rápidas a causas com valor de
até 60 salários mínimos e que dispensam advogado. "Mas a boa
iniciativa começou com um problema. A lei não criou cargos e funções
para o juizado e juízes e servidores foram deslocados de outras
varas", frisou ele.
Segundo o juiz, as causas de natureza
previdenciária respondem pela maioria dos processos que tramitam nos
Juizados Especiais Federais, o que aumenta a gravidade do problema.
"São benefícios que não podem esperar, pois afetam a sobrevivência e
a dignidade do cidadão", criticou o dirigente da Ajufemg. Embora
reconhecendo avanços em procedimentos do INSS nos últimos anos, ele
disse que o órgão federal está repassando tarefas à Justiça.
"Infelizmente o INSS tem negado benefícios sem uma análise mais
apurada, o que está transformando a Justiça Federal numa instância
de revisão do INSS".
O juiz Renato Prates também destacou a
responsabilidade do INSS na questão e disse que há causas
previdenciárias se arrastando há oito anos, transformando-se na
prática em causa de sucessão, aquela que vai atender a gerações
futuras. Ele disse que, paradoxalmente, já há advogados evitando o
Juizado Especial Federal diante do acúmulo de demandas, preferindo
as varas cíveis. "Elas estão julgando mais rápido, o que é uma
inversão", registrou.
Falta de peritos agrava o problema
O acúmulo de processos previdenciários que
necessitam de perícia foi outro problema apontando no debate. O
presidente da Ajufemg destacou que a Justiça Federal não possui um
quadro próprio de peritos e há dificuldade de se encontrar médicos
dispostos a executar o serviço por honorários de R$ 160,00 pagos com
atrasos de cerca de oito meses. O juiz Renato Prates acrescentou que
há casos patentes de incapacidade do cidadão, percebida de forma
clara na Justiça, que não são reconhecidos por peritos do próprio
INSS, agravando o problema.
Diante dos problemas identificados, o juiz disse
que o apoio da Assembleia em busca de providências é imprescindível,
no que foi endossado pelo juiz federal Ricardo Rabelo. "O modelo
existente está esgotado. E é um equívoco achar que resolveremos isso
apenas em Brasília ou no Congresso", disse ele.
Acúmulo de funções dos juízes também atrasam
recursos
Segundo dados apresentados pelo presidente da
Ajufemg, a Justiça Federal em Minas tem 54 varas com dois juízes
cada, sendo 32 em Belo Horizonte, a maioria delas cíveis (18), sendo
as 22 varas do interior insuficientes para um Estado do porte de
Minas Gerais. Duas varas cíveis estão sendo convertidas em juizados
especiais ainda este mês, solução que foi considerada pelos
presentes como paliativa.
Há hoje cerca de 170 mil processos tramitando em
todo o Estado nos juizados federais. Desses, 87 mil foram
distribuídos ao longo do ano passado, quando cerca de 54 mil foram
concluídos, gerando um acúmulo de mais de 30 mil processos para o
ano seguinte.
A morosidade dos recursos também foi outro problema
apontado. Ivanir Ireno disse que os relatores dos tribunais de
recursos são juízes que acumulam a função porque não têm dispensa de
sua jurisdição. Por isso, destacou que não adianta só falar em
melhoria de gestão para corrigir as deficiências, pois, diante das
condições, a produtividade dos juízes federais em Minas hoje já é de
100%. Defendeu também medidas como melhorias na infraestrutura e
revisão do quadro funcional. "A Justiça Federal em Minas e no Brasil
ainda é bastante embrionária".
Advogados sugerem concurso público e criação de
ouvidoria
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores do
Poder Judiciário Federal do Estado de Minas Gerais (Sitraemg), Sônia
Maria Peres de Oliveira, destacou que Minas é, isoladamente, o
quarto Estado em movimentação processual. "O que se faz no Juizado
Especial, por exemplo, é gerir carências, contando com a boa vontade
de servidores e juízes para cumprirem quase uma segunda jornada".
Fernando Tadeu da Silva Quadros, diretor-presidente
da Associação dos Advogados de Minas Gerais (AAMG), também defendeu
soluções na área de pessoal, com a realização de novos concursos
públicos se for o caso, e sugeriu que a frente a ser lançada pela
Assembleia defenda também o enfrentamento das deficiências do
Juizado Especial. "Criar um Tribunal em Minas é importante sim, mas
o Juizado Especial precisa de socorro imediato".
O diretor-secretário da mesma entidade, César
Augusto Hygino Porto, sugeriu a criação de uma Ouvidoria da Justiça
Federal, para esclarecer o cidadão sobre como proceder para ter
acesso ao atendimento, já que, segundo colocou, a dispensa de
advogados para processos no Juizado Especial dificulta e atrasa o
trabalho de servidores que atuam no atendimento à população.
Diante do que foi relatado, o deputado Padre João
(PT) lamentou que as deficiências apontadas estejam prejudicando
sobretudo uma parcela da população mais carente de recursos e
necessitada de benefícios previdenciários e, dentro dela, a
população idosa, ainda em situação mais delicada pela faixa etária
avançada.
O vice-presidente da Comissão de Administração
Pública, deputado Ivair Nogueira (PMDB), disse ter ficado surpreso
ao saber que cidades como Contagem, com cerca de 700 mil habitantes,
não têm vara da Justiça Federal, enquanto cidades com mais de 50 mil
habitantes em Estados do Sul do País, como Santa Catarina, têm pelo
menos uma vara federal. Disse que essa é também uma luta antiga em
sua cidade, Betim, com cerca de 500 mil habitantes.
Requerimento aprova visita ao Tribunal Federal
Após o debate, foi aprovado na reunião requerimento
para que seja promovida uma visita dos membros da Comissão de
Administração Pública ao presidente e ao corregedor-geral do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com o intuito de discutir os
problemas enfrentados pela Seção Judiciária de Minas Gerais e suas
possíveis soluções. O autor foi o presidente da comissão, deputado
Délio Malheiros.
Outros dois requerimentos foram aprovados. O
primeiro, do deputado Padre João, pede a realização de reunião para
discussão de problemas na Fundação Ezequiel Dias (Funed)
relacionados ao corte de gratificações dos servidores, à relação com
entidades sindicais e à produção de medicamentos. O outro, também do
presidente da comissão, Délio Malheiros, é para que seja realizada
audiência pública conjunta com a Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial para debater o uso de fontes alternativas de
fertilizantes na agricultura, com ênfase no uso do verdete.
Presenças - Deputados
Délio Malheiros (PV), presidente; Ivair Nogueira (PMDB), vice;
Neider Moreira (PPS), Padre João (PT), Ronaldo Magalhães
(PSDB).
|