Comissão de Direitos Humanos apura agressões policiais em
Montalvânia
A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais realizou audiência pública em
Montalvânia, cidade localizada no extremo Norte de Minas, nesta
quarta-feira (5/3/08), para apurar denúncias de lesões corporais
infligidas por policiais militares a um representante comercial
confundido com um assaltante de casa lotérica. A comunidade
compareceu em peso, acrescentou novas denúncias e a audiência acabou
por se tornar, segundo o deputado Durval Ângelo (PT), "num ato de
desagravo contra abusos de autoridade". Um inquérito contra os
agressores foi aberto pelo comandante do 30º Batalhão da Polícia
Militar (PM) e o deputado dá como certo o afastamento deles até a
conclusão do inquérito.
A audiência, realizada na Câmara Municipal com a
presença dos nove vereadores, ocorreu a requerimento do deputado
Paulo Guedes (PT), majoritário em Montalvânia e que tem laços
familiares com a vítima, o representante Walisson Marinho Dourado.
Guedes disse que a violência é crescente na região e o efetivo
policial só diminui. "Uma companhia da PM foi aprovada para a nossa
região e jamais foi implantada. Quando temos juiz, falta delegado.
Quando temos delegado, falta promotor. Quando temos promotor, faltam
detetives", denunciou.
Walisson Dourado relatou que, no dia 20 de
dezembro, houve um assalto a uma casa lotérica e uma viatura da PM
saiu em busca dos assaltantes. Sem saber de nada, ele estava
trabalhando num estabelecimento comercial da localidade de São
Sebastião dos Poções, quando os PMs José Luiz e Romualdo Melo e o
sargento Barbosa entraram e o detiveram como suspeito. Ele teria
estranhado e resistido à prisão. Foi espancado pelos militares,
algemado e amarrado com cordas, depois lançado na carroceria da
camioneta da PM.
Médico revoltado com omissão de socorro
A chegada de Walisson a Montalvânia, amarrado e
maltratado, revoltou seus familiares e mobilizou a comunidade,
principalmente depois que a dona da casa lotérica atestou que não se
tratava do assaltante. O médico Alex Viana Mota, chamado pela
família, disse aos deputados que foi impedido de prestar socorro à
vítima durante mais de três horas pelo sargento que lavrava a
ocorrência. "Fiquei muito revoltado por ser proibido de avaliar o
risco de suas lesões, ainda mais por se tratar de pessoa conhecida
na comunidade", disse o médico. Seu laudo, redigido na delegacia na
presença dos policiais agressores e com a concordância destes,
indica hematomas, escoriações e ferimentos. Walisson foi conduzido
ao hospital de cuecas e algemado.
Sob a desconfiança da comunidade, os três PMs
envolvidos no episódio trataram de elaborar um falso boletim de
ocorrência em que atribuem a um guarda municipal o depoimento em que
Walisson teria jurado vingança contra o soldado Romualdo Barbosa
Melo. O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Durval
Ângelo, pediu ao prefeito José Florisval Ornelas, presente à
reunião, que apresentasse o guarda municipal. Do contrário faria com
que fosse trazido à força pela polícia. Minutos depois, o guarda
municipal Marcelo da Silva Oliveira, à paisana, compareceu à
audiência e negou categoricamente que tenha testemunhado essa ameaça
ou que tivesse autorizado os PMs a citá-lo como testemunha no
boletim de ocorrência. Durval Ângelo alertou que "um boletim
fraudado e mentiroso pode ser ainda pior que a covardia da agressão.
Por ser premeditado, nos remete aos piores tempos da ditadura",.
A psicóloga Sandra Pimenta Santana disse que
atendeu a vítima diversas vezes desde dezembro, e que no início não
conseguia verbalizar nada, devido ao trauma psicológico e às marcas
deixadas pelo espancamento e pelo constrangimento. Ela disse que a
tortura psicológica deixa seqüelas às vezes mais sérias que as
físicas, e que após várias sessões a vítima já tinha conseguido
voltar ao trabalho.
Comandante da Guarda Municipal teve as insígnias
arrancadas
Além de parentes da vítima, como sua irmã
Nerislande Faria Dourado, foram ao microfone o radialista Francisco
de Assis da Mata, que era comandante da Guarda Municipal e mesmo
assim foi algemado, arrastado e humilhado por outro grupo de PMs,
que lhe arrancaram as insígnias do uniforme.
Agdo Carneiro revelou que seu irmão, engenheiro do
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), foi constrangido
e algemado sem motivo pela PM durante uma quermesse e nunca mais
quis voltar à sua terra natal. Carneiro citou o general Eurico
Gaspar Dutra, ex-presidente da República, ao dizer que "gostaria de
ter a metade do poder que um cabo de polícia acha que tem".
Jadiel da Mata Jesus, trabalhador de Montalvânia,
disse que foi retirado de casa à força por policiais civis, algemado
e surrado sob a acusação de furtar dinheiro de uma vizinha. "Eu
apanhei sem ter culpa", disse ele. Durval disse que mesmo os
culpados têm que ter seus direitos humanos respeitados.
O major Jorge Bonifácio de Oliveira, comandante do
30º Batalhão da PM de Januária, disse que assumiu o comando em 12 de
fevereiro, depois dos fatos, mas que ao tomar conhecimento, mandou
imediatamente instaurar um inquérito policial militar (IPM). "Estou
surpreso com as ameaças e denúncias de abusos dos quais só estou
tomando conhecimento agora. Nossas ações têm que ser pautadas pela
legalidade e pelos direitos humanos. Não podemos tolerar abusos e
violência arbitrária por parte dos nossos homens. A PM tem que
trabalhar no estrito cumprimento da lei".
O major disse que o IPM terá total transparência e
será acompanhado pelo Ministério Público e acatou o pedido do
deputado Durval Ângelo de apurar a questão do boletim de ocorrência
falso.
Por sua vez, o chefe de Polícia Civil regional
Norte de Minas, delegado Aloisio Mesquita, disse que o filme
Tropa de Elite mostrou três tipos de polícia: uma polícia
corrupta, outra omissa e burocrática, e outra fictícia que combate o
crime com rigor e desrespeita as leis. Anunciou que em breve o
Governo de Minas estará enviando delegados e escrivães para Manga e
para Montalvânia. Mesquita anotou a queixa de Jadiel Jesus para
cobrar dos policiais civis que o teriam maltratado.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente, e Paulo Guedes (PT). Além dos
citados, compuseram a mesa ainda o delegado de polícia Raimundo
Nonato Gonçalves e o presidente da Câmara Municipal, vereador Pedro
Lopes Silva.
|