Especialistas analisam obra de Guimarães Rosa

A universalidade e versatilidade da obra do escritor mineiro Guimarães Rosa sustentaram o Debate Público Guimarães Ro...

15/09/2008 - 00:01
 

Especialistas analisam obra de Guimarães Rosa

A universalidade e versatilidade da obra do escritor mineiro Guimarães Rosa sustentaram o Debate Público Guimarães Rosa: O Poder da Palavra, realizado nesta segunda-feira (15/9/08) na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. O evento abordou a presença da literatura roseana na música, no cinema, na oralidade e ainda sua ligação com o saber popular. Para o presidente da ALMG, deputado Alberto Pinto Coelho (PP), o "mais universal dos mineiros" tem uma obra que, como a democracia, se realiza na diversidade. "O parlamento mineiro vem reafirmar, no poder da palavra, o aprendizado do diálogo e da democracia", enfatizou.

Também o secretário de Estado de Cultura, Paulo Eduardo Rocha Brant, salientou que a passagem do tempo só faz crescer a obra do "gigante" Guimarães Rosa, cujo centenário de nascimento é comemorado neste ano. "Ele encarna e personifica o sentido que tenho de mineiridade, que, por um lado, traz a introspecção, a busca do perfeito e, por outro, a ousadia, a inventividade e a universalidade", afirmou. Já a deputada Gláucia Brandão (PPS), presidente da Comissão de Cultura - que solicitou a realização do debate -, citou um trecho da obra de Rosa para ressaltar o aprendizado que ela suscita e que acontece de várias maneiras.

Escritor inspira a musicalidade brasileira

Guimarães Rosa talvez seja o escritor brasileiro cuja linguagem poética mais influencie as composições da canção popular brasileira. A afirmação é da vice-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, historiadora Heloísa Starling, que apresentou um estudo preliminar sobre as leituras da obra roseana por compositores brasileiros. Segundo ela, a complexa obra do escritor mineiro fornece elementos para que os compositores trabalhem na linguagem e na estética próprias da música. "Em uma entrevista em 1963, Tom Jobim expôs a afinidade entre seu trabalho e o projeto literário de Rosa. E ele tinha razão. Há música espalhada por toda a obra de Rosa", afirmou Heloísa.

Para a professora, parte da musicalidade de Grande Sertão: Veredas, por exemplo, vem do próprio sertão, dos sons da natureza, do silêncio e até do capeta tocando viola rio abaixo. "É a grandeza cantável, como diz Riobaldo", enfatiza, citando o personagem do livro. Mas a musicalidade também é conseqüência, segundo Heloísa, da manipulação que Guimarães Rosa faz da sonoridade da língua e do reconhecimento, por parte do escritor, de que a canção brasileira é uma forma híbrida, que mescla poesia e tradições oral, escrita e cantada. Em toda a obra roseana, de acordo com Heloísa, as palavras têm carga sonora, ritmo, e não apenas um significado.

Citando as diferentes formas de apropriação de Guimarães Rosa por compositores brasileiros, a vice-reitora da UFMG alternou suas observações com a execução de trechos de músicas. Um primeiro grupo, segundo ela, se apóia na obra roseana sem transpô-la, num esforço de migração de conteúdos. É o caso de Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, ou A terceira margem do rio, de Caetano Veloso e Milton Nascimento. Essa primeira série de leituras tem ainda músicas com letras ou trechos de letras extraídos da obra de Guimarães Rosa e musicados por diferentes autores. Um dos exemplos é O galo cantou na serra, com música de Luiz Cláudio, especialista na pesquisa de ritmos e gêneros musicais mineiros.

Nesse mesmo grupo, outra parcela de canções, segundo a pesquisadora, revela uma atração entre o compositor e as palavras que têm função musical na obra de Guimarães Rosa. "Sagarana, de Paulo César Pinheiro e João de Aquino, gravada em 1977 por Clara Nunes, é uma canção que enfatiza a qualidade acústica da linguagem verbal de Rosa e abusa da utilização plástica e musical dos fonemas", detalha Heloísa.

Uma segunda série possível de leituras, de acordo com a professora, inclui músicas com citações de Rosa, um enxerto na canção, sob o ponto de vista do compositor e não no sentido original proposto pelo escritor. Língua, de Caetano Veloso, ilustra esse grupo, mesclando latim e português do Brasil e de Portugal, na interpretação carnavalizada de Elza Soares. "É a potência de uma língua ainda não saturada, semelhante aos contos de Rosa, quando ele fala sobre a linguagem", afirma Heloísa.

No terceiro grupo de canções, estão autores que vão além da citação ou da sonoridade e usam Rosa para pensar o Brasil de uma forma original. Segundo a professora, esse é um diálogo com a máxima visibilidade entre a literatura roseana e a canção popular, uma rede em que música e literatura se tocam. Um primeiro exemplo é Matita Perê, de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro, influenciada, na visão de Heloísa, pelo conto O Duelo, de Guimarães Rosa - centrado no tema do medo -, e também por obras de Mário Palmério e Carlos Drummond de Andrade.

O outro exemplo é Assentamento, gravada por Chico Buarque para o Movimento dos Sem Terra (MST), música que substitui o medo pela insubmissão. O diálogo entre escritor e compositor, neste caso, é sobre o significado do sertão e sobre a situação do Brasil, que vive uma nova modalidade de desterro, com brasileiros sem acesso a bens e direitos. "É a mesma multidão que está no pano de fundo da obra de Rosa que sai do sertão e vai para a cidade e percebe a inutilidade disso. É o 'a cidade não mora mais em mim. Francisco, Serafim, Vamos embora'", define Heloísa Starling, recorrendo a Chico Buarque.

"Guimarães narra e mostra, por meio da palavra"

Logo após a palestra de Starling, foi apresentado o curta Famigerado, dirigido por Aluízio Salles Jr., com a história do conto de mesmo nome, escrito em 1962. "A obra de Rosa, esse mineiro ímpar, é um patrimônio nosso. Ele tinha o desejo de despojar a palavra de todas as sujeiras. Dava a elas o poder da vida e da morte. O conto mostra bem isso", falou. A professora Márcia Marques de Morais, da PUC Minas, também partiu do conto para analisar a obra de Guimarães. Ela comentou que este é um ótimo texto introdutório para o ensino de Rosa nas escolas. "Ele narra e mostra, por meio da palavra, e traz um verdadeiro tratado etimológico." Ela destacou a importância do filme de Aluízio e do resgate da obra de Guimarães.

Durante o evento, os músicos Rodrigo Delage e João Araújo executaram canções baseadas na obra de Guimarães Rosa. Três jovens, membros do Grupo Miguilim, de Cordisburgo, cidade natal do escritor, apresentaram dois trechos de obras de Guimarães e um conjunto de frases ditas por ele em entrevistas. Participaram da mesa do debate, além dos convidados citados, o desembargador Luiz Audebert Delage Filho, representando o Tribunal de Justiça; e Maria Eliane de Novais, representando a Secretaria de Estado da Educação.

Presente à homenagem, o presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional de Minas Gerais (Sobrames-MG), Sebastião Abrão Salim, elogiou o evento, assim como a vice-presidente da Academia Familiar de Letras Guimarães Rosa, Marli Guimarães Castro, prima do escritor. "Desde julho acompanho homenagens a ele. Essa tarde foi a que aproveitei mais", afirmou. O 1º-vice-presidente da ALMG, deputado Doutor Viana (DEM), resumiu o sentimento dos presentes. "Essa tarde de hoje nos engrandeceu. Aprendemos muito sobre essa obra que não tem fim e que tem cada vez mais notoriedade", falou o parlamentar que é de Curvelo, "na entrada do sertão".

 

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