Cadastro de inadimplência no ensino é criticado em reunião
conjunta
A criação do Cadastro de Informações da Educação
Brasileira (Cineb), que identifica os alunos em dívida com
estabelecimentos de ensino, foi rejeitada pelos participantes da
reunião conjunta das Comissões de Defesa do Consumidor e do
Contribuinte e de Educação, Ciência, Tecnologia e Informática da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, nesta terça-feira
(18/11/08). Somente o Ministério Público Estadual (MP) não
manifestou restrição ao cadastro, desde que ele atenda às condições
previstas no Código de Defesa do Consumidor. A reunião foi
solicitada pelos deputados Carlin Moura (PCdoB) e Délio Malheiros
(PV), preocupados com a exposição e o constrangimento dos alunos em
débito.
Délio Malheiros questionou os objetivos listados no
site do Cineb, que utiliza termos como "lista negra", "forçar um
acordo", além de afirmar que a legislação em vigor institucionalizou
o calote, referindo-se à Lei 9.870, de 1999. "Entre cobrar do
devedor e coagi-lo há uma diferença enorme", avaliou. Para o
deputado Carlin Moura, o cadastro mostra o lugar de mercadoria que a
educação vem ocupando no País. E acrescentou: "A lei que o Cineb
chama de legislação do calote é a que permite ao aluno continuar
seus estudos", concluiu.
Ministério Público não vê ilegalidade em
cadastro
O analista do MP, Renato Ângelo Salvador Ferreira,
que representou o promotor de Defesa do Consumidor José Antônio
Baeta, defendeu que a discussão sobre o cadastro fosse feita
separadamente do debate sobre as políticas públicas de educação. "Em
uma análise a priori, não percebemos ilegalidade no
cadastro". Ele defende que, se uma escola se recusar a matricular o
aluno porque ele é inadimplente, a família deve entrar na Justiça
para garantir o direito constitucional do acesso à educação. "O
Estado terá que absorver esse aluno impedido de continuar seus
estudos. Se não houver vaga para ele no sistema público, ele terá
que ser incorporado no particular", explicou.
Ele enfatizou, no entanto, que o MP não defende a
ridicularização do aluno inadimplente. O analista informou que o
cadastro deve observar os artigos 42 e 43 do Código de Defesa do
Consumidor para ser considerado legal. Esses dispositivos
determinam, por exemplo, que os cadastros de consumidores devem ser
claros e precisos; o acesso aos dados dever ser gratuito, com
possibilidade de retificação pelo consumidor; e, além disso, a
abertura do cadastro deverá ser comunicada por escrito ao cliente
inadimplente.
Críticas - A posição do MP
foi duramente criticada pelos demais participantes da reunião. A
diretora do Sindicato dos Professores de Minas Gerais
(Sinpro/Minas), Celina Arreas, discorda com um debate sobre o
cadastro que não leve em consideração a educação como um bem
público. Ela destacou que a Lei das Diretrizes e Bases da Educação
afirma que a escola, seja pública ou privada, exerce uma função
social. Celina Arreas também criticou a fala do analista do MP que
sugere que o Estado terá que garantir a continuidade do aluno na
escola. "O único ensino que é obrigatório pela nossa Constituição é
o fundamental", argumentou. Ela informou que mais de 12 milhões de
estudantes estão em escolas particulares e que essas instituições
precisam ser regulamentadas pelo governo.
O presidente da empresa Check Check Serviço de
Proteção ao Crédito do Brasil S/A, Fernando Vidal Ferreira, disse
que a empresa apenas criou a ferramenta para organizar as práticas
que já existiam. Segundo ele, os donos de escola reclamam de um
crescimento da inadimplência depois da Lei 9.870 de 3% para 25%. Ele
acrescentou que os donos de escolas estão sendo orientados pela
Check Check a utilizar o Cineb de acordo com a lei. Fernando
Ferreira explicou ainda que não há uma listagem dos alunos
inadimplentes, porque o nome que aparece no cadastro é dos
titulares.
Os números da inadimplência foram questionados por
Celina Arreas. "A escola não fornece esses dados, não temos como
verificar se eles são verdadeiros", afirmou. A opinião da diretora
do Sinpro é de que esses índices variam muito porque, no fim do ano,
muitos estudantes quitam suas dívidas para terem direito à matrícula
para o próximo período. O deputado Carlin Moura concordou com as
opiniões de Celina Arreas. Ele acrescentou que em uma matéria da
Folha de S. Paulo, representantes dos donos de escolas
informaram que os índices subiram de 9% para 11,9%, caindo para 3%
no final do ano.
O diretor de Políticas Institucionais da União
Estadual dos Estudantes, Frederico Porto, falou da dificuldade
encontrada pelos estudantes para negociarem seus débitos com as
instituições de ensino. "As mensalidades hoje custam cerca de dois
salários mínimos", ponderou. Ele acrescentou que o cadastro fere o
direito de acesso dos estudantes ao ensino. "Não defendemos os
caloteiros, mas os estudantes", concluiu.
Consumidores lesados devem pedir
indenizações
Para a vereadora de Belo Horizonte, Maria Lúcia
Scarpelli, as escolas devem oferecer qualidade em contrapartida dos
valores cobrados. "O aluno pode ter seu nome em um cadastro
negativo, mas quem garante a qualidade do ensino?", questionou. Ela
sugeriu um movimento nacional para coibir o cadastro judicialmente.
Segundo ela, se todos os lesados entrassem com pedidos de
ressarcimento por danos morais, as indenizações poderiam chegar a R$
3 milhões. O Procon Assembléia também informou, por meio de seu
coordenador Marcelo Barbosa, que orientará os consumidores a
entrarem com ações nesse sentido, assim como tem sido feito em São
Paulo.
A coordenadora do Procon Municipal de Belo
Horizonte, Stael Christian Riani Freire, acredita que o cadastro não
trará uma solução para a relação conflituosa entre as instituições
de ensino e os responsáveis pelos alunos. Para ela, o cadastro
considera todos os inadimplentes como mau pagadores ou consumidores
de má-fé. Stael Freire também questionou a falta de transparência na
divulgação das planilhas de custos e mensalidades e afirmou que os
altos valores das mensalidades favorecem a inadimplência.
A presidente da Associação de Pais e Alunos de
Minas Gerais, Iedyr Gelape Bambirra, defendeu um movimento nacional
contra o Cineb. Ela defendeu também maior controle do ensino privado
pelas secretarias de educação, além de leis que garantam a
participação de pais e alunos no Conselho Estadual de
Educação.
Presenças - Deputados
Délio Malheiros (PV), presidente da Comissão de Defesa do Consumidor
e do Contribuinte; Carlin Moura (PCdoB) e Lafayette de Andrada
(PSDB). Também participou da reunião o presidente da Associação
Brasileira de Consumidores, Danilo Santana.
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