Autoridades cobram fiscalização e apoio para o setor
leiteiro
Maior produtor de lácteos do País, Minas Gerais
ainda precisa avançar em fiscalização, atualização dos métodos de
análise e melhoria da qualidade do leite e seus derivados. Essas
foram algumas constatações da audiência promovida pela Comissão de
Turismo, Indústria, Comércio e Cooperativismo da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais nesta terça-feira (17/6/08). Entre as
sugestões dos 10 convidados que falaram aos deputados, destaca-se a
necessidade de articular as ações dos diferentes níveis de governo;
formular políticas públicas de apoio ao produtor rural, em especial
o pequeno; e consolidar uma nova metodologia de análise do
leite.
Iniciativa dos deputados Eros Biondini (PHS),
Bráulio Braz (PTB) e do presidente Vanderlei Miranda (PMDB), a
reunião foi elogiada por governo, laticínios, laboratórios e
veterinários. Ao resumir a motivação de mais um evento para discutir
a questão, Biondini enfatizou que não faltará à comissão vontade
política para intermediar a solução dos problemas. O deputado
Bráulio Braz destacou ser preciso aumentar o consumo do leite no
País, mas com qualidade; e o deputado Antônio Carlos Arantes (PSC)
cobrou qualificação e incentivos ao produtor rural, lembrando que há
mais de 1 milhão de produtores de leite no Brasil. Já Vanderlei
Miranda condenou episódios de fraude, dizendo que "se preciso for,
abriremos uma CPI para investigar a situação a fundo."
A qualidade do leite em Minas esteve sob
investigação do Ministério Público e Polícia Federal em 2007, quando
foi descoberto esquema para adulterar o produto pela Coopervale de
Uberaba e Casmil de Passos. As duas cooperativas fraudavam o leite
com a adição de soro, ácido nítrico, água oxigenada e soda cáustica.
O objetivo era aumentar o volume do produto e prolongar o seu prazo
de validade. A ação da Polícia Federal foi chamada de Operação Ouro
Branco.
Vigilância Sanitária aponta problemas de qualidade;
governos e laticínios falam
A gerente de Vigilância Sanitária da Secretaria de
Estado de Saúde (SES), Cláudia Parma Machado, trouxe números sobre a
fiscalização do setor, segundo uma série histórica desde 2000. Essa
série aponta como controlada a contaminação microbiana do leite UHT,
o leite de caixinha ou longa vida; e revela um índice de 10% a 11%
de contaminação no leite pasteurizado, o de saquinho. A série
histórica aponta um dado já conhecido, mas preocupante, relativo ao
queijo minas frescal: um índice de contaminação de 50%, sobretudo
por coliformes fecais.
Um outro problema que tem sido detectado,
acrescentou ela, é a presença de agrotóxicos e antibióticos no
leite. Essa informação foi confirmada pela chefe dos laboratórios de
vigilância sanitária da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Rita Lopes.
Segundo ela, além do problema de resíduos de medicamentos
veterinários, há outros: de identidade do leite e de informações
nutricionais equivocadas no rótulo do produto, como teor de sódio
superior ao registrado, o que configura um caso de saúde
pública.
Cláudia Machado alertou que é necessária
articulação entre órgãos de governo, a fim de solucionar a origem do
problema. "É preciso foco em toda a cadeia produtiva do leite. Um
laudo apenas não resolve a questão", destacou, referindo-se às
análises laboratoriais para efeitos de inspeção fiscal. Ela informou
que todos esses resultados têm sido encaminhados aos órgãos
competentes em nível estadual e federal.
O presidente do Sindicato das Indústrias de
Laticínio de Minas Gerais, Celso Costa Moreira, admitiu que há um
"trabalho árduo pela frente", a fim de se alcançar qualidade.
"Também quanto ao leite, Minas são várias", avaliou, admitindo que
convivem excelência e baixa qualidade. Ele reivindicou conhecimento
e capacitação para o pequeno produtor, além de salientar que o
consumo de leite no País ainda é baixo e precisa ser estimulado. Na
visão dele, a categoria não é formada por anjos, mas há um reduzido
percentual de tentativa de fraudes.
Governos prestam contas - O
Ministério da Agricultura e o Instituto Mineiro de Agropecuária
(IMA) relataram as ações governamentais. O fiscal federal
agropecuário Clério Alves da Silva, do Serviço de Inspeção Federal,
tentou tranqüilizar todos, afirmando que o leite de Minas é um dos
melhores do País. Informou que o Ministério está implantando uma
política de reposição de recursos humanos (hoje são 42 fiscais para
inspecionar 600 indústrias no Estado) e tem uma fiscalização baseada
em processos. Desta forma, o fiscal atua não somente em uma
indústria por período integral. Ele visita os laticínios e compara
as planilhas de controle das atividades e das práticas de fabricação
com a realidade das indústrias. "A averiguação é constante",
disse.
O gerente de Inspeção de Produtos do IMA, Renato
Nunes de Faria, informou que o instituto está reestruturando seu
serviço de inspeção, com treinamento de pessoal e realização de
concurso público. Com a implantação desse projeto de quatro anos,
ele espera "uma inspeção à altura do que Minas merece". Há um
cronograma anual de remessa de amostras para laboratórios que
abrange as 20 regionais e procura alcançar todos os
estabelecimentos. Dos 350 estabelecimentos de origem animal
registrados no IMA, 170 são fábricas de laticínios e 65, usinas de
beneficiamento de leite.
Seapa apresenta sugestões de grupo de trabalho;
laboratório quer análises em Minas
O representante da Secretaria de Estado de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Airdem Gonçalves de
Assis, apresentou o resultado das discussões de uma comissão formada
após a Operação Ouro Branco para tratar do leite pasteurizado e do
longa vida. Formada por técnicos de instituições governamentais e de
ensino, entre outros, essa comissão deverá concluir seu trabalho nas
próximas duas semanas. Entre suas sugestões, destacam-se: fortalecer
a fiscalização em Minas, com o reforço de pessoal; instituir um
grupo de trabalho, com pool de instituições, para elaborar um
projeto de pesquisa que consolide uma nova metodologia de análise do
leite; e criar um grupo para atuar na consulta pública da nova
versão do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos
de Origem Animal (Rispoa), que é de 1952.
Os convidados falaram, ainda, da importância do
Cquali, uma espécie de centro virtual de qualidade do leite, a ser
lançado nesta quarta (18) pelos Ministérios da Agricultura, Justiça
e Saúde. Esse centro pretende reunir informações de todos os Estados
sobre o leite. Segundo Assis, uma das sugestões da comissão é criar
um Cquali estadual.
Amostras fora de Minas - O
coordenador geral do Laboratório de Análise da Qualidade do Leite da
Escola de Veterinária da UFMG, Leorges Moraes da Fonseca, trouxe uma
outra questão para o debate: ele indagou o porquê de grande parte
das amostras saírem de Minas para análise em outros Estados, apesar
de existirem aqui dois laboratórios de excelência, ligados a
instituições de ensino, que são o da própria UFMG e o Instituto
Cândido Tostes, de Juiz de Fora.
Ele enfatizou que não há justificativa técnica ou
econômica para se transitarem amostras, o que pode comprometer
resultados, além de apontar o risco sanitário desse transporte. O
laboratório da UFMG é considerado referência no Brasil, tanto que
recebeu, este ano, verba de R$ 1,6 milhão para dobrar sua capacidade
de atendimento. O LabUFMG é um dos oito laboratórios em todo o País
credenciados pelo Ministério da Agricultura para fazer a avaliação
que resulta na certificação de qualidade SIF (Serviço de Inspeção
Federal). Sua capacidade de análise é de 45 a 50 mil amostras/mês,
mas a meta, no segundo semestre, é elevar esse número para 80
mil.
Preocupada em atuar também após a divulgação dos
laudos, a universidade revela que há indústrias com trabalho junto
ao produtor para melhorar os resultados. Apesar disso, Fonseca
reconhece que mudar a situação de tradicionalismo na produção não se
dá "de um dia para outro". Na avaliação dele, muitos produtores
ainda não têm se preocupado com a questão. O laudo acaba sendo
apenas uma ferramenta para o fiscal atuar e não impede a retenção do
produto na ponta.
Também falaram o presidente do Conselho Regional de
Medicina Veterinária, Fernando Cruz Laender, e o coordenador técnico
do laboratório da UFMG, Ronon Rodrigues. Laender ressaltou a
importância do trabalho dos veterinários e avaliou como exceção o
caso das fraudes em Uberaba e Passos. Rodrigues reforçou as palavras
de Leorges da Fonseca, acrescentando que é preciso impor restrições
ao credenciamento de laboratórios de análise do leite com viés
essencialmente mercantilista. Para ele, é benéfica a vinculação a
instituições oficiais de ensino.
Presenças - Deputados
Braúlio Braz (PTB), vice, e Eros Biondini (PHS), que se revezaram na
presidência da comissão; Vanderlei Miranda (PMDB), presidente, e
Antônio Carlos Arantes (PSC). Além dos convidados citados,
acompanhou a reunião o professor aposentado da Escola de Veterinária
da UFMG João Biondini, pai do deputado Eros Biondini; e também falou
a supervisora do Laboratório de Segurança Alimentar do IMA, Lilian
Luiza Pires.
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