Caravana do S. Francisco propõe projeto alternativo à
transposição
O projeto de transposição do Rio São Francisco é
inexeqüível e patina há sete anos sem sair do lugar. O Exército só
faz amassar barro e levantar poeira em Cabrobó (PE), enquanto o
Supremo Tribunal Federal não julga 14 ações contrárias ao projeto,
duas delas propostas por governos estaduais. As ações de
revitalização do São Francisco, por outro lado, avançam, e já
dispõem de R$ 4 bilhões, sendo mais de 90% destinados a obras de
saneamento. Estas informações foram prestadas aos deputados da Cipe
São Francisco pelo presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São
Francisco, Thomáz da Mata Machado, em reunião na Assembléia
Legislativa realizada na tarde desta quarta-feira (9/7/08).
Mata Machado foi convidado para expor à Comissão os
resultados das viagens da Caravana do São Francisco às principais
cidades do Nordeste e aos centros decisórios nacionais para debater
um modelo de gestão para as águas desse rio e denunciar os
verdadeiros interesses por trás do projeto de transposição.
Participaram da caravana, segundo informou, especialistas em
recursos hídricos, em saneamento, representantes da Pastoral da
Terra, do MST, dos povos indígenas ribeirinhos e da militância
ambiental do Ceará.
O presidente do Comitê relatou as viagens a
Brasília, Natal, Mossoró, Limoeiro, Fortaleza, Recife, João Pessoa,
Salvador, Aracaju e Maceió. Segundo ele, a recepção foi fria em
Fortaleza, onde todos são favoráveis ao projeto de transposição, com
exceção dos ambientalistas, e João Pessoa, onde o próprio bispo
local qualificou a iniciativa de "Caravana do Diabo" e pediu boicote
da imprensa, mas não foi atendido.
Professores potiguares são contrários à
transposição
Mata Machado disse que ficou surpreso com a
acolhida favorável em Natal, capital de um dos estados beneficiários
do projeto, onde os professores universitários são todos contrários
à transposição, sob o argumento de que há água em abundância no
Estado, mas não é distribuída para quem precisa. Relatou as visitas
aos açudes Armando Ribeiro e Castanhão, no Ceará, que armazenam
juntos 9 bilhões de m3 de água, suficientes para abastecer 15
milhões de pessoas. "A gestão hídrica do Ceará é modelo e com a
capacidade instalada garante água até o ano de 2050", afirmou.
A conclusão a que chegou Mata Machado após a viagem
foi de que o projeto de transposição é um projeto
econômico-empresarial do Ceará que foi impingido aos demais estados
nordestinos para ganhar força política. Pernambuco teria aderido ao
projeto cearense e ficado num impasse, sem abastecimento para as
grandes cidades do agreste. A acolhida dos baianos à Caravana foi a
mais calorosa, já que 80% da irrigação do São Francisco hoje
beneficia a Bahia. Também os alagoanos e sergipanos se posicionaram
contrários à transposição e o governador petista de Sergipe, Marcelo
Déda, ofereceu-se para levar uma proposta alternativa ao presidente
Lula.
A proposta elaborada pela Caravana tem quatro
pontos: 1) suspensão imediata da obra do Eixo Norte, que absorveria
80% da água da transposição; 2) adução de 10 metros cúbicos por
segundo para abastecimento humano de Pernambuco e Paraíba, segundo
cálculo feito pela Agência Nacional das Águas (ANA) para atender 5
milhões de pessoas; 3) adoção da proposta do Atlas do Nordeste, que
identifica as melhores alternativas para abastecimento do
semi-árido, que são múltiplas e viáveis; 4) apoio do Governo Federal
à construção de um Pacto de Gestão das Águas do São Francisco e seus
afluentes. Segundo Mata Machado, essa construção foi interrompida
quando o Conselho Nacional de Recursos Hídricos passou por cima do
Comitê da Bacia Hidrográfica e autorizou a transposição de 127
m3/seg.
Representantes governamentais também trouxeram
contribuições ao debate. Anderson de Vasconcelos Chaves, da
Codevasf, disse que as ações de revitalização visam a melhorar não
só a qualidade das águas, como também seu volume, com tratamento de
nascentes e saneamento básico. Exemplificou com o Rio Gorutuba, no
Norte do Estado, que estava intermitente e hoje já tem uma vazão
permanente.
Aluísio Fantini Valério, coordenador do programa de
revitalização do São Francisco pelo Governo de Minas, mostrou-se
empolgado com o trabalho que está sendo feito, para os quais o
governo já teria destinado R$ 1,3 bilhão, fora 37 projetos que
receberam R$ 300 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento.
Ênio Rezende Souza, da Emater-MG, manifestou preocupação com a
limitação das outorgas, que prejudicariam o desenvolvimento do
irrigante mineiro.
Deputados apresentam críticas e
questionamentos
Também os deputados manifestaram estranheza quanto
à forma como o projeto de transposição foi aprovado. Fábio Avelar
(PSC), que presidia a reunião, disse que o Comitê da Bacia
Hidrográfica foi "atropelado" e que o projeto não foi encaminhado
para análise da Codevasf, desprezando o amplo conhecimento da
entidade sobre o assunto.
Antônio Carlos Arantes (PSC) testemunhou as
agressões ao rio desde sua nascente afirmou que seria preciso
começar pelo mais urgente, que é a revitalização e a correção das
erosões causadas pelo homem. Caso contrário, em 20 anos não haverá
mais rio.
Ana Maria Resende (PSDB) quer mais espaço de
manobra para os irrigantes mineiros nas outorgas de água e pediu
esclarecimentos a Mata Machado sobre o andamento da obra a cargo do
Exército em Cabrobó (PE).
Carlos Pimenta (PDT) também relatou uma viagem
recente por toda a extensão do São Francisco e disse que viu, na
maré baixa, o rio entrar no mar "como uma flecha azul". Na maré
alta, recua 17 km, no que se chama "cunha salina". Para ele, o
desequilíbrio ecológico é evidente. Pimenta está pessimista quanto à
possibilidade de interrupção do projeto de transposição. "Tudo já
foi tentado de sã consciência para interrompê-lo, apesar de serem
projetos burros e inexeqüíveis. O presidente Lula, que tem tantos
acertos, pode passar à História por impor um projeto de transposição
inviável", criticou.
A única voz favorável ao projeto foi do deputado
Paulo Guedes (PT), para quem todos têm direito à água e cada Estado
deve cuidar de seus próprios interesses. "Minas não tem que meter o
bedelho no que acontece em Pernambuco", afirmou. Guedes disse que
trabalhou no Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs),
conviveu com a seca em sua São João das Missões natal e está
convencido de que um projeto de cisternas não resolverá a sede do
povo do semi-árido. Manifestou-se também favorável à construção do
Eixo Norte, mesmo que se destine à produção de camarão de água doce
e frutas para exportação do Ceará.
Presenças: Deputados Fábio
Avelar (PSC), que presidiu; Antônio Carlos Arantes (PSC), Carlos
Pimenta (PDT), Paulo Guedes (PT), e a deputada Ana Maria Resende
(PSDB). Participaram, além dos citados, Ana Paula Bicalho de Mello,
da Faemg, e Ana Beatriz Marques, do Instituto de
Auto-Desenvolvimento.
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