Especialistas pedem legislação própria para educação do campo

A necessidade de uma legislação própria para regular a educação no campo foi apontada pela superintendente regional s...

16/04/2008 - 00:01
 

Especialistas pedem legislação própria para educação do campo

A necessidade de uma legislação própria para regular a educação no campo foi apontada pela superintendente regional substituta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Minas Gerais, Luci Rodrigues Espeschit, como o principal desafio a ser enfrentado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Ela participou da reunião conjunta das Comissões de Política Agropecuária e Agroindustrial e de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Informática da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, nesta quarta-feira (16/4/08). A audiência foi solicitada pelo deputado Padre João (PT) para marcar os 10 anos do programa. Segundo o deputado, não basta o acesso à terra, "é preciso a educação, o crédito rural e a valorização da cultura regional".

Para Luci Espeschit, a legislação que normatiza o Pronera precisa ser alterada para facilitar a implementação dos convênios. Ela acredita que o indicador de número de alunos atendidos para avaliar o sucesso do programa é insuficiente. "Existem conquistas que são imensuráveis", completou. A superintendente do Incra explicou que o Pronera, que atua em todos os níveis de ensino - da alfabetização ao ensino superior - é uma parceria entre o Incra, os governos federal, estadual e municipais, universidades, assentados, acampados e movimentos sociais, em que cada um tem um papel bem definido.

Papéis definidos - Os movimentos sociais captam as demandas dos acampamentos e assentamentos. O passo seguinte é encontrar uma universidade que possa se responsabilizar pelo projeto, elaborando o programa pedagógico de acordo com as diretrizes do Pronera. Esse programa é avaliado pela comissão pedagógica do Incra e, se for aprovado, os recursos são descentralizados para a superintendência regional do Incra, com gestão coletiva. "Nós, do Pronera, entendemos que a pessoa precisa ser formada no ambiente onde vive e segundo sua realidade", afirmou Luci Espeschit. "O Pronera valoriza uma educação específica para o homem do campo", continuou.

A superintendente substituta ainda informou que, atualmente, existem nove convênios sendo executados no Estado, com investimento de R$ 4,1 milhões por ano. Segundo ela, a maior conquista do projeto é a incorporação da educação como um valor entre os assentados. "Houve uma resistência inicial dos trabalhadores em relação ao programa. Eles achavam que o Incra tinha que cuidar apenas das questões ligadas diretamente à terra", concluiu.

A carência de uma legislação mais adequada à avaliação da educação do campo, a partir da prática, também foi defendida pela representante da Comissão Pedagógica do Pronera, Maria Isabel Antunes Rocha. Ela afirmou que a experiência do Pronera é muita rica quanto à gestão dos recursos financeiros, porque é feita coletivamente. Segundo ela, o MEC quer construir um plano nacional de formação dos educadores com base nas experiências do programa.

Métodos de avaliação devem considerar realidade do campo

A professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e membro do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da FAE/Uemg, Gilvanice Barbosa da Silva Nusial, também abordou a fragilidade dos métodos de avaliação do Pronera que, na opinião dela, trabalha com algumas especificidades da fase adulta, do contexto da educação do campo e da reforma agrária. A educadora criticou a avaliação que é feita tomando por base apenas a freqüência dos alunos. "É incômodo ver esse tipo de experiência sendo avaliada com parâmetros da cidade", concluiu.

As dificuldades encontradas na educação do campo foram reforçadas pela representante do Fórum Regional de Educação de Jovens e Adultos da Região Sudeste de Minas Gerais, Rosa Cristina Porcaro. Para ela, o grande desafio do Pronera é a evasão escolar pelo cansaço, pelas exigências da lavoura, pela família, pela baixa auto-estima dos trabalhadoes, pelas distâncias a serem enfrentadas muitas vezes a pé, pela falta de estrutura das salas de aula, entre outros. "Se conseguimos formar 50% dos alunos matriculados, já é uma grande conquista em vista dessas dificuldades", afirmou. Como conquistas do programa, ela destacou a abrangência do programa em Minas, com 9 projetos e 12 mil assentados envolvidos, além dos parceiros. "Conseguimos formar assentados rurais como educadores fora dos muros da escola", comemorou.

De aluna a educadora

Os deputados puderam ouvir ainda o relato de uma aluna do Pronare, que hoje é educadora do programa. Mary Cardoso da Silva é representante do Setor de Educação do MST/MG e contou sua experiência. Ela explicou que a luta pela educação do campo começou com a expansão nacional do MST, preocupado com a educação das crianças do acampamento. Depois, em face da discriminação que vivenciavam nas escolas convencionais, começaram a reivindicar o que chamavam de uma "escola diferente". O conceito foi se aperfeiçoando até chegar à educação do campo, com vistas, segundo a militante do MST, a se tornar a educação da classe trabalhadora.

"A continuidade do Pronera é essencial, porque contribui enormemente para a educação do campo", defendeu. Para ela, no entanto, o programa não atende toda a demanda. "É preciso haver uma política pública que permita, no futuro, o atendimento de toda a população do campo com educação de qualidade", afirmou. A coordenadora Estadual de Jovens da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Maria Alves de Souza, completou a fala dizendo que a educação formal não dialoga com a realidade do campo. "Sempre ouvimos dizer que viver no campo não é bom. É preciso pensar o campo como lugar de produção de riquezas e de qualidade de vida", disse.

Deputados declaram apoio à educação do campo

Todos os deputados presentes apoiaram ações em prol da educação do campo. O deputado Padre João (PT) sugeriu que sua proposta de uma frente parlamentar de apoio às escolas família agrícola se amplie para o apoio à educação no campo. "Seria um grupo de trabalho permanente, para abarcar as várias experiências, encaminhar reivindicações e lutar pela causa", destacou o parlamentar. Ele também enfatizou que hoje há vários programas em andamento voltados para o campo, mas dispersos, e cobrou uma política e um plano de desenvolvimento rural sustentável, com a definição clara das competências da União, Estados e municípios. Padre João lamentou que ainda falte consciência sobre a importância da educação no campo. "Se estivéssemos discutindo acesso à terra e ao crédito, com certeza teríamos que transferir o debate das comissões para o Plenário", ilustrou, referindo-se à participação social na audiência desta quarta.

A deputada Elisa Costa (PT) acredita que está havendo uma revolução da educação, onde o próprio trabalhador do campo está dizendo como deve ser o currículo para ele. Ela afirmou, ainda, que o governo estadual precisa se envolver mais nas ações de educação do campo e sugeriu um segundo debate sobre o tema, envolvendo o MEC e a Secretaria de Estado de Educação. "Precisamos avançar na legislação, orçamento e experiências municipais", concluiu.

O presidente da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial, deputado Vanderlei Jangrossi (PP), destacou que os deputados ali estavam para ouvir a população e criar políticas públicas que atendessem aos anseios de todos. Ele ponderou que é necessária tanto uma política para a agricultura familiar quanto para o agronegócio, esclarecendo que, no País, há terras ociosas para desenvolver os dois segmentos. Antes dele, o deputado Getúlio Neiva (PMDB) havia destacado que a saída para o mundo é a agricultura familiar e que o Brasil é o único país com capacidade para implantar uma política de volta ao campo.

O deputado Antônio Carlos Arantes (PSC) lembrou seu passado na roça e destacou que tanto o Pronera quanto ações voluntárias ajudam, sim, a manter o homem no campo, lamentando o sistema capitalista, que destrói o pequeno e asfixia o cidadão. Já a deputada Maria Lúcia Mendonça (DEM) indagou sobre parcerias com secretarias municipais de educação e com a Secretaria de Estado da Educação (SEE) para incrementar a educação no meio rural. Para ela, cada assentamento tem sua particularidade e as ações devem ser articuladas em função da experiência de vida do homem do campo.

Ao final da reunião, o delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário em Minas Gerais, Rogério Correia, destacou que a ALMG está preocupada com a reforma agrária, a agricultura familiar e a educação no campo, tendo em vista o elevado número de parlamentares que passaram pela reunião. Respondendo ao deputado Getúlio Neiva, ele avaliou que a presença do município na reforma agrária é fundamental. Quanto ao crédito fundiário, afirmou ser essencial o controle social e a articulação com municípios e entidades. Ele lamentou que o Ministério da Educação ainda não tenha atentado para a importância e as particularidades da educação no campo, destacando como positiva, por outro lado, a criação de um departamento específico para cuidar desse segmento.

Presenças - Deputados Vanderlei Jangrossi (PP), presidente da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial; Padre João (PT), vice; Antônio Carlos Arantes (PSC); Carlin Moura (PCdoB); Almir Paraca (PT); Carlos Pimenta (PDT) e Getúlio Neiva (PMDB); as deputadas Maria Lúcia Mendonça (DEM), vice-presidente da Comissão de Educação; Ana Maria Resende (PSDB); e Elisa Costa (PT). Além dos convidados citados na matéria, também participou da reunião a representante da Rede Mineira de Educação, Rosely Carlos Augusto.

 

 

 

 

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