Residência não atende à demanda dos formados em
Medicina
Com mais de 30 anos de existência no Brasil, o
instituto da residência médica, criado em 5 de setembro de 1977, vem
sofrendo críticas de diversos setores envolvidos com a questão. No
Debate Público Residência médica no Estado, nesta
segunda-feira (7/4/08), no Plenário da Assembléia Legislativa de
Minas Gerais, ficou patente que a residência não atende à demanda de
todos os formados em Medicina. Representantes dos Governos Federal e
Estadual e de universidades mostraram que o número de vagas
existentes para graduação nesse curso é quase o dobro da quantidade
de vagas na residência, o que tem levado a distorções no seu
processo seletivo.
O secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde do Ministério da Saúde, Francisco Eduardo de Campos,
posicionou-se contrariamente à necessidade de todos os formados em
Medicina fazerem residência. Segundo ele, "admitir a universalização
da residência é também admitir que o curso de Medicina dure nove, e
não mais seis anos". De acordo com Campos, essa postura tem impactos
claros nos custos da formação dos novos médicos. Um curso mais
longo, afirma ele, faz com que os novos profissionais queiram cobrar
mais caro por seus serviços, para compensar o investimento que
fizeram, provocando outras distorções. "Os médicos acabam pedindo
exames terapêuticos e propedêuticos muitas vezes desnecessários
dentro da realidade brasileira", disse.
Planejamento - Noutro
momento, Francisco Campos destacou que é necessário criar mais
políticas públicas para a residência médica no País, visando um
maior planejamento da saúde. Ele citou como exemplo o Canadá, onde o
poder público define o número de vagas em medicina para cada
província, bem como o número de especialidades oferecidas,
estabelecendo percentuais para formação em especialidades básicas e
outras. De modo oposto, no Brasil não há qualquer definição nesse
sentido, o que leva a grandes distorções, como o descompasso entre o
número de profissionais formados em determinada especialidade e a
necessidade de cada região do País. Isso ocorre, por exemplo, com a
formação de pediatras, excessiva na visão do secretário, em
detrimento de geriatras, extremamente necessários num país que está
envelhecendo como o Brasil.
Nem todos os formados precisam fazer
residência
A professora e coordenadora do curso de Medicina da
Unifenas, Rosa Malena Delbone de Faria, reforçou o problema da
defasagem entre o número de estudantes de Medicina e a quantidade de
vagas na residência. Hoje, segundo ela, são 17.154 vagas para
graduação nas 175 escolas de Medicina no Brasil (104 privadas, 44
federais, 24 estaduais e três municipais), e apenas 10.743 vagas
para residência médica. Essa defasagem tem gerado uma grave
distorção, representada, na opinião de Rosa Malena, pelos cursinhos
preparatórios para o teste que precede a entrada na residência.
Essas provas, na visão da professora, são meramente cognitivas e não
avaliam o conhecimento prático do aluno. Rosa Malena acredita também
que nem todos os formados precisam fazer residência. A formação de
seis anos já lhes possibilita atuar no sistema público em programas
de atenção primária e secundária de saúde.
Fhemig - O diretor de
Ensino e Desenvolvimento de Pessoas da Fundação Hospitalar do Estado
de Minas Gerais (Fhemig), Christiano Canêdo, apresentou dados sobre
o funcionamento da residência médica nessa instituição. Ele informou
que Minas Gerais conta hoje com 49 unidades onde funcionam
residência médica, sendo12 da rede Fhemig (nove hospitais na Capital
e três no interior). São 2.621 vagas na residência, sendo que a
média é de 12,4 candidatos por vaga nas 28 especialidades
oferecidas. Ele mostrou ainda que, com a abertura das novas escolas
médicas, o número de formados por ano saltará de 1.726 para 3.164,
só em Belo Horizonte.
O presidente da Comissão de Saúde e autor do
requerimento que originou o debate, deputado Carlos Mosconi (PSDB),
destacou que o problema com a residência médica está dentro do
contexto da crise da saúde no Brasil. "Pesquisa recente mostra que a
maior preocupação do brasileiro atualmente é com a saúde, o que
mostra a gravidade da questão". E condenou o vestibular para
ingresso na residência médica, que obriga o aluno a praticamente
sair de sua imersão nos estudos para se preocupar com cursinho e
prova para residência.
Debates - Na fase de
debates, o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), Herman
Von Tiesenhausen, disse que a principal preocupação da entidade hoje
é com a formação dos médicos. E acrescentou que, com o aumento do
número de formados, o acesso à residência médica no Estado, que
atualmente é de 52% do total, vai cair para apenas 37%. Sobre o
assunto, o presidente do Sindicato dos Médicos, Cristiano da Matta
Machado, criticou a ampliação, a seu ver desnecessária, do número de
escolas médicas no País. E sugeriu que, em contrapartida, esses
novos estabelecimentos ofereçam maior número de vagas para
residência médica.
O presidente da Comissão Estadual de Residência
Médica, Reginaldo Aparecido Valácio, também falou em nome do
presidente da Associação Médica de Minas Gerais, José Carlos Vianna
Collares Filho. Para ele, é preciso ter outra forma para atender a
demanda dos recém-graduados que não a residência. "Outro ponto
central é o estímulo à carreira do preceptor e ao credenciamento das
instituições", falou Valácio. O diretor da Faculdade de Medicina da
UFMG, Francisco José Penna, lembrou a importância da qualidade da
graduação, não só dos cursos de pós e da residência. Ele apresentou,
entre as propostas em desenvolvimento pela faculdade, a que sugere
uma residência única formatada para atender o Sistema Único de Saúde
(SUS) e outra de ampliação do internato rural, inclusive com
estudantes de outras áreas do conhecimento.
Deputado defende que todas as escolas tenham
residência médica
O deputado Doutor Rinaldo (PSB) frisou a
necessidade de que todas as faculdades de Medicina tenham residência
médica. Ele lembrou alguns consensos do encontro: "Há um número
pequeno de vagas e isso deve ser resolvido. Outro ponto é que as
escolas precisam formar profissionais por inteiro, têm que ter
compromisso com essa continuidade da formação do aluno", disse.
Falando das iniciativas governamentais, o promotor Antônio Joaquim,
que atua no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Saúde,
falou da necessidade de um modelo de planejamento integrado "para
que os recursos na área da saúde sejam bem gastos e não
desperdiçados".
O secretário do CRM, João Batista Gomes, mostrou-se
indignado ao informar que o conselho não tem acesso a algumas grades
curriculares de cursos de Medicina. "É um crime abrir faculdade sem
hospital universitário", argumentou. Christiano Canêdo, da Fhemig,
teve apoio dos presentes ao citar a interiorização das residências
como um passo importante para a solução do problema da falta de
vagas. "Cidades grandes como Governador Valadares, Teófilo Otoni e
Varginha não têm programas de residência médica", falou.
Outro ponto de consenso foi citado pela professora
Rosa Malena de Faria, que vê no que chamou de "desospitalização da
residência", ou seja, atividades voltadas também para a área
ambulatorial, um dos caminhos para a solução do problema. Médicos
presentes na platéia se manifestaram a favor de que todas as escolas
de medicina tenham um hospital-referência. Tiesenhausen contrapôs
que cidades como Teófilo Otoni e Governador Valadares não têm
residência médica, mas seus profissionais fizeram residência em Belo
Horizonte e são competentes para serem preceptores nessas
cidades.
O presidente da comissão, deputado Carlos Mosconi,
fez uma avaliação positiva dos trabalhos. Disse que há consenso com
pequenas variações em todas as posições colocadas no debate, mas
manifestou "uma certa angústia por receio de que as coisas não saiam
como deveriam". Para ele, a residência não acompanha a evolução da
Medicina como deveria. "Desde que eu era estudante de Medicina, no
final da década de 60, ouço a mesma conversa. Por que não aumentam
as ofertas de residência, se tantos as querem e o sistema precisa?
Na verdade, o profissional de saúde no Brasil é um herói, que
consegue oferecer serviços de boa qualidade a despeito das condições
de trabalho e de salário", opinou.
Mosconi disse que a Comissão de Saúde vai organizar
as diversas sugestões do debate por origem e encaminhá-las para os
diversos órgãos, especialmente para o Conselho Nacional de
Residência Média, para que a questão possa ser resolvida a
contento.
Presenças - Deputados
Carlos Mosconi (PSDB), presidente; e Doutor Rinaldo (PSB).
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