Josué de Castro é exemplo a ser seguido, diz Dom Mauro Morelli

O centenário de nascimento de Josué de Castro, médico, escritor, professor, cientista social e político nascido em Pe...

13/10/2008 - 00:02
 

Josué de Castro é exemplo a ser seguido, diz Dom Mauro Morelli

O centenário de nascimento de Josué de Castro, médico, escritor, professor, cientista social e político nascido em Pernambuco, foi comemorado com audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa de Minas Gerais na tarde desta segunda-feira (13/10/08). A data do nascimento, 5 de setembro, dará origem a um projeto de lei para criar o Dia de Combate à Fome, por sugestão de Luiz Fernando Maia, presidente do Instituto de Cidadania, Educação e Cultura, encampada pelo presidente da comissão, deputado André Quintão (PT).

A homenagem, proposta por Quintão pelos deputados Almir Paraca e Padre João, todos do PT, também se destinou a debater a crise mundial de alimentos e as ações realizadas no Brasil para combater a fome e a miséria. Duas personalidades estiveram presentes: Dom Mauro Morelli, ex-bispo de Nova Iguaçu e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea), e Anna Maria de Castro, professora e socióloga, filha do homenageado.

"Sou fascinado por Josué de Castro como pelos profetas, especialmente Jeremias. Devo a ele o conceito de que é um crime contra a humanidade ver gente passando fome. Josué tinha a cabeça lúcida e o coração generoso. Foi às raízes da fome e apontou as soluções", disse Morelli. "Enquanto os alimentos forem commodities, haverá fome no mundo", afirmou. O presidente do Consea disse que a formação das famílias depende de uma mesa para refeições, em torno da qual se sentem os pais e os filhos, e que haja alimento sobre essa mesa. Relatou uma proposta sua para criação de peixe nas barragens de Minas Gerais, que seria capaz de fornecer 200 mil toneladas de peixe por ano. Segundo ele, o Estado produz apenas 17 mil toneladas e consome 70 mil.

É dever do povo zelar por seus pensadores

Anna Castro disse que "é dever de todo povo zelar por seus pensadores capazes de influenciar o comportamento das gerações futuras", e informou que seu pai se tornou catedrático de Geografia Humana aos 28 anos na Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Lançou, em 1946, seu livro mais famoso, Geografia da Fome, no qual afirma que a fome não é um fenômeno natural, mas um flagelo construído pelo homem contra outros homens. Depois escreveu O dilema brasileiro: O pão ou o aço, em que combatia o latifúndio e o êxodo rural.

A filha de Josué de Castro informou que o pai foi presidente da Food and Agriculture Organization (FAO) e embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU). Seus livros foram traduzidos em 25 idiomas e sua luta contra a fome lhe rendeu duas indicações para o prêmio Nobel da Paz. Esses títulos e sua longa carreira de êxitos científicos não o salvaram de ser cassado e perseguido pelo regime militar de 1964, que lhe retirou a cidadania e o obrigou a exilar-se em Paris. "Meu pai jamais recuperou sua cidadania brasileira. Morreu em 1973 e com ele enterraram sua obra", concluiu.

A representante do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosilene Cristina Rocha, disse que o mérito do ministro Patrus Ananias e sua equipe foi o de tirar a fome do campo da fatalidade e trazê-la para a discussão das desigualdades e da formulação de políticas públicas para a segurança alimentar e nutricional. Para ela, só o respaldo da sociedade civil organizada poderá assegurar a continuidade das ações contra a fome.

Rosilene discorreu ainda sobre os programas do Bolsa Família, onde as famílias gastam cerca de 70% com aquisição de alimentos, e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, que seria uma resposta do Governo Federal para amenizar, no Brasil, os efeitos da crise mundial dos preços dos alimentos. Ela anunciou também a criação, pelo ministério, do Prêmio Josué de Castro para dar repercussão às melhores experiências no campo da segurança alimentar.

Regularização de terras também é estratégia para combate à fome

Manoel Costa, secretário extraordinário de Estado para Assuntos de Reforma Agrária, trouxe outro prisma para ver o problema da produção de alimentos. Disse que o Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter) beneficiou apenas 700 a 800 famílias nestes oito anos de existência, e há 200 mil famílias à espera do documento das terras devolutas que ocupam. O documento significa cidadania e acesso ao crédito. "Há uma relação direta entre a pobreza do município e a falta de áreas regularizadas, e é assim tanto no Vale do Jequitinhonha quanto em Piranga, na Zona da Mata", exemplificou.

Suzana Coutinho, do Consea, lembrou que no ano do centenário de Josué de Castro também completam 60 anos a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire. Ela disse que Josué sofreu os limites de uma sociedade estruturada sobre as desigualdades.

Élido Bonomo, presidente do Conselho Estadual dos Nutricionistas, criticou o que chama de "alimentação monótona, filha da monocultura", servida nas escolas, e disse que é preciso resgatar a diversidade alimentar das comunidades. Propôs a criação de um Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional para identificar, com a finalidade de elaboração de políticas públicas específicas, quantas crianças, gestantes e idosos em situação de risco alimentar existem em cada município. "Não somos responsáveis pela fome e pela miséria. Somos responsáveis por construir uma política para superá-las", concluiu.

O deputado Almir Paraca, co-autor do requerimento da homenagem, disse que trabalhou no Programa Memória do Banco do Brasil, que cada ano escolhe uma personalidade para produzir sua biografia, um vídeo, um concurso nacional de redação, e distribui para as escolas. Lembrou o ano em que Josué de Castro foi o escolhido, e disse que a melhor homenagem que poderia ser prestada a ele é cada um se engajar nos projetos de combate à fome como os que o ministro Patrus Ananias lidera. Relatou a experiência de Sagarana, no sertão do Urucuia, onde os ensinamentos de Josué e a literatura de Guimarães Rosa são usados para combater as desigualdades.

Pequena parcela tem acesso a alimentos orgânicos

Padre João, co-autor do requerimento, lembrou a palavra de Cristo, segundo a qual ter alimentado os famintos é critério para a salvação. Relatou o privilégio de ter convivido com Dom Luciano Mendes, que lhe ensinou que não é digno de celebrar a eucaristia aquele que não se indigna contra a fome. Padre João denunciou que 90% dos alimentos que chegam à mesa estão contaminados, e que apenas uma pequena parcela da população tem acesso a alimentos orgânicos. Eros Biondini (PHS), vice-presidente da comissão, ofereceu seu apoio a qualquer projeto que resgate o valor da dignidade humana. "Como disse o poeta, as riquezas são diferentes, mas a miséria é igual em todo lugar", citou.

O presidente da comissão, deputado André Quintão, pediu a Dom Mauro Morelli para entregar a Anna Castro uma placa comemorativa da ocasião, junto a um buquê de flores, e disse que aquela homenagem era um reencontro com a História. "Josué de Castro foi um competente produtor de conhecimento, aliado a uma ação pública e uma atuação política destemida, fundadas no direito humano. Lembrou que esses princípios foram adotados pelo ministro Patrus Ananias quando prefeito de Belo Horizonte, numa secretaria comandada por Regina Nabuco, que hoje é referência para o Ministério do Desenvolvimento Social. Quintão falou também sobre o papel de outros mineiros, como o sociólogo Betinho, em sua ação da cidadania contra a fome e a miséria.

Presenças - Deputados André Quintão (PT), presidente; Eros Biondini (PHS), vice-presidente; Padre João (PT) e Almir Paraca (PT).

 

 

 

 

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715