Especialistas negam aumento de casos da doença de
Chagas
As notícias publicadas pelo jornal Hoje em
Dia em setembro, de que estaria havendo um retorno da doença de
Chagas, foram criticadas pelos participantes da reunião conjunta das
Comissões de Saúde e de Participação Popular da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais nesta quarta-feira (3/12/08). A reunião
foi solicitada pelo deputado André Quintão (PT) e pela deputada Ana
Maria Resende (PSDB), preocupados com as informações de disseminação
da doença no Norte de Minas e nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Durante a reunião também foram debatidos os dados sobre a
esquistossomose e a malária.
André Quintão salientou que a doença está associada
às condições de renda e de moradia, e que as discussões precisam
passar pelo desenvolvimento da região. "Em 2009 faz 100 anos que a
doença foi descoberta e ainda temos 300 mil casos registrados em
Minas Gerais", lamentou o deputado. Na opinião do parlamentar, ainda
que a imprensa cometa equívocos, seu papel é fundamental para a
democracia. No caso das matérias sobre a doença de Chagas, o
parlamentar acredita que elas serviram para trazer à tona um assunto
que estava esquecido. A deputada Ana Maria Resende lembrou que o
aumento dos casos é freqüentemente relacionado ao desmatamento, mas
é preciso dar alternativas ao trabalhador para que ele não precise
desmatar.
Desmatamento - O
pesquisador da Fiocruz e doutor em Medicina Tropical, João Carlos
Pinto Dias, explicou que o desmatamento de grandes áreas para
plantio de café, eucalipto ou para áreas de pastagens, como é feito
hoje, não é responsável pela expulsão do barbeiro para as casas.
Segundo ele, o inseto não se adapta a esses ambientes e acaba
morrendo. Sobre os 300 mil casos da doença registrados hoje em
Minas, o pesquisador foi enfático: "Era 1 milhão na década de 80."
Segundo ele, a maior parte dessas pessoas tem mais de 50 anos e os
casos de contaminação de crianças e adolescentes são exceção.
Para João Carlos Dias, as medidas mais importantes
para o controle da doença são a vigilância constante e a preparação
dos médicos para o diagnóstico e o tratamento da doença. Além disso,
na opinião do pesquisador, é preciso dar suporte às autoridades
municipais que, a partir de 2000, tiveram que assumir a
responsabilidade de execução das atividades de controle com a
descentralização das ações que eram desenvolvidas pelo Ministério da
Saúde (Dneru, Sucam e Funasa).
Estatísticas apontam para redução dos casos de
contaminação
Os números que comprovam a redução da incidência da
doença de Chagas foram apresentados pelo gerente de Vigilância
Ambiental da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Francisco Leopoldo
Lemos. As regiões Norte e Noroeste de Minas e os Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri são consideradas de alto risco. Francisco
Lemos informou que foi encontrada uma criança positiva em 63.673
amostras analisadas com o teste do pezinho. Essa investigação foi
coordenada pela UFMG, Nupad, Fiocruz, e SES-MG. O Inquérito Nacional
de Prevalência realizado em 2002 com crianças de 0 a 5 anos revelou
seis crianças positivas em um universo de 20 mil amostras
analisadas. Nesse mesmo ano, o inquérito epidemiológico realizado no
Estado com crianças e adolescentes de 0 a 14 anos resultou em uma
amostra positiva de 9.819 examinadas em 341 municípios. A média de
prevalência da doença de 1989 a 2002 é de 0,07 %.
Óbitos - Os índices de
mortalidade pela doença em Minas Gerais entre os anos de 2001 e 2005
revelam que os óbitos são mais freqüentes em pacientes entre 60 e 69
anos (26,24% total, ou 1.663 pessoas nesse período). A menor
incidência está entre os pacientes de 10 a 14 anos (0,03% ou duas
mortes). Há ainda um caso de morte, em 2004, em que a idade do
paciente era ignorada. Nesse mesmo período, foram registradas 1.195
mortes no Norte de Minas, ou 24,9% do total de óbitos pela doença no
Estado.
Na opinião do gerente de Vigilância Ambiental da
SES, as medidas desenvolvidas pelo Programa de Controle da Doença de
Chagas (PCDCh) são a informação da população, principalmente de zona
rural, da importância da adoção de medidas que evitem o contato com
o inseto vetor; o emprego sistemático de inseticida de ação residual
nas habitações infestadas, segundo a notificação da comunidade; a
realização de trabalhos anuais de captura do barbeiro e a borrifação
em 100% das casas onde foi identificada a presença do inseto nos
últimos três anos; e a melhoria das habitações e seus entornos.
Francisco Leopoldo Lemos afirmou que a intervenção
sobre o vetor e o controle dos bancos de sangue são priorizados
entre as medidas de controle da transmissão da doença. "A existência
de grande número de reservatórios animais e a inexistência de drogas
que possam ser usadas em larga escala impedem o esgotamento das
fontes de infecção", explicou. Ele acrescentou que, diante disso, as
medidas devem ser para evitar o contato do vetor com o homem no
ambiente familiar.
Contaminação por transfusão de sangue também
diminuiu
A analista de Hematologia e Hemoterapia do
Hemominas e mestre em Saúde Pública, Stela Brener, apresentou dados
da transmissão da doença de Chagas por transfusão de sangue. Segundo
ela, nos anos de 2006-2007 foram menos de 10 casos de contaminação
no Brasil. O percentual de sorologia positiva para doença de Chagas
em doadores de sangue em regiões endêmicas era de 11,08% na década
de 70; 7,03% na década de 80; 3,18% em 90; 0,73% em 2000; e 0,21% em
2006. A prevalência da doença em crianças de 0 a 5 anos e de 7 a 14
anos teve queda de 99,1% da década de 80 para a de 90.
Stela Brener também apresentou resultados do teste
de sorologia feito entre os doadores que compareceram ao Hemominas
em 2008. Cerca de 500 hospitais são atendidos pelo Hemominas, o que
corresponde a uma cobertura de 92,5% do SUS. Foram realizados
240.435 testes, sendo 328 reativos (0,14%). Em Diamantina, são
atendidos 11 hospitais, com a realização de 2.844 testes, dentre os
quais oito reativos (0,28%). Governador Valadares tem 60 hospitais
atendidos, foram realizados 12.763 testes, com sete reativos
(0,05%). Montes Claros tem 34 hospitais atendidos, com 14.275 testes
realizados, sendo 109 reativos (0,76%).
De acordo com resolução que determina o regulamento
técnico para os procedimentos hemoterápicos, os candidatos que já
foram picados pelo barbeiro ou com diagnóstico clínico ou
laboratorial de doença de Chagas devem ser excluídos de forma
permanente.
A professora de Parasitologia da Ufop e
coordenadora do Projeto Doença de Chagas no Vale do Jequitinhonha,
Marta de Lana, informou que quando o projeto começou a ser
desenvolvido, em 2003, as investigações começaram pela pergunta se
ainda estaria havendo transmissão. Testaram 1.642 estudantes de 7 a
14 anos e encontraram seis crianças positivas. Fizeram então uma
pesquisa integral de vetores na região para comparar com os dados da
Funasa das décadas anteriores. Segundo a pesquisadora, não foram
encontradas evidências de que o barbeiro esteja nas casas. O mestre
em Ciências Biológicas na área de Concentração e Nanobiologia de
Protozoários, Girley Francisco Machado de Assis, também afirmou que
os novos casos denunciados em Diamantina são, na verdade, novos
diagnósticos. "São, possivelmente, filhos de mães reativas para a
doença de Chagas", concluiu.
Deputados defendem que autoridades fiquem
alerta
O deputado Doutor Rinaldo (PSB) alertou para a
necessidade de que a imprensa cheque as informações com os
especialistas para evitar que a população fique alarmada sem
necessidade. O deputado Hely Tarqüínio (PV) defendeu que a Comissão
de Saúde faça incursões periódicas à Secretaria de Estado de Saúde
para levar as reivindicações e acompanhar a execução das políticas
públicas. "É preciso manter a atenção para que a doença não
progrida", afirmou.
O deputado André Quintão também defendeu que a
vigilância seja mantida e ponderou que, se existe a pobreza, o
vetor, a desinformação, as casas de pau-a-pique, o risco da doença
continua presente. "O controle da doença, pelo que pude perceber,
pode ser facilmente realizado pelas equipes básicas de saúde",
defendeu. Ele disse ter ficado tranqüilo em saber que não há o
surgimento de novos casos, mas que é preciso ficar alerta. "O
importante é fortalecer o manejo clínico dos chagásicos e
descentralizar as políticas de prevenção", concluiu.
Para o presidente da Comissão de Saúde, deputado
Carlos Moscni (PSDB), a qualidade técnica das equipes de saúde no
Brasil é ótima, mas faltam recursos financeiros. "Um agente
comunitário pode fazer muita coisa, identificando áreas de risco. O
Programa Saúde da Família já está bem estruturado", afirmou.
Durante a reunião, os participantes também
apresentaram dados sobre a esquistossomose e a malária e garantiram
que não há motivos para se falar na expansão das doenças em Minas.
Hospital João XXIII - No
início dos trabalhos, o deputado Carlos Mosconi anunciou que o
governo do Estado estaria disposto a conceder um reajuste
diferenciado para os médicos do Hospital João XXIII, de Belo
Horizonte, em função da complexidade dos atendimentos feitos nessa
unidade de saúde. Segundo o deputado, a gratificação de cerca de R$
1.500 já foi autorizada e precisará ser formalizada por meio de um
decreto. A Comissão de Saúde participou ativamente das negociações
entre os médicos e o Executivo, tendo realizado uma audiência
pública na ALMG, uma visita ao hospital, e encontros com o governo
para intermediar a decisão.
Presenças - Deputados
Carlos Mosconi (PSDB), presidente da Comissão de Saúde; Hely
Tarqüínio (PV), vice; Doutor Rinaldo (PSB), André Quintão (PT),
presidente da Comissão de Participação Popular; Eros Biondini (PHS),
vice; Carlin Moura (PCdoB), Fábio Avelar (PSC) e a deputada Ana
Maria Resende.
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