Pescadores querem trabalhar nas represas de Nova Ponte e
Miranda
A sobrevivência de 300 famílias de pescadores, da
economia regional e do meio ambiente foram os três assuntos
dominantes na audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e
Recursos Naturais da Assembléia Legislativa de Minas Gerais,
realizada nesta quarta-feira (5/12/07) no auditório da Universidade
de Patos de Minas. A audiência ocorreu por iniciativa do deputado
Hely Tarqüínio (PV), que desejava debater com os interessados a
implementação de políticas públicas para a pesca em Minas
Gerais.
Tarqüínio opinou que a lei que disciplina a pesca
em Minas é muito ortodoxa e traz conflitos de interpretação em
prejuízo dos pescadores profissionais artesanais, que utilizam redes
e tarrafas. O objetivo dos deputados é intermediar esses interesses
e conciliá-los com os aspectos ambientais, numa espécie de "ecologia
social" que o deputado reconhece difícil de implantar. "O governo
estadual não dá às famílias dos pescadores a cobertura necessária na
época da piracema. É preciso ajudá-los a sobreviver com dignidade e
ética", disse o deputado.
O grande interesse dos pescadores presentes à
audiência é obter a liberação da pesca profissional nos lagos das
represas de Nova Ponte e Miranda, que ficam no Rio Araguari, já que
a população de Patos de Minas e Patrocínio não aceita consumir peixe
do Rio Paranaíba, por causa da poluição. Atualmente muitos se
deslocam para a represa de Três Marias, em busca do sustento de suas
famílias. Em média, os pescadores faturam R$ 1,2 mil mensais, mas
nos quatro meses da piracema precisam sobreviver com um
salário-mínimo pago pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador através do
Ministério do Trabalho, a título de "seguro-defeso".
Tarrafa e rede não exterminam peixes, garante
pescador
Diversas autoridades e lideranças de pescadores se
manifestaram durante a reunião, mas as contribuições mais
consistentes foram apresentadas por Marcelo Coutinho Amarante, da
Gerência de Gestão de Fauna Aquática do Instituto Estadual de
Florestas, e pelo presidente da Federação dos Pescadores de Minas
Gerais, Raimundo Ferreira Marques. Enquanto o primeiro apresentava a
argumentação técnica e legal para a proibição da pesca profissional
nos lagos de Nova Ponte e Miranda, Marques contra-argumentava com a
missão ambiental do pescador.
"Não há dados técnicos que nos convençam de que ali
não se pode trabalhar. A tarrafa e a rede foram inventadas desde
antes de Jesus, e nunca exterminaram o peixe. Não existe ninguém
mais interessado do que nós no equilíbrio do meio ambiente porque
dependemos do peixe para viver. É preciso disciplinar e não proibir.
O pescador pega o peixe quando pode e pára quando não deve. Nós
somos obrigados a repor alevinos onde pescamos, mas os poluidores
matam e não repõem", acusou.
O pescador Valmiro Antônio Pereira afirmou que
morre mais peixe devido à poluição do que todo o peixe que é pescado
para abastecer a população. Segundo ele, os pescadores hoje precisam
levar água para beber no barco, porque a dos rios está imprópria.
As razões apresentadas para a restrição à pesca nos
reservatórios por Marcelo Amarante são a proteção dos berçários de
surubins e dourados nos rios Salitre e Quebra-Anzol, tributários do
Araguari. Ele pediu atenção aos novos barramentos porque a previsão
da Aneel é de construção de 380 novas represas em Minas Gerais até o
ano 2028.
Tanques-rede vão criar o 'frango-d'água' do
futuro
Uma alternativa apresentada por Wilson José da
Silva, presidente da Associação dos Pescadores do Alto Paranaíba, é
a instalação de tanques-rede nos reservatórios, para criar espécies
exóticas de alto valor. "O peixe criado em tanques-rede será o
frango d'água do futuro. Aos poucos, as criações poderão ir
substituindo a pesca extratitivista".
A criação em tanques-rede depende de autorização do
IEF-MG, segundo Edson Paula Gomes, da Secretaria Especial de
Agricultura e Pesca do Governo Federal. Gomes acrescentou que a
legislação em vigor precisa ser revista; "Quem comprar peixe na
beira da estrada sem o documento do pescador profissional pode ter o
peixe apreendido pela Polícia Ambiental", explicou.
O deputado Sávio Souza Cruz (PMDB), presidente da
Comissão, acrescentou o que considera outro absurdo da legislação.
"Quem for ao shopping e comprar vara, anzol e molinete está sujeito
a multa e apreensão da mercadoria porque o porte de artefato de
pesca é ilegal. Essa legislação precisa ser mudada, mas a Assembléia
abriu mão do seu poder de legislar, transferindo-o para o Executivo,
que já editou 160 leis delegadas". A destruição de material de pesca
apreendido foi criticada pelo vereador Donizete da Cruz, de Patos de
Minas, para quem o material deveria ser leiloado entre os pescadores
profissionais, e não queimado, para não prejudicar o meio
ambiente.
Almir Paraca, deputado do PT, disse perceber um
certo sentimento de frustração em quem se deslocou para a audiência,
devido à pouca resolutividade. "O problema não é só de normatização
legal, mas de meio ambiente e de qualidade ambiental. Em relação à
atividade pesqueira, o estoque está caindo. Alevinagem não resolve.
Introduzir espécies exóticas também pode ser algo perigoso. O método
natural seria o das lagoas de vazante. De qualquer forma, as
soluções precisam ser múltiplas, incluindo a mudança de mentalidade
e de postura", disse Paraca.
Brasil fatura apenas US$ 2 bilhões com pesca
esportiva
Valdemiro Alves de Miranda, da colônia de pesca Z8
de Chaveslândia, afirmou que, após doze anos de proibição, o estoque
de peixes não cresceu como a expectativa, caso contrário haveria
peixe até na copa das árvores. Miranda afirmou que a proibição teve
mais cunho político do que de preservação, e foi intensamente
aplaudido. Por sua vez, Neuton Veloso, da Federação Brasileira de
Pesca Esportiva, revelou que os Estados Unidos faturam US$ 130
bilhões por ano com a pesca esportiva, e que o Brasil fatura apenas
US$ 2 bilhões. "Estamos atrás da Argentina, que fatura US$ 13
bilhões, e até do Chile, que é o maior exportador de salmão criado
em cativeiro, faturando US$ 9 bilhões". Quando Veloso propôs que os
pescadores se tornassem agentes turísticos para receber pescadores
estrangeiros nos lagos das represas, foi intensamente vaiado.
A mudança de cultura não pode ser brusca, segundo
Raimundo Marques. "Cultura não se muda assim. É preciso respeitar a
cultura dos pescadores", disse ele. A alternativa dos tanques-rede
pode vingar, segundo ele, desde que os pescadores percebam a
comodidade e a lucratividade, e aos poucos vão concluindo que é
melhor. A questão do documento para transporte do peixe da beira do
rio até a colônia será levada à direção do IEF para solucionar,
comprometeu-se Marcelo Amarante.
Para solucionar a questão do acesso aos lagos de
Nova Ponte e Miranda, que levou a adolescente Tayane Rocha Pereira
ao microfone para defender o pai pescador, o deputado Hely Tarquínio
apresentou requerimento de nova audiência com a presença dos
prefeitos do entorno dos lagos, das colônias de pesca, da Polícia
Ambiental e do secretário de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho. A
intenção é debater o zoneamento das águas das represas, mantendo as
restrições aos berçários de peixes.
Requerimentos: Dois outros
requerimentos foram aprovados na reunião. Um assinado pelos
deputados Domingos Sávio (PSDB), Antônio Carlos Arantes (PSC) e
Sávio Souza Cruz, de reunião conjunta com a Comissão de
Administração Pública para discutir a legislação ambiental. O outro
da deputada Ana Maria Resende (PSDB), de audiência pública conjunta
com a Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial, para
debater alternativas de convívio com a seca.
Presenças: Deputados Sávio
Souza Cruz (PMDB), presidente; Almir Paraca (PT), Hely Tarqüínio
(PV). Além dos citados, compuseram a mesa José Rauder, secretário de
desenvolvimento econômico de Patos; Major Roberto Carlos Campos,
comandante da 10ª Cia. da PMMG; Valtinho Quintino da Rocha, da
colônia de pesca Z5 de Três Marias; e José Antônio Dias, supervisor
regional o IEF para o Alto Paranaíba.
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