Plano Decenal de Educação divide governo e sindicalistas
O embate entre o secretário-adjunto da Secretaria
de Estado de Educação, João Antônio Filocre Saraiva, e
representantes sindicais do setor foi responsável por alguns dos
pontos altos do Debate Público sobre o Plano Decenal da Educação, na
tarde desta sexta-feira (13/3/09), no Plenário da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. Entre outros pontos, Filocre repeliu
críticas de que a elaboração do Plano teria sido pouco democrática e
de que o Conselho Estadual da Educação seria integrado apenas por
representantes governamentais e de escolas privadas.
O debate público foi organizado pela Comissão de
Educação, Ciência, Tecnologia e Informática. O Plano Decenal de
Educação, que contém o planejamento para a educação em Minas nos
próximos dez anos, tramita na ALMG sob a forma do Projeto de Lei
(PL) 2.215/08, do governador, e está sendo avaliado durante toda
esta sexta-feira (13) em debate público promovido pela Assembleia e
diversas entidades. O evento é uma das etapas preparatórias do Fórum
Técnico sobre o mesmo tema, que será realizado no Plenário em maio e
antes terá uma etapa de interiorização. À tarde, foram abordadas a
formação e a valorização dos profissionais da educação,
financiamento e gestão e diálogo entre as redes de ensino e suas
interações.
As cobranças mais veementes partiram do presidente
do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro),
Gilson Reis. Logo no início de sua fala, ele ressaltou a morte de um
aluno na porta de uma escola em Belo Horizonte, nesta semana. Além
de medidas de segurança, ele cobrou investimentos no ensino técnico
público e nas universidades estaduais, para que elas possam se
dedicar à criação de um projeto estratégico que tire a economia
mineira da dependência da mineração.
Partiu de Gilson Reis a crítica de que o Conselho
Estadual de Educação não tem espaço para representantes de
professores, alunos e sociedade organizada. O secretário-adjunto de
Educação negou a afirmativa com veemência. "Há representantes dos
professores da UFMG, da Uemg. O modelo é o mesmo do Conselho
Nacional", afirmou o secretário.
O presidente do Sinpro também acusou o Estado de
não participar da discussão e elaboração da Conferência Nacional de
Educação e de pressionar contra a aplicação do piso salarial mínimo
de R$ 950 para o setor.
Democracia do debate é questionada
A reação mais forte do secretário Filocre foi no
sentido de repelir acusações contra a forma de elaboração do Plano
Decenal de Educação. Segundo ele, o plano é resultado de um debate
que começou em 2004, passando por todos os municípios mineiros,
superintendências e regionais de ensino, além de um congresso
estadual. "Tudo que foi aprovado nesse congresso consta neste
projeto", garantiu o secretário. Ele acrescentou que a Secretaria de
Educação guardou todas as propostas rejeitadas no congresso e que
poderia encaminhá-las à Assembleia, a fim de contribuir para a nova
fase de discussão.
Pelo governo, sua fala foi complementada pelo
subsecretário de Estado de Administração do Sistema Educacional,
Gilberto Rezende dos Santos. Ele ressaltou a necessidade de se
buscar fontes de recursos para as propostas elaboradas, sob pena de
torná-las inaplicáveis e sujeitas a vetos.
Santos afirmou que o recurso disponível hoje, no
Estado, considerando todas as fontes de recursos, é de R$ 2.386 por
aluno. Ele acrescentou que os fundos criados pelo Governo Federal
para reforçar o ensino, tais como Fundef e Fundeb, não ajudaram
muitos municípios mineiros. Embora muitos tenham recebido recursos
adicionais, mais de 400, nos dois casos, tiveram perdas e precisaram
de recursos do Estado.
Critério financeiro é criticado
Mais de um palestrante criticou a preponderância do
critério financeiro para a aprovação de novas propostas e diretrizes
de educação. A coordenadora-geral do Sindicato Único dos
Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Maria Inez Camargos, disse que
muitas propostas feitas ao plano foram rejeitadas anteriormente sob
este argumento. "Todas as metas e gestões estratégicas estão
sujeitas à disponibilidade financeira", afirmou.
Maria Inez disse que algumas questões devem ser
priorizadas, partindo-se depois à busca de recursos que as
viabilizem. Cobrança semelhante foi feita por André Picanço. "Porque
as metas são econômicas e não políticas, tais como o princípio da
autonomia do professor?", questionou. Maria Inez cobrou ainda o
estabelecimento de tempo destinado ao planejamento na carga horária
do professor; ingresso na carreira por concurso público; limitação
do número de alunos por turma e implantação de um padrão mínimo de
infra-estrutura nas escolas.
Já o diretor da Confederação Nacional de Pais de
Alunos (Confenapa), Pedro Barreto, fez uma análise nacional dos
recursos investidos na educação por cada Estado. Ele ressaltou que
algumas unidades da federação, tais como Maranhão e Pará, recebem um
terço dos recursos por aluno destinados às unidades mais ricas, tais
como Distrito Federal ou São Paulo. Ele defendeu a criação de um
fundo nacional que substitua os fundos estaduais e municipais.
Também criticou o Plano Decenal, que segundo ele traz metas muito
"genéricas".
Especialistas criticam visão tecnológica do Plano
Decenal
Ao avaliar as metas do Plano Decenal de Educação
para a área de formação profissional, especialistas e educadores
criticaram o que chamaram de excessiva ênfase nos recursos
tecnológicos previstos e recomendaram um olhar mais realista para as
mudanças sociais. Além disso, destacaram a necessidade da busca de
novas formas de financiamento para a educação, diante da crise
mundial que já se reflete no Brasil na queda de arrecadação de
impostos, fonte única de financiamento da educação.
O PL 2.215/08, que trata do Plano Decenal da
Educação, traz como metas em relação aos profissionais da educação:
aumentar para 50%, em cinco anos, a taxa de professores com curso
normal médio completo ou superior atuando na educação infantil e
para 100%, em dez anos; levar para 97%, em cinco anos, a taxa de
professores habilitados com formação superior completa atuando no
ensino médio e para 100%, em dez anos; e reduzir em 50%, em cinco
anos, o percentual de servidores com contrato temporário na rede
pública e em 80%, em dez anos.
Para o professor aposentado da Universidade Federal
do Mato Grosso e consultor legislativo do Senado Federal, João
Monlevade, o grande problema que se coloca na elaboração do Plano
Decenal mineiro, ou de qualquer outro Estado, é se equacionar a
possibilidade de recuo da arrecadação com o financiamento da
educação. Segundo ele, o modelo baseado no percentual sobre a
arrecadação foi bom por um momento, mas está esgotado. E lembrou que
como fontes alternativas de financiamento existem, por exemplo, as
deduções do Imposto de Renda para o Fundo da Criança e do
Adolescente.
João Monlevade disse ainda que é preciso colocar no
Plano Decenal o cumprimento da lei do piso salarial nacional,
"determinante para a qualidade do ensino". E disse que Minas Gerais
levou oito anos e meio para elaborar seu Plano Decenal, "por isso
agora tem a obrigação de fazer o melhor plano do Brasil,
participativo e revolucionário".
Excesso de tecnologia -
Para o professor de Educação da Uemg, André Favacho, o Plano Decenal
não deve cair nas armadilhas do discurso político de que a educação
é a salvação da família e da sociedade. Por isso, ele disse que é
preciso repensar a exigência de dedicação dos professores. "Não se
deve exigir dele mais sacrifícios, porque a profissionalização é
algo que deve ser construída em conjunto por professor e
Estado".
André Favacho considerou o projeto do Plano Decenal
"iluminista e racionalista". Ele disse que é preciso compatibilizar
teoria e prática, e uma das formas seria a reorganização dos
horários de trabalho. Outra crítica de Favacho refere-se ao
"excessivo conjunto de estratégias tecnológicas". Para ele, a
formação do docente não se resume ao domínio de novas tecnologias,
mas a um tripé indissociável entre formação inicial, salário e
carreira e valorização permanente.
Crítica semelhante manifestou o educador e
professor emérito da Faculdade de Educação da UFMG, Miguel Arroyo.
Teórico da Escola Plural implantada na rede de ensino da Prefeitura
de Belo Horizonte no governo Patrus Ananias, de 1993 a 1996, quando
exerceu o cargo de secretário-adjunto de Educação, Arroyo criticou o
que chamou de visão ingênua, que atrela o bom desempenho da educação
à boa formação do professor.
Arroyo disse que a formação do professor não pode
ser encarada como uma situação miraculosa que irá resolver os
problemas da infância, da violência. Ele garantiu que a formação do
docente tem de ser de forma política, baseada na realidade. "Não
basta então as mudanças tecnológicas, mas as mudanças sociais
profundas que estão acontecendo", disse. Miguel Arroyo afirmou que é
preciso pensar qual sistema educacional dará conta da nova
realidade, qual profissional dará conta da nova infância. E avalia
que só uma escola pública popular é capaz de responder isto.
Ele criticou ainda a imposição da negatividade da
educação, através da divulgação de índices baixos, como avaliações,
provões, imagem negativa que se cola ao profissional da área.
Segundo Arroyo, é um novo profissional, consciente de seus direitos
humanos e sociais, atuando ao lado dos novos movimentos sociais,
principalmente os oriundos do campo, que deverá assumir essa escola
pública popular.
Sabatina - Na fase de
debates, os representantes da Secretaria de Educação continuaram
ouvindo as críticas de estudantes e professores. A maioria delas com
referência ao piso salarial da categoria e à falta de
infra-estrutura das escolas.
Servidores da área administrativa também reclamaram
que estão há quase 10 anos sem aumento e que recebem pouco mais de
R$ 500. "A reivindicação desses profissionais é justa. E o próprio
governador já reconheceu que tem uma dívida com os servidores, por
isso já firmou o compromisso de rever a situação", afirmou João
Antônio Filocre.
Confira as fotos do evento
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