Especialistas defendem lei para tratamento de pacientes terminais
A criação de comitês de bioética nos hospitais, a
reformulação dos currículos das faculdades de medicina e a
obrigatoriedade de se debater a ontoética (a ética do homem) foram
sugestões apresentadas pelos participantes da audiência pública da
Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa de Minas Gerais
realizada nesta terça-feira (1º/7/08). A reunião foi solicitada pelo
deputado Hely Tarqüínio (PV) para debater a ortotanásia. "O
Congresso Nacional não está legislando sobre vários assuntos
polêmicos, que acabam sendo 'judicializados'", afirmou o deputado.
Ele disse que os subsídios colhidos na reunião serão enviados ao
Congresso para solicitar a apresentação de projeto sobre o
assunto.
Já no início da reunião, os especialistas deram a
definição dos termos que seriam usados no debate. A médica Ana Paula
Abranches Fernandes Peixoto, secretária da Diretoria da Sociedade de
Tanatologia de Minas Gerais (Sotamig), definiu a ortotanásia como a
utilização de todos os recursos oferecidos pela equipe
multidisciplinar para oferecer o atendimento integral ao paciente
terminal e à sua família. Ela sugeriu que o termo fosse substituído
por "cuidados paliativos". Dentre esses cuidados estaria, por
exemplo, o suporte psicológico ao doente e seus familiares e a
utilização de remédios para anularem a dor do paciente.
A eutanásia seria a antecipação da morte, que é
proibida pela legislação brasileira. A médica definiu ainda a
distanásia como a medicina fútil, a obstinação terapêutica. "A
distanásia seria o prolongamento inútil da vida, sem ganho para o
paciente", afirmou. Segundo ela, não há restrição legal quanto a
esse procedimento, nem qualquer outro limite de tempo ou gasto. "O
sistema de saúde precisa se organizar para atender aos pacientes
terminais e seus familiares", defendeu.
Intensivistas defendem legislação que respaldem a
decisão médica
O diretor da Associação Médica de Minas Gerais
(AMMG), Waldemar Henrique Fernal, trabalha em uma unidade de terapia
intensiva (UTI) infantil. Ele disse que os intensivistas gostariam
de ter uma legislação que desse respaldo às avaliações médicas.
"Hoje a decisão judicial é que acaba definindo qual será o
procedimento adotado", afirmou.
Para o secretário-geral da AMMG, Gabriel de Almeida
Silva Júnior, o médico detém a possibilidade de cura e também a de
orientação quanto à situação do paciente e os procedimentos cabíveis
em cada caso. "Fico perplexo de ver quantos pacientes estão na UTI
sem necessidade", afirmou. "Qualidade de vida também pressupõe a
perspectiva de morrer com dignidade", completou. O professor da
Faculdade de Medicina da UFMG, Alcino Lázaro da Silva, disse não
entender como um juiz pode determinar que um médico opere um
paciente. "Ele deveria ouvir a equipe médica sobre o quadro do
paciente e suas possibilidades antes de dar a sentença", avaliou.
Direito é interpretação - A dificuldade de definir o melhor procedimento em situações
limítrofes foi destacada pela professora da Faculdade de Direito da
UFMG, Daniela de Freitas Marques. Ela também manifestou sua
preocupação com as pessoas que têm sua dignidade atingida ainda em
vida, muitas vezes pela falta de recursos materiais. Na opinião
dela, a questão dos tratamentos a serem oferecidos aos pacientes
terminais não é simplesmente de Direito, "porque Direito é
interpretação", concluiu.
Professor defende humanização do ensino
O professor Alcino Lázaro da Silva acredita que
muitos dos problemas que envolvem o tratamento dos pacientes
terminais ocorrem em função das distorções do ensino médico
brasileiro, que prioriza a tecnologia, com a conseqüente
desumanização da formação acadêmica. Ele sugeriu a reformulação dos
currículos das faculdades de medicina. Gabriel de Almeida Júnior
acrescentou que as faculdades, não só as brasileiras, não ensinam os
alunos sobre a terminalidade.
A sugestão de criação dos comitês de bioética no
âmbito dos hospitais, nos moldes dos que existem em outros países,
foi apresentada pelo diretor da AMMG, Waldemar Fernal. Ele informou
que a proposta é defendida pela Associação de Medicina Intensiva
Brasileira. Esses comitês seriam formados por médicos da instituição
e outros estudiosos, por advogados do hospital e de fora, religiosos
e representantes da comunidade. De acordo com Fernal, esses comitês
não teriam poder deliberativo, mas auxiliariam o médico em sua
avaliação e evitariam a condução dos casos à Justiça.
O deputado Carlos Pimenta (PDT) manifestou sua
preocupação com a "ética da vida" e defendeu que as discussões sobre
a eutanásia, a distanásia e a ortotanásia envolvam a sociedade e
abordem os vários aspectos da questão. O deputado criticou a
Resolução 1.805, de 2006, do Conselho Federal de Medicina, que em
seu artigo 1º, "permite ao médico limitar ou suspender procedimentos
e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de
se representante legal." "Não há respaldo legal para essa
determinação", afirmou. Para a médica Ana Paula Abranches, o ponto
positivo da resolução é a que a decisão sobre a vida do paciente
passa a ser compartilhada.
Falência do SUS - Carlos
Pimenta afirmou que a falência do sistema público de saúde também
interfere nas decisões sobre os procedimentos a serem adotados. No
mesmo sentido, o deputado Arlen Santiago (PTB) disse que quase 100
mil pessoas no Brasil precisariam fazer radioterapia pelo SUS e o
sistema não consegue atendê-las. "Quem está condenando essas pessoas
à morte pela impossibilidade de fazerem um tratamento que talvez
seja a única esperança de cura para elas?", questionou.
O deputado Carlos Mosconi (PSDB) disse que quando o
Inamps foi extinto, em 1994, o orçamento para atender os usuários do
sistema, que atendia cerca de um terço da população brasileira, era
de R$ 80 bilhões. Hoje, segundo o parlamentar, o SUS tem orçamento
de R$ 40 bilhões para cuidar de toda a população. O professor Alcino
Lázaro da Silva também disse que é preciso "pôr ordem no SUS". Ele
disse que a maioria dos casos fica sem solução por falta de
condições de trabalho. "Não seria distanásia indicar ao paciente um
tratamento que ele não terá condição de fazer?", questionou.
Ao final da reunião, os deputados foram unânimes em
sugerir o aprofundamento dos debates, uma vez que a legislação sobre
o assunto tem que ser de iniciativa do Congresso Nacional. "O tema
continuará em aberto porque envolve várias convicções", concluiu o
deputado Carlos Mosconi.
Presenças - Deputados
Carlos Mosconi (PSDB), presidente; Hely Tarqüínio (PV), vice; Carlos
Pimenta (PDT) e Arlen Santiago (PTB).
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