Regularização de territórios quilombolas é processo
demorado
A regularização da posse da terra pertencente a
comunidades remanescentes de quilombos em Minas Gerais é um processo
que caminha a passos lentos e ainda está longe do fim, acusaram
representantes de grupos quilombolas que participaram do debate
público promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais nesta sexta-feira (30/11/07). O
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) admite
que tem poucos recursos para acelerar a titulação das terras e
precisa do apoio do Governo do Estado e das prefeituras.
Não existem números oficiais sobre as comunidades
remanescentes de quilombos no Estado. "Historicamente a estratégia
dos quilombos foi a de se manterem invisíveis para a sociedade
escravista. Muitos permanecem invisíveis nos dias de hoje",
justifica o antropólogo João Batista de Almeida Costa, que informa a
existência de pelo menos 430 comunidades quilombolas em Minas. O
Incra, no entanto, contabiliza 88 processos de regularização de
terras - nenhum deles concluído até o momento. O processo mais
adiantado, relativo à comunidade de Brejo dos Crioulos, tem
concluídas apenas três das sete etapas necessárias para a concessão
da posse da terra.
"O Estado não quer devolver aquilo que é nosso de
direito. Nós, negros, continuamos em segundo plano", criticou o
diretor administrativo e financeiro da Federação das Comunidades
Quilombolas de Minas Gerais, Gilberto Coelho de Carvalho. "Escutamos
o Incra falar que não é possível (agilizar o processo de titulação
das terras). Não vejo muitas perspectivas, a não ser continuar
lutando pelo que é nosso", completou. O antropólogo João Batista de
Almeida Costa fala em etnocídio das populações remanescentes de
quilombos, tendo em vista a situação de miséria de todas elas. "A
escravidão só foi abolida metaforicamente", criticou.
Incra rebate críticas
O superintendente regional do Incra, Marcos
Helênio, rebateu as críticas à atuação do órgão. "O Incra ainda não
chegou aonde deveria, mas não está parado. Fizemos muito pouco, mas
foi o possível até o momento", afirmou.
Helênio informou que o órgão passou a ter
responsabilidade sobre a regularização fundiária das comunidades
tradicionais há quatro anos, e não tinha estrutura para assumir essa
prerrogativa. Foram feitos dois concursos para contratação de
pessoal, mas ainda assim a equipe do serviço de regularização de
territórios quilombolas conta hoje com apenas seis pessoas.
Além disso, como informou Helênio, o relatório
técnico para identificar essas comunidades tradicionais é
extremamente complexo. Ele inclui uma análise antropológica, o
cadastramento de todas as famílias remanescentes de populações
quilombolas e o levantamento da cadeia dominial de todos os imóveis
localizados nas terras em questão. No caso de Brejo dos Crioulos,
foram identificadas mais de 100 propriedades rurais nos 17 mil
hectares pleiteados pela comunidade. Somente após a conclusão de
todas as providências exigidas pela legislação, incluindo a consulta
a órgãos públicos e a contestação dos interessados, é feita a
demarcação e titulação do território quilombola, com a outorga do
título coletivo em nome da associação comunitária.
A lentidão no processo de reconhecimento,
demarcação e titulação dos territórios quilombolas não acontece, no
entanto, por falta de legislação. O coordenador das Promotorias de
Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas
Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, listou leis e decretos
federais e estaduais sobre o assunto. Já o antropólogo Carlos
Eduardo Marques fez críticas ao que chamou de "omissão" do Estado e
da sociedade no reconhecimento de que este é um país com grande
diversidade étnica e cultural.
Fragilidade da legislação é destacada por diretor
do Iter
A fragilidade da legislação também foi lembrada
pelo diretor-geral do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter),
Luiz Antônio Chaves. Chaves disse que discorda de várias das
colocações feitas durante o debate, mas isso não significa que seja
adversário dos anseios quilombolas. "Nós que operamos o Direito
sabemos da fragilidade da legislação, que foi feita de maneira
atabalhoada na tentativa de regulamentar o artigo 68 da
Constituição, resultando em muitos erros", afirmou. No entanto,
Chaves ratificou sua adesão à causa dos quilombolas e que fará o que
for preciso para que os direitos dessas comunidades sejam
reconhecidos. A antropóloga Mariza Rios, da Faculdade Dom Helder
Câmara, cobrou dos órgãos públicos que exerçam sua função de fazer
cumprir a legislação.
O Governo Federal desenvolve o programa Brasil
Quilombola, que vai destinar recursos de R$ 2 bilhões do Plano
Plurianual (PPA) 2008-2011 para a regularização fundiária, projetos
de infra-estrutura e ações para promover a geração de emprego e
renda e estimular o fortalecimento das comunidades remanescentes de
quilombos.
O delegado do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Rogério Correia, disse que em Minas foram apresentados
poucos projetos para receber recursos do programa. Prefeituras,
organizações não-governamentais e associações de quilombolas podem
apresentar projetos. Mais informações podem ser obtidas no site
www.mda.gov.br/aegre.
Sandra Maria da Silva, coordenadora nacional das
comunidades quilombolas, relatou que 88 das comunidades quilombolas
que demandam regularização descendem dos bantos trazidos do Sul e do
Sudeste da África. Para ela, os descendentes continuam em situação
de vulnerabilidade e invisibilidade social e política. "Em Minas são
mais de 400 comunidades identificadas, mas apenas Porto Coris foi
regularizada, e mesmo assim devido à mudança provocada pela
construção da Usina de Irapé. Em São Paulo, Pará, Maranhão e Piauí a
situação está mais avançada. É preciso seguir o exemplo desses
estados", propôs.
Conceito de regularização seria mais amplo
A defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre
procurou inserir a luta dos quilombolas na luta das minorias
excluídas, ao dizer que "o país foi feito por todo mundo, e se
alguém está sendo excluído, temos que combater a seu lado". Ela
revelou que uma ação do Ministério Público considera ilegal a
contratação de assistência jurídica para os quilombolas, mesmo para
orientação e processos administrativos. Ana Cláudia, "regularização
fundiária não é só divisão e demarcação das terras, mas a garantia
de acesso a plenos direitos, ao desenvolvimento econômico e social
de cada comunidade. É preciso incentivar a vida comunitária,
proteger os modos quilombolas de fazer e produzir, resguardar sua
identidade", reivindicou.
Ao final do evento, os presentes acompanharam
apresentações dos grupos de Congado da Comunidade Tabatinga,
Carrapatos da Tabatinga, Batuque Barro Preto e Indaiá e Moçambique
de Pará de Minas.
Presenças - Deputados João
Leite (PSDB), coordenador do debate; Durval Ângelo (PT) e deputada
Elisa Costa (PT), além das personalidades citadas na matéria. Também
participaram o defensor público federal Estevão Ferreira Couto e o
ex-deputado federal João Paulo Pires de Vasconcelos.
|