BHTrans: catadores serão ouvidos em negociação sobre coleta
seletiva
"O que não for consenso não será implantado". A
afirmação foi do assessor do presidente da BHTrans, Francisco de
Assis Maciel, único representante da Prefeitura de Belo Horizonte
(PBH) na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, nesta terça-feira (8/4/08),
para apurar denúncia de que a PBH estaria inviabilizando a atividade
dos catadores de material reciclável. De acordo com os catadores, há
três anos a prefeitura tem dificultado seu trabalho por meio de
fiscalização com o apoio da Polícia Militar e apreensões, pela
BHTrans, dos carrinhos utilizados na coleta.
O motivo seria a decisão da administração municipal
de terceirizar a coleta. Segundo informações do gabinete do deputado
Durval Ângelo (PT), foi contratada por licitação uma empresa que já
realiza parte do serviço desde novembro. A prefeitura teria
garantido que a região do hipercentro continuaria com a coleta
exclusiva dos catadores. "Tenho certeza de que o bom senso vai
prevalecer e que vocês sairão vitoriosos de mais essa luta", disse
Durval, que confirmou as palavras do assessor da BHTrans. "Conversei
com o prefeito por duas vezes e ele disse que não haveria mudanças
que não fossem em comum acordo".
Também presentes à audiência, os deputados João
Leite (PSDB), André Quintão (PT) e Eros Biondini (PHS) afirmaram seu
posicionamento favorável à causa e destacaram a importância do
trabalho dos catadores. "Qualquer atividade da prefeitura tem que
ser precedida de diálogo e respeito a vocês", disse Quintão. "Espero
que sejam privilegiados aqueles que têm trabalhado há tanto tempo
pelo bem da cidade", comentou João Leite. Durval Ângelo informou que
o espaço continuará aberto aos apelos e denúncias dos catadores e
que estará presente em reunião já marcada para a próxima
quinta-feira (10) com representantes da prefeitura, do Ministério
Público e dos catadores para solucionar a questão.
Recentemente, segundo o gabinete de Durval Ângelo,
a prefeitura teria apresentado aos representantes dos catadores
minuta de decreto no qual determina o cadastramento dos
trabalhadores, com renovação anual, e o uso de uniformes, além de
restringir a coleta de material nos principais corredores da área
central ao período de 19h30 e 7 horas. Segundo a Asmare, somente no
perímetro da Avenida do Contorno atuam hoje cerca de mil catadores,
que retiram das vias públicas 3,4 mil toneladas de material
reciclável por mês, sem ônus aos cofres públicos. Já a empresa
contratada representaria um custo de R$ 61 mil para uma coleta
mensal de 250 toneladas de material, acrescenta a assessoria de
Durval Ângelo.
'A prefeitura quer tirar os catadores da
rua'
O receio dos catadores é de que, com o início da
terceirização da coleta seletiva, eles sejam excluídos do processo.
"Até pouco tempo, ninguém dava valor ao nosso trabalho, que existe
há 50 anos. Ninguém falava em meio ambiente. Hoje somos agentes
ambientais. Queremos continuar nosso trabalho", falou a coordenadora
da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável
(Asmare), Maria das Graças Marçal. Além da Asmare, hoje existem
várias outras entidades que reúnem os catadores da Capital. "Vamos
lutar para a PBH contemplar a integração desses catadores no
processo de terceirização, e que isso seja feito de maneira
positiva", disse o professor Fábio Alves dos Santos, advogado do
Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) da PUC Minas.
Para a irmã Maria Cristina Bove, coordenadora da
Pastoral de Rua Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), a Prefeitura de Belo Horizonte está dando um mau
exemplo. "Acho que há um retrocesso. Enquanto outras prefeituras
estão assinando contratos sem licitação com associações de catadores
para realização de coleta seletiva, aqui eles estão sendo retirados
das ruas. Este é um momento importante para o estabelecimento do
diálogo", argumentou. "É visível o aumento da repressão aos
catadores de rua. Estamos em uma encruzilhada: é hora de pensar em
um planejamento que seja realmente inclusivo", disse o coordenador
da Pastoral de Rua, Gladston Figueiredo.
Durante o debate, o coordenador da Sociedade
Internacional de Educação através da Arte (Insea), José Aparecido
Gonçalves, questionou a falta de um representante legítimo da
prefeitura e salientou que é necessário que todos fiquem "atentos às
sutilezas que não aparecem nos grandes debates". "A Assembléia tem
que apurar os fatos. Associações de fachada estão sendo criadas para
acolher um projeto econômico que hoje é dos catadores. O edital da
prefeitura prevê a remuneração das empresas privadas por roteiro e
não por tonelada coletada. Isso é um golpe. Se coletar ou não, elas
recebem. Estão privatizando o trabalho de catação. Quem primeiro deu
valor ao lixo está sendo mais prejudicado", afirmou.
Promotor alerta que o problema não é limitado à
questão de trânsito
O assessor do presidente da BHTrans, Francisco de
Assis Maciel, mostrou imagens de catadores de rua em situações de
desrespeito às normas: deixando os carrinhos abandonados, trafegando
nas vias destinadas aos carros, fazendo triagem no meio da rua. Ele
fez um convite a todos para "somar esforços por uma cidade cada vez
melhor para se viver". Houve muitos protestos durante e depois de
sua fala. "Quantos caminhões da SLU, carros-fortes ou de carga foram
apreendidos por conta de irregularidade no trânsito? Estamos sendo
perseguidos", protestou Luiz Henrique da Silva. Para Fernando Alves,
que identificou-se como "papeleleiro", a prefeitura está usando a
BHTrans como artifício para tirar os catadores da rua.
O promotor Rodrigo Filgueira de Oliveira,
coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e de Apoio Comunitário, ficou
preocupado com a forma como a questão foi apresentada por Francisco
Maciel. "Isso é uma visão limitada da situação. Não é só uma questão
de trânsito. Mas percebo uma mudança na fala do Francisco, quando
ele afirma que qualquer mudança será fruto de consenso. Esperamos,
agora, uma solução formal", disse. Filgueira confirmou presenças na
reunião marcada para a próxima quinta-feira (10) com representantes
da prefeitura e com catadores para solucionar a questão. Sobre a
terceirização, ele lembrou que a prefeitura assumiu o compromisso de
não fazer a coleta seletiva na região central da cidade, deixando o
local para o atuação dos catadores.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; João Leite (PSDB), vice; André
Quintão (PT) e Eros Biondini (PHS).
|