Deputados visitam bispo franciscano que está em greve de
fome
Quatro deputados se deslocaram no último domingo
(9/12/07) para Sobradinho (BA), para prestar solidariedade ao bispo
Dom Luiz Cappio, de 61 anos, que cumpre uma greve de fome desde 27
de novembro. Mais de mil peregrinos se juntaram diante da Igreja de
São Francisco em um ato público de solidariedade ao religioso que
combate o projeto de transposição do Rio São Francisco. Sob o calor
do meio-dia, num palanque de zinco coberto de lona preta,
revezavam-se ao microfone ativistas políticos, militantes
ambientais, pescadores, remanescentes indígenas e quilombolas,
dezenas de ongs e entidades de preservação.
Os deputados vestiram a camisa e o boné onde se lia
"São Francisco vivo: terra, água, rio e povo" e postaram-se diante
do palanque para ouvir o religioso. Dom Luiz levantou-se vacilante,
vestido com o hábito marrom dos franciscanos, e agradeceu a
solidariedade de todos não apenas a sua pessoa, mas à causa do rio e
do povo beiradeiro.
"Não coloco a minha fé nos homens, mas em Deus. É a
fé que nos alimenta. A fé em Deus nos torna fortes, e o espírito
dele nos dá força para chegar até o fim. Diz o Evangelho que devemos
enfrentar o inimigo sem temor, e vencê-lo com o jejum e a oração.
Meu jejum é o mesmo de tantos irmãos que há séculos passam fome na
beira desse rio, alimentados apenas por sua fé", pregou ele.
Apesar de manter a lucidez e a força de vontade,
Dom Luiz caminha com dificuldade e não consegue mais celebrar a
missa diária. Cercado por acólitos que evitavam o assédio mais
direto, o bispo atravessou a multidão, saudado por índios com
chocalhos e maracas. Fiéis se aproximaram para entregar-lhe cartas
de solidariedade, medalhas, orações, beijar-lhe as mãos ou
simplesmente olhá-lo de perto, com a emoção estampada no
rosto.
Leonardo Boff articula uma saída para o Governo
O deputado Gil Pereira (PP) disse a ele que a
Comissão de Direitos Humanos e os deputados defensores do São
Francisco vieram lhe prestar solidariedade. "Não queremos a morte
dele. Queremos que ele tenha vida para não só revitalizar o São
Francisco, mas outros rios, outras bacias que precisam ser
revitalizadas", afirmou Pereira.
O deputado Durval Ângelo, que guardou jejum durante
todo o dia, entregou a Dom Cappio uma mensagem escrita na véspera
por frei Leonardo Boff, o autor da Teologia da Libertação. "Eu acho
que a greve de fome é um gesto extremo de amor. Eu já vivi uma
experiência como esta e sei que o que nos leva a isso é realmente
uma causa muito maior, e Dom Luiz coloca com muita clareza, como
santo que ele é, a causa do rio, dos moradores e dos ribeirinhos
deste mesmo rio", manifestou-se o parlamentar.
Durval Ângelo revelou que Leonardo Boff hoje é o
principal articulador, junto ao Governo Lula, de uma saída para o
impasse da transposição e para a salvação da vida do religioso. Na
mensagem, Boff manifesta esperança na "abertura de um diálogo
transparente e não oportunista" com o Governo, mas aconselha que "se
não houver outra alternativa que a imolação, acolha-a no espírito de
Jesus (...) Passar assim ao Pai é digno de um discípulo de Jesus".
Tilden Santiago, ex-embaixador do Brasil em Cuba, definiu que "a
linguagem de Dom Luiz Cappio é a linguagem dos heróis, a linguagem
dos mártires, a linguagem de quem soube fazer uma interação entre a
vida e a morte".
A possibilidade de que Dom Cappio venha a morrer em
sua greve de fome é real. Os médicos que o assistem exigem que ele
tome soro caseiro e que faça longos períodos de repouso. Em setembro
de 2005, ele se manteve em jejum por 11 dias e conseguiu paralisar o
projeto de transposição. Agora, máquinas de terraplenagem operadas
pelo Exército trabalham nas tomadas de água do Eixo Norte, em
Cabrobó, e no Eixo Leste, em Itaparica. E fazem o trabalho à revelia
das autoridades judiciais e ambientais, segundo Thomaz Matta
Machado, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São
Francisco.
Transposição visa o agronegócio e não o abastecimento
humano
A atitude de Dom Cappio comoveu o deputado João
Leite. "O gesto dele, um gesto de fé, toca direto no coração dos
brasileiros. A grande maioria do nosso povo é cristã, e entende bem
esse gesto", disse ele. O deputado Fábio Avelar, por sua vez, disse
que ninguém tem objeção à retirada de água do São Francisco para
abastecimento humano. "O que não podemos permitir é que venham
sangrar o rio para favorecer o agronegócio, como é evidente nesse
projeto", afirmou.
A todo momento, o serviço de som colocava a voz do
presidente Lula, numa gravação de 2001, falando na salvação do São
Francisco. "O que tem que ser feito hoje não é transposição, mas
salvar o Velho Chico que está morrendo por irresponsabilidade das
pessoas", dizia Lula. A voz do ex-ministro da Integração Nacional,
Ciro Gomes, também aparece reconhecendo que as terras do Nordeste
são pobres se comparadas às do vale do São Francisco.
A programação para o domingo incluía um
deslocamento dos manifestantes para uma romaria na barragem de
Sobradinho, mas o acesso foi impedido pelo Exército. A represa está
com apenas 14% de sua capacidade, já que a chuva que caiu em Minas
ainda não foi suficiente para chegar lá. Havia um boato de que o
famoso padre Marcelo Rossi estaria presente. Aos mais pobres
peregrinos misturaram-se artistas famosos, como a atriz Letícia
Sabatella, que no sábado chorou sentada no chão ao pé do bispo.
Os deputados regressaram a Belo Horizonte
convencidos de que Dom Cappio não recuará e que está disposto a
morrer em oposição às decisões que considera errôneas do presidente
que foi seu companheiro, em 1993, nas andanças da Caravana da
Cidadania pelo São Francisco.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; João Leite (PSDB); Gil Pereira (PT),
coordenador da Cipe São Francisco; e Fábio Avelar (PSC),
vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente.
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