Jurista revê conceitos de liberdade e igualdade

Uma palestra bastante provocativa, como anunciou o próprio expositor, o coordenador do Programa de Pós-Graduação em D...

11/09/2008 - 00:01
 

Jurista revê conceitos de liberdade e igualdade

Uma palestra bastante provocativa, como anunciou o próprio expositor, o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB), Menelick de Carvalho Netto, abriu o primeiro painel da 3ª Conferência Estadual de Direitos Humanos - "Democracia, desenvolvimento e direitos humanos: Superando as desigualdades" - nesta quinta-feira (11/9/08). Menelick questionou os conceitos de liberdade e igualdade que, segundo ele, a partir da Carta da ONU assinada em 1945, passaram a significar o direito à diferença.

O expositor fez um balanço histórico da luta pelos direitos humanos, lembrando que no século 19, quando esses princípios passaram a ser difundidos, o direito à igualdade era o direito a ter propriedades, mesmo que isso significasse possuir apenas a própria vida, com o fim da escravidão. Ele mostrou que essa idéia de igualdade tornou-se perversa, permitindo a exploração do homem pelo homem. "Igualdade e liberdade precisaram ser materializadas pelos direitos sociais", afirmou. De acordo com o jurista, o desafio do início do século 20 passou a ser prover educação e saúde a uma massa de desvalidos.

"As políticas públicas só têm sentido se não infantilizam nem tutelam as pessoas", defendeu, ao ressaltar a importância da conferência. Para ele, o debate entre os diversos segmentos e grupos sociais permite que as pessoas digam o que querem e do que precisam.

Fragmentação da informação levaria ao esquecimento do passado

A absolutização do presente foi outro aspecto da sociedade atual abordado por Menelick de Carvalho Netto em sua exposição. Para ele, a fragmentação da informação leva as pessoas a perderem a referência de passado. "É preciso resgatarmos os momentos doloridos de nossa história para eliminarmos os fantasmas", defendeu. E continuou: "Não há anistia possível para quem usa o aparato jurídico e político de defesa dos direitos humanos contra esses direitos." Para ele, por se tratar de crime contra a dignidade humana, é imprescritível.

A necessidade de manter viva a memória dos momentos de luta e dor também foi enfatizada na exposição da coordenadora do Projeto Promotorias Legais Populares, Amelinha Teles. Ao falar da violação de direitos durante a ditadura militar brasileira, ela afirmou: "Ou a gente esclarece essa história ou ela sempre vai voltar." E continuou: "O que as mulheres encarceradas sofrem hoje é uma repetição do que ocorreu na ditadura."

Na opinião de Amelinha Teles, a anistia não foi para todos. "Conseguimos alguns presos de volta, mas não sabemos até hoje onde estão os nossos mortos", lamentou. Ela lembrou ainda que os torturadores não foram processados e afirmou que a única exceção seria Carlos Alberto Brilhante Ustra. A família dela quer agora que o Estado o reconheça como torturador. Amelinha informou que o Ministério Público parte da premissa de que Ustra e o comandante Aldir são responsáveis pela morte de 60 pessoas, e pede o ressarcimento ao Estado de R$ 8 milhões gastos com indenizações às famílias das vítimas.

"São 500 mortos e desaparecidos políticos, mas as seqüelas deixadas pela ditadura são incalculáveis. Hoje, no Brasil, ainda colocam fogo em presos", concluiu Amelinha Teles. Ela também afirmou que o maior violador de direitos humanos é o Estado. Teles defendeu que a reparação dos erros cometidos no período da ditadura não cabe apenas ao Judiciário. Exemplo disso, de acordo com a expositora, é o direito dos familiares aos restos mortais de suas vítimas, garantido por ação judicial movida em 1982, mas ainda não executada pelo Governo Federal. "Precisamos cobrar uma postura do Estado e mostrar aos governantes que a memória do País não morrerá", concluiu.

Desigualdade histórica - A palavra-chave para superar as desigualdades é repartir, na opinião do professor José Luiz Quadros de Magalhães, da PUC Minas e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Terceiro expositor do tema, ele avaliou a complexidade de vencer as desigualdades sociais e econômicas, ponderando que nunca houve igualdade na história da humanidade. A proposta do estudioso é desafio para um mundo onde, enfatizou ele, as pessoas não acreditam que podem construir algo diferente e partem para um individualismo exagerado.

Magalhães lembrou que o universo de significados das pessoas foi historicamente construído pela família, igreja, escolas, amigos e também pelos meios de comunicação. No mundo contemporâneo, no entanto, poucos dizem para a maioria o que é igualdade, liberdade e desenvolvimento. "O universo de significados passa a ser construído por quem está no poder", criticou. Ele citou o exemplo da matematização do discurso econômico, com as pessoas sendo levadas a acreditar que a economia é uma questão matemática, restrita aos técnicos, esvaziando-se assim a mobilização social.

A política também não tem dado respostas às demandas da população no mundo contemporâneo. O professor lembrou a situação da Europa, onde os partidos políticos apresentam um único discurso e políticas econômicas semelhantes. "O raciocínio da população é que, se tudo é assim mesmo e vai ficar sempre a mesma coisa, então eu não vou votar mais", ilustrou ele, mostrando números sobre o não comparecimento às urnas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Esse cenário de competição, egoísmo e individualismo deve ser combatido, sendo necessário trazer as instituições (Executivo, Legislativo e Judiciário) para a esfera democrática. "E isso quem faz são os movimentos sociais", disse.

Crítico da lógica do desenvolvimento capitalista e neoliberal, o professor relacionou o que movimenta o planeta hoje: as indústrias bélica, farmacêutica, petrolífera e do tabaco. Somando-se à lista, vêm agora a privatização do conflito e do cárcere. Magalhães informou que mais de 40 mil soldados americanos no Iraque são de empresas com cotação na bolsa de valores. Outro dado, este de 2003, aponta que passaram pelo cárcere nos Estados Unidos 9 milhões de pessoas. Sobre o sistema processual penal brasileiro, disse que ele existe para punir o pobre. "A pena é de privação de liberdade, mas o preso sofre tortura, maus tratos e não tem assistência de qualquer tipo. O nosso cárcere é inconstitucional, assim como o é a tentativa de privatizá-lo", concluiu.

Atas e reprise - A ata da conferência será publicada no Minas Gerais/Diário do Legislativo no próximo dia 27, com a transcrição completa das exposições e debates. Já a TV Assembléia reprisará o evento nos dias 27 e 28, às 8h30 (programação do dia 11); e, no dia 29, às 9h10 (plenária final).

 

 

 

 

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