Moradores pedem fim da incineração de lixo no bairro
Camargos
Usando máscaras cirúrgicas e portando faixas e
cartazes de protesto, dezenas de moradores do bairro Camargos, em
Belo Horizonte, lotaram o Auditório da Assembléia Legislativa de
Minas Gerais nesta segunda-feira (4/8/08), para pedir o fim das
operações da empresa Serquip, localizada naquela região. Apesar de
atuar em área residencial, a empresa trabalha com a incineração de
lixo hospitalar e industrial, o que vem gerando fortes protestos. O
tema foi debatido pela Comissão de Direitos Humanos. Autor do
requerimento para realização do evento, o deputado Durval Ângelo
(PT) afirmou, na abertura da reunião, que registros médicos do posto
de saúde municipal já mostram aumento do número de casos de doenças
respiratórias, dermatológicas e até uma morte causada por câncer no
bairro Camargos.
Deputados, moradores, autoridades ambientais e do
Ministério Público, além de um representante da Serquip,
participaram da reunião. O diretor de tratamento de resíduos da
empresa, Gilson Almeida Vilela, convidou todos os presentes a
visitarem suas instalações para conhecer sua metodologia que dá um
tratamento especial aos gases resultantes da queima do lixo. O
deputado Gustavo Valadares (DEM) defendeu a visita, como uma
primeira providência da Comissão de Direitos Humanos.
O licenciamento ambiental para operação da Serquip
foi concedido pelo governo municipal e está em fase de análise para
renovação. Um dos representantes dos moradores, Geraldo Carlito,
questionou os critérios de licenciamento, que autorizam a
incineração de lixo hospitalar e industrial em um local de fundo de
vale, com lençol freático a pequena profundidade e em área
residencial. De acordo com o gerente de licenciamento da Secretaria
Municipal do Meio Ambiente, Paulo Freitas, a licença inicial foi
concedida em novembro de 2003. A partir de 2005, começaram as
queixas da população.
Empresa descumpriu requisitos do
licenciamento
O presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente
(Feam), José Cláudio Junqueira, disse não ter dúvidas que a
localização da empresa é totalmente inadequada. Segundo ele, a
queima desse tipo de resíduo produz dioxinas, metais pesados,
dióxidos de enxofre e de nitrogênio. Apesar de existirem filtros
para esses poluentes, Junqueira argumentou que estes apresentam
falhas com freqüência. Mais grave, revelou que a Serquip já foi
autuada por técnicos municipais por apresentar falhas na operação de
seus equipamentos. A informação foi confirmada por Paulo Freitas,
que disse ter ocorrido a última autuação em outubro de 2007.
José Cláudio Junqueira também afirmou que boa parte
do lixo hospitalar incinerado poderia ser destinado a um aterro
sanitário. "A incineração custa ao Hospital João XXIII dez vezes
mais que a destinação a um aterro", afirmou o presidente da
Feam.
O promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, que
representou o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do
Ministério Público Estadual, defendeu a inserção do Estado no caso,
a fim de que a Feam faça uma análise técnica e emita um parecer
sobre a emissão de poluentes pela Serquip. "Esse parecer é
fundamental para que o Ministério Público possa tomar providências",
afirmou o promotor. Ele disse que já existe um procedimento do MP
sobre o caso, e que irá solicitar os autos de infração municipais
emitidos contra a empresa. "Se ela está descumprindo requisitos do
licenciamento, pode estar cometendo crime ambiental a ser apurado
por inquérito policial", afirmou o promotor.
Respondendo a questionamentos do deputado Alencar
da Silveira Jr. (PDT), o representante da Serquip, Gilson Vilela,
negou que a empresa esteja operando o incinerador à noite e que
esteja queimando lixo do Espírito Santo, como acusaram alguns
representantes dos moradores. "Nós enviamos as cinzas para aterro
sanitário no Espírito Santo", afirmou Vilela, a fim de explicar o
trânsito de caminhões provenientes daquele Estado.
Gás tóxico altera reprodução celular
A dioxina foi apontada por diversos debatedores
como o poluente mais perigoso resultante da queima de lixo
hospitalar e industrial. O presidente da Associação de Combate aos
Poluentes Orgânicos Persistentes, Márcio Mariano da Silva, fez uma
apresentação sobre os perigos da poluição gerada por esses
incineradores. A dioxina, segundo ele, altera a reprodução celular,
podendo provocar câncer e má formação fetal. Ele disse que os
sintomas da intoxicação demoram para se manifestar, o que poderia
explicar a demora de dois anos para o surgimento das primeiras
queixas no bairro Camargos. Ele mostrou fotos do ex-presidente da
Ucrânia, Viktor Yushchenko, que sofreu deformações faciais
decorrentes do envenenamento com altas doses de dioxina. "É claro
que foi um envenenamento intencional", ressalvou.
O deputado Gustavo Valadares citou uma visita
anterior de deputados e do promotor Heleno Rosa à Serquip, há cerca
de um ano. "Naquela época, o promotor disse que não se podia
comprovar a relação entre a empresa e os problemas relatados pelos
moradores. Eu estou surpreso com o que ouvi hoje. O que mudou?",
questionou. Ele também afirmou que a própria Feam autorizou a
empresa a transportar resíduos. O presidente da Feam, José Cláudio
Junqueira, afirmou que o transporte não depende de autorização,
apenas de registro. Além disso, argumentou que a relação entre a
Serquip e os problemas ambientais e de saúde não pode ser comprovada
em uma única vistoria, mas isso não quer dizer que ela não exista.
"Eles não comprovaram nem uma coisa nem outra", resumiu.
Comissão pedirá que licença não seja
renovada
Ao final da reunião, o presidente da Comissão de
Direitos Humanos, deputado Durval Ângelo, disse que será enviado
requerimento à Secretaria Municipal do Meio Ambiente solicitando que
o licenciamento da Serquip não seja renovado. Assim como outros
requerimentos relativos ao caso, esse pedido ainda será votado na
comissão, já que não havia quórum para sua aprovação ainda nesta
segunda-feira (4). Durval Ângelo também anunciou as seguintes
providências da comissão:
* Solicitações de informações à Fhemig sobre o
descarte de lixo hospitalar, com planilhas, números e dados
técnicos, para eventual repasse ao Ministério Público;
* Envio de notas taquigráficas da reunião ao MP, à
Feam, às Secretarias Municipal e Estadual de Meio Ambiente para que
sejam tomadas providências cabíveis;
* Requerimento à Feam para que faça um parecer
sobre a situação;
* Requerimento às Secretarias Estadual e Municipal
de Saúde para que façam um estudo com perfil das doenças e
ocorrências dos atendimentos na região de Camargos;
* Solicitação à Prefeitura de Belo Horizonte para
que viabilize um estudo a fim de encontrar outro local para
instalação da empresa;
* Solicitação à secretária municipal de Meio
Ambiente, Flávia Mourão, para que peça ajuda técnica à Feam no
processo de renovação da licença da Serquip;
* Envio de pedido de informação à Secretaria
Municipal de Meio Ambiente sobre a queima irregular de detritos e
outros tipos de lixo na cidade;
* Requerimento ao Ministério da Saúde para que a
Coordenadoria Geral de Vigilância Sanitária Ambiental acompanhe o
caso para avaliar a situação dos moradores;
* Pedido aos órgãos competentes da realização de
visitas-surpresa à fábrica.
Requerimentos aprovados
Além dos requerimentos relativos à Serquip, ainda
não formalizados, outros três pedidos relativos a outros casos foram
aprovados na reunião desta segunda-feira (4), todos de autoria do
deputado Durval Ângelo. Um deles solicita visita à Igreja São
Geraldo, em Belo Horizonte, para ouvir denúncias de desvio de
conduta policial apresentadas por moradores dessa localidade; outro
pede visita à Unidade Prisional do 1º Batalhão de Polícia Militar,
em Belo Horizonte, para conhecer a situação de guarda dos policiais
detidos no local; e o último requer que seja realizada audiência
pública para debater o direito à moradia, em especial o caso
relativo a cerca de 800 famílias da Fazenda Várzea do Moinho, em
Sabará.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão; Gustavo Valadares (DEM),
Alencar da Silveira Jr. (PDT) e Domingos Sávio (PSDB). Também
participaram da reunião o técnico ambiental da Secretaria de Estado
do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Edvaldo Sabino da
Silva; e os moradores Maurílio Coelho e Wanderlúcio Vilas Boas.
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