Moradores defendem criação do Dia Estadual da Favela

Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (11/3/09) para discutir a situação dos moradores de favelas de Belo...

11/03/2009 - 00:03
 

Moradores defendem criação do Dia Estadual da Favela

Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (11/3/09) para discutir a situação dos moradores de favelas de Belo Horizonte, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado Durval Ângelo (PT), disse que vai pedir o encaminhamento ao Plenário do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pela inconstitucionalidade do projeto que cria o Dia Estadual da Favela. "Belo Horizonte tem hoje 216 mil famílias que moram em favelas, ou seja, um milhão de pessoas. Isso significa que um terço da população da cidade foi vetada nesse parecer, mas o Plenário pode derrubar esse veto de forma soberana", afirmou, defendendo que, para isso, será necessária antes a mobilização das entidades e das lideranças comunitárias.

A audiência pública foi requerida pelo deputado, que divide a autoria do Projeto de Lei (PL) 2.884/08, de criação do Dia da Favela, com a ex-deputada Elisa Costa (PT), eleita prefeita de Governador Valadares. Durante o debate, lideranças comunitárias, representantes da Defensoria Pública e da sociedade civil foram unânimes em criticar os termos do parecer, cujo trecho - "não é adequada a instituição de data para comemorar uma organização urbana caracterizada como de baixa qualidade de vida, em terrenos invadidos e com edificações inadequadas" - chegou a ser lido em vários momentos.

Durval Ângelo lembrou que a comissão já se envolveu em diversas questões relacionadas à vida na favela, como a falta de uma política justa de assentamento e a violência policial, que muitas vezes trata o morador como "criminoso ou cidadão de segunda classe". Já a criação da data, frisou, foi proposta para celebrar os valores dos moradores e resgatar sua auto-estima. Citou como exemplo a instituição do 4 de novembro como o Dia da Favela no Rio de Janeiro, ao definir como "equivocado" o parecer. "Isso mostra que o preconceito e a discriminação começam nesta Assembleia e que há um longo caminho a percorrer", disse, lembrando de outras datas já criadas, entre elas os Dias do Atleticano, do Cruzeirense, do Jogador de Damas, do Jogador de Xadrez e do Taxista.

Comunidade em avanço - Cristiano da Silva, o "Cris do Morro", morador da Favela do Papagaio, disse constatar com "revolta e tristeza" a forma como a favela ainda é vista, ao criticar o parecer da CCJ, e ressaltou a importância do trabalho daqueles que vivem nesses espaços. "Se o favelado resolver parar e fazer greve, o País todo pára, não haverá nem quem acenda a luz", disse, frisando que também há qualidade de vida nesses espaços, apesar das dificuldades. "Não há comunidade carente, e sim comunidade em avanço, pois quem é carente é quem está parado, e não a mãe que levanta cedo e vai para o trabalho, como faz a maioria." Segundo ele, em sua comunidade há muitos estudantes universitários e também recém-formados que querem permanecer ali.

Comissão recebe documento que mostra necessidade de repensar questão da moradia

O padre Pier Luigi Bernareggi, da Paróquia de Todos os Santos, disse já ter "comprado briga com muito governante" em defesa de direitos de moradores das favelas por razões diversas. "Mas nunca pensei em comprar briga com gente que foi votada", disse ele, condenando ainda a visão da favela "como algo anômalo, um câncer que deve ser tratado cirurgicamente".

Padre Pier apresentou dados de documento encaminhado por ele ao prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), ainda durante a campanha eleitoral, em que critica a forma como o programa Vila Viva, de urbanização de vilas e favelas, estava apresentada no programa de governo do então candidato. Segundo o padre, a proposta resultaria em 63,88 m2 de área efetiva usada como moradia por família nas vilas e favelas de Belo Horizonte, quando na realidade cada família favelada na Capital já moraria em área maior, de 85,18 m2. O documento foi entregue à comissão a pedido do presidente, para posterior encaminhamento a órgãos afetos à questão. "Isto para mostrar a necessidade de se repensar a questão da moradia nas favelas, e não fazer como os programas oficiais estão querendo com a construção de apartamentos", explicou o deputado.

Extermínio - O assistente social José Almerindo da Rocha, da Central Única das Favelas/Núcleo Belo Horizonte, disse que o preconceito e a discriminação se refletem em indicadores de violência, inclusive policial, que levantou em pesquisa que fez a esse respeito. A pesquisa revela que 87% dos assassinatos de jovens de 15 a 20 anos são de negros e pardos e moradores de favela. "É um extermínio de jovens. O adolescente em conflito com a lei deve ser encaminhado a uma delegacia, sim, mas primeiro não tem que ser espancado ou humilhado." Ele se disse assustado com a forma de urbanização que tem sido pensada e levada às favelas. "Tenho medo de levarem o meu barraco. Roubam nossa cultura e fazem teorias e não merecemos um dia, o mínimo que essa Casa pode nos dar", disse.

Moradores cobram mudança de postura da sociedade e dos governos

Júlio César Alves, presidente da Rede Favela, apresentou o movimento, que representa 40 favelas em Minas, e defendeu o Dia da Favela como um momento de conscientização e reflexão, assim como o 20 de novembro é para o movimento negro, e para celebrar valores que, segundo ele, são esquecidos ou desconhecidos pela sociedade, como o trabalho e a solidariedade. "Seria um dia também para desmistificar a favela como espaço onde moram pessoas ruins".

Líder da Favela Sumaré, Joanes Miranda das Mercedes, lamentou o preconceito que, segundo ele, ainda marca a sociedade em relação às favelas. Afirmou que 95% dos moradores de vilas e favelas de Belo Horizonte são trabalhadores, sendo boa parte do restante formada por adolescentes que deveriam contar também com oportunidades de trabalho. "Queremos emprego, e não ponto de distribuição de cesta básica na favela".

Representando o programa Pólos da Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG, Cielen Barreiro Caldas informou que o programa reúne professores e estudantes de várias áreas que têm um trabalho direto com comunidades de vilas e favelas, para mediar soluções de conflitos. "É preciso lutar contra um parecer como este contra o Dia da Favela. O argumento de não instituir uma data para comemorar uma organização urbana de baixa qualidade não é adequado", disse, sugerindo que a data criada seja o Dia de Melhoria da Favela, para melhor identificação do seu propósito.

Dificuldades - Sobre a baixa qualidade de vida citada no parecer da CCJ, Cielen recorreu a depoimentos de moradores que ainda não têm água ou luz em suas casas por dificuldades que seriam colocadas pelo próprio poder público. Citou que isso acontece em áreas como Vila São Bento, sob o argumento de ser uma área de preservação ambiental.

O deputado Antônio Genaro (PSC) endossou a importância da cultura e dos valores presentes nas favelas. "Venci na vida e aprendi valores como a honestidade no meio da pobreza; não que isso não exista em quem prospera", ponderou.

Defensoria Pública instalará Casa da Cidadania na Favela do Papagaio

Coordenador da Rede Favela, Alexandre Melo Brandão ressaltou a importância da chegada da Defensoria Pública às favelas por meio do programa Casa da Cidadania. "Esse é um avanço sem volta para orientar os moradores sobre seus direitos, o que nos dá esperança".

O defensor público do Estado Hélio da Gama e Silva, que também condenou o parecer contrário ao Dia da Favela, falou sobre o projeto Casa da Cidadania, a ser desenvolvido de forma piloto na Favela do Papagaio. "Será a primeira favela do País a receber a instalação de uma Defensoria Pública por um esforço do próprio órgão. Se dependesse do Estado, não subiríamos à favela", afirmou, lembrando que "a Defensoria Pública é um órgão autônomo de fortalecimento da cidadania e que tem o papel de demonstrar as mazelas do Estado".

Comissão irá ao comando da PM discutir atuação da polícia na favela da Serra

Um dos requerimentos aprovados nesta quarta (11), do deputado Durval Ângelo, é de visita ao comandante-geral da Polícia Militar para discutir a ação de policiais na apreensão de drogas na favela da Serra, conforme denúncia apresentada por Mizael Avelino Santos, da Rádio Favela. Segundo Mizael, a imagem da emissora foi usada indevidamente. Ele contou que, na terça (10), a polícia fez uma apreensão de 100 quilos de maconha no aglomerado e o material foi divulgado em foto que registrava também quatro camisetas da rádio. Mizael informou que ninguém foi preso e classificou o ocorrido como "perseguição". Ele anunciou a disposição de lutar pelo Dia da Favela.

Outro requerimento aprovado, também de Durval Ângelo, solicita do comandante-geral da PM providências para a mudança da denominação do Grupo Especial de Patrulhamento de Áreas de Risco (Gepar), em função da forte discriminação contida na sigla.

Outros requerimentos aprovados

* Do deputado Durval Ângelo: de audiência para obter esclarecimentos sobre a forma como se dá a identificação de veículos pelos órgãos de trânsito, levando em conta os direitos fundamentais dos proprietários; de audiência em Patrocínio (Alto Paranaíba) para discutir denúncias de violação dos direitos humanos, sobretudo de desvios de conduta de agentes públicos, além de problemas carcerários; de audiência para obter esclarecimentos sobre denúncia de transporte clandestino na região do Aeroporto de Confins.

* Do deputado André Quintão (PT), de audiência das Comissões de Direitos Humanos, de Participação Popular e de Segurança Pública, para debater os vários aspectos envolvidos na construção do Complexo Penitenciário da Região Metropolitana de Belo Horizonte na zona norte de Ribeirão das Neves. Segundo o requerimento, o projeto prevê capacidade para 3 mil vagas prisionais, em regime fechado e semi-aberto. Ele está em fase de pré-qualificação de interessados, em regime de parceria público-privada (PPP). O deputado quer esclarecimentos sobre o modelo jurídico e econômico adotado, o gerenciamento prisional, a segurança dos presos e da comunidade, entre outros aspectos.

Pinga-fogo - Na fase do "pinga-fogo", Jonas Nicolino, ex-coordenador de Transporte Escolar da prefeitura de Ouro Preto, fez denúncias de corrupção, uso irregular do dinheiro público e fraudes em licitação no município. Ele encaminhou as denúncias formalmente ao Ministério Público no último dia 5 e também à Câmara Municipal. Segundo Nicolino, estaria envolvida nas irregularidades a ex-secretária de Educação Crovymara Elias Batalha, vereadora eleita. Ele afirmou não ter tido apoio do prefeito, Ângelo Oswaldo, e disse que tem recebido ameaças de morte.

Segundo Durval Ângelo, a comissão pedirá providências, em requerimento, à chefia da Polícia Civil, além de cobrar agilidade na apuração dos fatos pelo Ministério Público. O parlamentar lembrou que Nicolino poderá solicitar o ingresso no Pró-Vita, programa de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas desenvolvido em parceria dos governos Federal e Estadual.

Presenças - Deputados Durval Ângelo (PT), presidente; Carlos Mosconi (PSDB), Vanderlei Miranda (PMDB), Antônio Genaro (PSC) e Ruy Muniz (DEM). Também participaram da reunião o vereador João Bosco Rodrigues, o João da Locadora; e Francis Coutinho, da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública.

 

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715