Comissão apura conflitos de autoridade e violência da PM em Ouro
Preto
Um confronto armado entre policiais civis e
militares esteve prestes a ocorrer em Ouro Preto durante o Carnaval.
O pivô da crise foi o guia turístico Ricardo Gonçalves de Matos,
detido e algemado durante a madrugada do dia 5 de fevereiro por uma
guarnição da PM com histórico de violências.
O cabo PM Fernando Ribeiro se recusou a retirar as
algemas do preso e ofendeu o delegado de plantão, Felipe Cordeiro,
com palavras de baixo calão. Cordeiro deu voz de prisão ao militar
por desacato. Em minutos várias viaturas da 8ª Cia. Independente
cercaram a Delegacia. Os policiais civis e militares levaram as mãos
aos coldres se posicionaram para uma troca de tiros que foi evitada
graças à prudência do delegado.
Esse relato foi feito diante dos deputados da
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais, que se deslocaram até Ouro Preto, nesta quarta-feira
(20/02/08), para apurar agressões contra cidadãos que se tornaram
comuns nos últimos tempos naquela cidade histórica e na vizinha
Mariana.
O guia Ricardo Matos se emocionou várias vezes ao
confirmar a ocorrência. No relatório lido pelo deputado Padre João
(PT), o delegado Cordeiro afirma jamais ter visto tamanha violação
dos direitos humanos, nem tamanho desrespeito a uma autoridade
policial que tentava prestar socorro, dentro de sua própria
Delegacia, a um preso algemado, espancado e agredido com
gás-pimenta.
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis
(Sindipol), Antônio Marcos Pereira, este foi mais um alerta sobre
uma situação potencialmente explosiva que pode levar as duas
corporações à ruptura. "Há seis a oito casos recentes de desrespeito
à autoridade da Polícia Civil, e os confrontos são freqüentes. A PM
sempre cerca as delegacias para intimidar e há pouco tempo um
policial civil se viu obrigado a encostar uma metralhadora na cabeça
de um PM que o desacatava dentro da delegacia", denunciou
Pereira.
Policiais truculentos não podem ficar nas ruas, diz
deputado
Para o deputado Padre João, parece estar montado na
cidade um sistema de tortura, baseado na impunidade e na proteção
dos agressores por seus superiores. "As denúncias de arbitrariedades
e violações apontam sempre para os nomes dos irmãos Fernando Ribeiro
e Geraldo Magela Ribeiro, ambos cabos, e para o Sargento Ronilson
Magalhães. O capitão que os comanda, Anderson Coelho, também oferece
péssimo exemplo de desobediência à autoridade civil, mas os três
policiais não podem ficar nas ruas e para onde forem transferidos
levarão essa agressividade", alertou o deputado.
Ricardo Matos relatou que estava assistindo ao
Carnaval em companhia de sua esposa e dos filhos menores. Ao se
afastar para ir ao banheiro, foi abordado por um cadete da PM e
algemado, confundido com um suspeito de tráfico de Ecstasy. Sua
prisão mobilizou seus amigos guias turísticos e seus parentes, que
exigiram que fosse solto. Os irmãos Ribeiro chegaram, derrubaram
Ricardo Matos e passaram a espancá-lo no chão, e depois lançaram
gás-pimenta em seus olhos. Ao levá-lo para a delegacia, fizeram um
auto de resistência à prisão para justificar as lesões. Nenhuma
droga foi encontrada em seu poder, segundo o delegado regional,
Flávio Tadeu Destro, que testemunhou as escoriações e contusões em
seu corpo.
O guia foi conduzido à Unidade de Pronto
Atendimento, onde o médico da Prefeitura, Ciro Monteiro, atestou que
ele não tinha nenhuma lesão externa, o que, segundo o deputado
Durval Ângelo, contraria o próprio auto redigido pelos policiais.
Durval Ângelo pediu medida disciplinar contra o médico pela
Prefeitura, tendo em vista que o prefeito Oswaldo Ângelo em pessoa
comprovou as agressões, e abertura de investigação do Conselho
Regional de Medicina.
Vítima já havia trabalhado com os
agressores
Novo exame de corpo de delito, com fotografias, foi
feito no guia turístico e compõe o inquérito policial militar e o
inquérito civil. O deputado Durval Ângelo pediu cópias dessas fotos
e dos boletins de agressões ocorridas durante o Carnaval. O guia
relatou também que conhecia pessoalmente os irmãos Ribeiro, e que
inclusive já havia trabalhado com a família deles num comércio de
caldo de cana. Por isso, e por não ter antecedentes policiais e
jamais ter se envolvido com drogas, estranha a brutalidade de que
foi vítima.
Dois vereadores da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara de Ouro Preto apresentaram outras denúncias contra os três
PMs. Wanderley Kuruzu relatou dois casos de abordagem agressiva em
que o grupo apontou armas contra civis desarmados a caminho do
trabalho, e intimidou um militante chamado Temístocles que colava
cartazes pedindo paz após a execução de um rapaz de nome Maguinho.
Leo Barbosa relatou que o trio costuma invadir a
cadeia de Ouro Preto para espancar presos, que faz invasões
arbitrárias de domicílios e pelo menos um é assassino. "Eu mesmo já
apanhei do cabo Fernando Ribeiro, no Morro Sebastião, quando tinha
apenas 17 anos. Já está passando da hora de retirar as batatas
estragadas do meio das sadias, para evitar a contaminação",
pediu.
Mariana - Enquanto o deputado Durval Ângelo
conduzia a audiência pública, os deputados João Leite (PSDB) e Padre
João se dirigiram a uma sala anexa para ouvir em sigilo os
depoimentos dos cabos Cláudio de Araújo e José Carlos Ribeiro, ambos
do 3º Pelotão de Mariana, acusados de ter promovido uma troca de
tiros em que foi morto um menor envolvido em tráfico de drogas e
pequenos furtos. A mãe do menor estava presente e assegurou que seu
filho jamais andou armado e que já havia sido espancado várias vezes
pelos PMs num lugar ermo chamado Quebra-Caixão, no caminho de Ponte
Nova.
Platéia contesta medida disciplinar do
comandante
O depoimento mais esperado foi o do tenente-coronel
Marco Antônio Janeiro, comandante da 8ª Cia. Independente da PMMG.
Várias vezes ele tentara intervir nos depoimentos para defender seus
comandados, mas o deputado Durval Ângelo lhe cortava a palavra,
dizendo que a Comissão já tinha sérios pré-julgamentos a respeito
dos acusados. Independentemente do resultado dos inquéritos em
andamento, o presidente da Comissão de Direitos Humanos decidiu
exigir que os três PMs saiam da região. "Pelo critério subjetivo, é
a coisa mais sensata a fazer, já que não há clima para que eles
continuem em contato com a comunidade ouropretana", disse o
deputado.
Na madrugada da terça-feira de Carnaval, Janeiro se
recusou a entregar o cabo Fernando Ribeiro ao delegado regional
Flávio Tadeu Destro. Disse que consultou seus superiores em Belo
Horizonte e que esses decidiram que não caberia acusação de desacato
entre autoridades. Negociou então com Destro uma ação para serenar
os ânimos e evitar um conflito que parecia iminente entre as duas
forças.
Durval Ângelo interveio dizendo que a PM está
subordinada à Polícia Civil nas questões processuais, já que esta
cumpre funções de Polícia Judiciária, e que qualquer cidadão pode
dar voz de prisão a um coronel da PM por desacato. Para justificar a
agressão ao guia turístico, Janeiro relatou que no Boletim de
Ocorrência os policiais alegam uma agressão deste. "Ricardo Matos
acertou um soco na boca do cadete que o abordou e lhe aplicou uma
rasteira. Só então os PMs intervieram em socorro ao colega",
afirmou.
Coronéis afirmam que o trabalho dos PMs dá bons
resultados
Essa versão é contestada pela vítima. Matos disse
que a primeira ação dos PMs foi algemá-lo, e que nessas condições
não poderia esmurrar ninguém. O comandante tampouco apresentou laudo
de exame médico-legal do cadete que teria sido agredido. Durval
Ângelo questionou também que o tenente-coronel Janeiro tenha dito a
uma rádio que "Ricardo Matos não era nenhum santo". O comandante
afirmou que os irmãos Ribeiro estão recolhidos ao quartel em tarefas
administrativas, mas várias pessoas da platéia se levantaram para
protestar e assegurar que estão nas ruas, inclusive fardados.
O deputado Durval Ângelo também questionou o
comandante sobre suas declarações de que os irmãos Ribeiro teriam
folha de serviços exemplar. Este explicou que se referia ao Cabo
José Carlos Ribeiro, do pelotão de Mariana, que não teria uma mancha
em sua folha de 14 anos na corporação. Quanto aos irmãos Ribeiro,
disse não apoiar suas atitudes, mas reconheceu que trabalharam com
coragem para desbaratar quadrilhas de criminosos que agiam na
cidade. Prefere aguardar o resultado dos inquéritos antes de tomar
medidas contra os cabos.
O representante do Comando Geral da PM, coronel
Ricard Franco Gontijo, elogiou a conduta do tenente-coronel Janeiro,
que foi designado para Ouro Preto em 2001. "Em 2002, foram
registrados na cidade 239 crimes violentos. Ouro Preto ocupava o 18º
lugar no ranking da violência no Estado. Em 2007, as
ocorrências foram apenas 107, e a cidade caiu para o 280º lugar no
ranking." Para ele, embora o alto comando não compactue com
desvios de conduta, os resultados operacionais da 8ª Cia. seriam
"excelentes".
Ao final da reunião, o presidente Durval Ângelo
disse que os três policiais acusados de truculência serão convidados
ou convocados a se explicarem. Ele quer as fichas pessoais e as
folhas de serviço deles e dos dois de Mariana acusados de
participação no tiroteio em que morreu o menor. Ofereceu-se ainda
para realizar uma audiência para ouvir queixas de agressões aos PMs,
e anunciou que pretende apurar também denúncias de violência por
parte dos guardas municipais de Ouro Preto.
Presenças: Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; João Leite (PSDB) e Padre João (PT).
Além dos citados, participaram também Marco Antônio Nicolato,
representante da Prefeitura de Ouro Preto; Jacqueline Oliveira
Ferraz, delegada de polícia; subtenente Luiz Gonzaga Ribeiro,
presidente da Associação dos Praças da PM (Aspra); e Robert Willian
de Carvalho, da ONG Defesa Social.
|