Plano Decenal de Educação recebe críticas em debate
público
A falta de metas e de indicadores claros de
resultados para avaliar a educação mineira e a ausência de um
projeto que reduza as desigualdades regionais e promova o
desenvolvimento foram algumas críticas feitas ao Plano Decenal de
Educação, na manhã desta sexta-feira (13/3/09), na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais. A resposta às críticas veio do
secretário-adjunto de Estado de Educação, João Antônio Filocre
Saraiva. Ele apresentou números para mostrar as realizações de
governo e disse que o documento vem sendo discutido desde 2004, com
a participação dos municípios e dos interessados, e que não é um
"plano de gaveta".
O Plano Decenal de Educação, que tramita na ALMG
sob a forma do Projeto de Lei (PL) 2.215/08, do governador, contém o
planejamento da educação em Minas para os próximos dez anos. Ele
está sendo avaliado durante toda esta sexta-feira (13) em debate
público promovido pela Assembleia e diversas entidades. O evento é
uma das etapas preparatórias do Fórum Técnico sobre o mesmo tema,
que será realizado no Plenário em maio e antes terá uma etapa de
interiorização. O objetivo é reunir sugestões para aperfeiçoar o
projeto, que será votado pelos deputados e transformado em lei. O PL
2.215/08 aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Educação,
Ciência, Tecnologia e Informática. Durante o debate público, os
interessados podem encaminhar perguntas e sugestões através do
telefone 0800-0310888 ou pelo e-mail debate.educacao@almg.gov.br.
As atividades da manhã foram coordenadas pela
presidente da Comissão de Educação, deputada Maria Lúcia Mendonça
(DEM), e tiveram a participação da deputada Gláucia Brandão (PPS) e
do deputado Carlin Moura (PCdoB), integrantes da comissão. Moura é
autor do requerimento do Fórum Técnico em parceria com a ex-deputada
Elisa Costa (PT). Também compôs a Mesa dos trabalhos o deputado
Vanderlei Jangrossi (PP).
Sociólogo cobra redução de desigualdades regionais
e foco nos resultados
Para o sociológo Rudá Ricci, o projeto do plano
decenal define metas sem base científica. "O foco está no esforço
que o Estado faz para superar as dificuldades, quando deveria estar
nos indicadores de impacto, de resultado", avaliou. Ele enfatizou
que o plano mineiro não traz estratégias definidas, permanecendo a
fragmentação de políticas, a desigualdade regional, a multiplicidade
de concepções pedagógicas, além de o plano prever o aumento do
controle sobre indicadores quantitativos. Para ilustrar a fala, Rudá
Ricci mostrou que, segundo dados oficiais, as escolas-referência
estão, em sua maioria, localizadas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH). "Não há uma política de reversão das desigualdades
sociais", criticou. As escolas das regiões mais empobrecidas do
Estado também são as que menos possuem quadras poliesportivas.
"Minas parou na educação", afirmou o sociólogo. De
acordo com dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) de 2007 que ele apresentou, todos os Estados avançaram,
enquanto Minas permanece com os números de 2005. Ricci defendeu que
os eixos da educação devem ser a construção de uma estratégia
estadual; a avaliação sistêmica, com indicadores de impacto; o
desenvolvimento com processo e resultados integrados; a
descentralização do controle com acordos estratégicos e a integração
de redes, com foco na articulação.
O expositor abordou desafios específicos para a
educação, como as comunidades quilombolas, que apresentam um déficit
de 33% de escolas até a 4ª série primária e de 91,4% em relação às
escolas até a 8ª série. Quanto à educação rural, Rudá Ricci
argumenta que a minoria das escolas (18%) atende à Pedagogia da
Alternância, considerada a mais adequada para esses estudantes. Para
o ensino médio, argumentou que a proposta estadual é ambígua,
propondo a adoção parcial da estrutura modular. "Não há articulação
entre áreas, fragmentando o ensino", concluiu.
Professor avalia que metas são pouco claras
A ausência de metas claras também foi enfatizada
pelo professor José Cosme Drummond, da Faculdade de Educação da
Uemg. Ele destacou que o plano é centrado na educação básica, que é
responsabilidade do Estado. A educação superior é abordada de forma
secundária. "As referências nas diretrizes são pouco claras; as
metas são muito decorativas e pouco factíveis", analisou. Na opinião
dele, as metas não abordam o papel do Estado e das instituições de
ensino para sua efetivação. Isso ocorre, por exemplo, na meta geral
que determina a compatibilização das políticas e ações da educação
superior com as demandas, expectativas e necessidades de
desenvolvimento econômico, social e cultural do Estado, priorizando
as áreas de maior vulnerabilidade social.
De acordo com Drummond, não são mencionadas as
fontes para financiamento das ações no que se refere às metas de
aumento da oferta de educação superior, no prazo de dez anos, para
100% dos alunos concluintes do 2º grau e para 30% dos jovens entre
18 e 24 anos; e também de ampliação da rede de educação superior
pública presencial e a distância. O professor também avalia que as
metas que tratam da formação dos professores da educação básica não
definem as ações necessárias à sua concretização. Ele sugeriu que a
ALMG discuta a jornada do corpo docente das universidades, que
precisam se dedicar à sala de aula e à pesquisa, e que sejam
encontrados espaços para debater a educação superior. Na opinião
dele, o plano aborda de forma muito restrita esse tema.
Governo rebate críticas e afirma que desigualdade
regional diminuiu
A resposta às críticas veio do secretário-adjunto
de Estado de Educação, João Antônio Filocre Saraiva. Ele afirmou que
o plano não foi apresentado apenas para cumprir uma formalidade e
atender a uma determinação legal, mas elaborado desde 2004 com a
participação dos municípios, com debates no interior e também em um
congresso na Capital. "Não queremos um plano de gaveta; este foi um
processo rico e coordenado", ponderou. Ele informou que Minas é o
Estado com o maior número de municípios com planos de educação
aprovados. São 780 e, segundo Filocre, eles estão sincronizados com
o plano decenal.
Ao responder às críticas, afirmou que o que está
sendo discutido não são programas de governo como as
escolas-referência, mas sim um conjunto de diretrizes que a
sociedade vai estabelecer para a educação por meio de seus
representantes. Ele afirmou que as ações do Executivo têm
contribuído para reduzir as desigualdades regionais, apesar de ser
preciso intensificar as políticas públicas. Lembrou os investimentos
no projeto "Rede Crescer", que teriam reduzido as diferenças entre
as escolas de baixo desempenho (muitas localizadas na região que
chamou de grande Norte de Minas) e as escolas-referência, que hoje
são 586 no Estado. Filocre também destacou que algumas
superintendências de ensino do Norte atingiram grau de proficiência
nos últimos dois anos, ingressando num grupo antes restrito ao Sul e
ao Triângulo.
Números - Filocre
apresentou diversos números para ilustrar a situação de Minas em
comparação com o cenário nacional, além de atualizar alguns dados
que constam do projeto. Segundo ele, entre 2003 e 2008, foram
investidos na rede física estadual R$ 918 milhões, sendo um alto
percentual em reformas de escolas. Das 3.930 escolas estaduais,
3.915 foram beneficiadas. Além desses investimentos, foram aplicados
R$ 34 milhões na rede física de 448 escolas municipais.
Filocre também apresentou números para mostrar que
Minas está à frente do Brasil quando detém o índice de 97,1% de
alunos no sistema de ensino fundamental de nove anos - e não mais de
oito. De acordo com ele, o percentual restante é de alunos de
escolas particulares, que têm prazo para empreender a mudança.
Também demonstrou que, em relação ao ensino médio
profissionalizante, Minas "está dando passos mais largos". Segundo
ele, enquanto no Brasil as matrículas em educação profissional
cresceram 6,8% entre 2006 e 2008, em Minas esse índice foi de 21% e,
na rede estadual do Estado, de 34%. Em 2006, havia 12 escolas de
formação profissional. Em 2008, o número subiu para 67.
Estudante cobra mais investimentos na educação
superior
Representantes de entidades estudantis cobraram
mais investimentos na educação. O presidente da União Estadual dos
Estudantes (UEE), Diogo de Oliveira Santos, centrou sua fala no
pouco investimento que o ensino superior tem em Minas. Segundo ele,
a média nacional é de 14% das matrículas em universidades públicas
serem de instituições estaduais. No Estado, o índice é de 4%. Para
Diogo, falta um projeto estratégico para a educação por meio do qual
ela contribua para a superação das desigualdades regionais e para o
desenvolvimento de Minas.
O estudante defendeu mais verba para a Universidade
Estadual de Montes Claros (Unimontes), a fim de que ela possa ajudar
a fomentar o desenvolvimento do Norte; e cobrou a instalação de
campus unificado da Uemg em Belo Horizonte. Diogo questionou
a ausência de representante da Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior no debate. Ele também cobrou a
democratização do Conselho Estadual de Educação (CEE), afirmando
que, antes de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ele tinha
autoridade para determinar a abertura de faculdades particulares,
"sem controle social em relação à qualidade do ensino."
O presidente da União Colegial de Minas Gerais e
vice-presidente regional da União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (Ubes), Flávio Nascimento, também cobrou a
democratização do CEE, além de avaliar a educação no Estado como
"sucateada" e sem salas adequadas para receber os alunos. Ele também
reivindicou mais investimentos nas escolas técnicas, mas ponderou
que isso não quer dizer formar "apertador de parafuso".
Parlamentares destacam importância da participação
de entidades
Na abertura dos trabalhos, a deputada Maria Lúcia
Mendonça ressaltou a importância do debate para a atualização do
plano. Ela lembrou os seus quatro grandes objetivos (ampliar a
jornada escolar até o tempo integral; reduzir a evasão escolar;
universalizar o acesso das escolas à internet; e qualificar e
valorizar o profissional da educação) e destacou que a escola está
fortemente associada à eficiência e à produtividade. Além disso,
disse ela, a educação é o mais forte instrumento para a criação de
oportunidades e para a inclusão social da população.
O deputado Carlin Moura agradeceu o apoio das
entidades dos movimentos sociais envolvidas na organização. Segundo
ele, o debate ocorre em um momento de profunda transformação
mundial, no qual "o mito da competência da iniciativa privada está
na berlinda", com a crescente demanda pela presença do Estado na
definição dos rumos da economia. Por isso, afirmou, a ação estatal
deve priorizar a educação pública. No Brasil e em Minas, destacou, é
preciso aprimorar as conquistas já obtidas e lutar contra a
mercantilização da educação. Ele concluiu sua fala lembrando que a
ALMG, com o evento desta sexta (13), demonstra que é uma parceira
comprometida com o futuro da educação em Minas Gerais.
Já a deputada Gláucia Brandão reiterou a
importância do debate no aperfeiçoamento da educação que, segundo
ela, "é um processo contínuo de desenvolvimento humano e um
mecanismo para mudar os destinos do País". Ponderou que os desafios
ainda são grandes, mas que governo e sociedade precisam construir as
estratégias necessárias para melhorar cada vez mais a estrutura
educacional mineira e brasileira.
Reitor da Unimontes apresenta sugestões; educador
popular defende transformação
O reitor da Unimontes, Paulo Cesár Gonçalves de
Almeida, reforçou o compromisso da universidade com a educação
básica, sobretudo em relação às licenciaturas. Ele completou dizendo
que não existem disciplinas e cursos eternos, e que os conteúdos
precisam ser adaptados à realidade, assim como os professores
preparados para o futuro. "A educação é o segmento mais importante
para uma sociedade que quer se desenvolver", afirmou.
Almeida defendeu a ampla participação da sociedade
na construção do plano decenal. "A construção coletiva, se
efetivamente legitimada, amplia as chances de garantia de seu
cumprimento", avaliou. Na opinião dele, a responsabilidade sobre a
educação deve ser partilhada entre poder público e sociedade. O
reitor acredita que a oferta de cursos superiores também deve ser
precedida de um diagnóstico eficaz e de planejamento sobre as
demandas relevantes das regiões por conhecimento. "Educação não é
mercadoria. Pode ser negócio, mas tem que ser negócio sério."
Outras necessidades apontadas pelo expositor foram
a implantação de cursos superiores de tecnologia, respeitando a
vocação regional; e a valorização dos professores, com garantia de
salários que lhes permitam dedicação em tempo integral.
UTI - O educador popular e
antropólogo Tião Rocha classificou o plano decenal como "de
ensinagem, não de aprendizagem", afirmando que ele não é
transformador, mas remendado. Ele propôs uma "UTI educacional" para
curar o analfabetismo funcional e cobrou uma estratégia abrangente,
que envolva todos, para fazer com que a escola deixe de ser
"formadora de uma massa de analfabetos". Ex-professor da
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Tião Rocha falou também
sobre o trabalho que desenvolve na ONG Centro Popular de Cultura e
Desenvolvimento, que fundou e preside. A premissa do trabalho é que
é possível fazer educação sem escola, "em qualquer lugar, inclusive
sob o pé de manga", mas não sem educadores.
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