Quilombolas reivindicam lei estadual para regularização de suas
terras
O presidente da Federação das Comunidades
Quilombolas do Estado, Francisco Cordeiro Barbosa, reivindicou,
nesta sexta-feira (30/11/07), a criação de uma lei estadual que
trate da regularização fundiária das terras dessa população
remanescente dos quilombos. Ele foi um dos convidados do Debate
Público "Regularização de territórios quilombolas em Minas Gerais",
promovido durante todo o dia pela Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que lotou o Plenário. "O
Estado precisa fazer parcerias com o governo federal para resolver
essa questão", defendeu. Barbosa foi debatedor da fase em que foram
apresentadas as experiências de Pará e Piauí e de São Paulo - que,
desde 1996, titulou seis de 21 áreas quilombolas reconhecidas, todas
elas localizadas em terras devolutas, ou seja, terras públicas
estaduais.
"Brigamos pelo território que nos tiraram. Vivemos
encurralados nas nossas terras e não é possível permanecermos
assim", cobrou Barbosa, que relatou a difícil situação dos
remanescentes dos quilombos em Minas, que sofrem as conseqüências
das ações de setores como agropecuária, madeireiras, geração de
energia elétrica e, agora, do fomento ao biodiesel, por meio do
incentivo ao plantio da cana.
O deputado Almir Paraca (PT) citou o caso do
Quilombo Gorutuba, onde 300 comunidades de oito municípios vivem,
segundo ele, ilhadas por grandes fazendas. Tanto Paraca quanto o
deputado João Leite (PSDB) e a deputada Elisa Costa (PT), que
coordena a Frente Parlamentar de Promoção da Igualdade Racial,
apoiaram a instituição de um marco legal em Minas sobre a situação
das terras dos quilombolas. Essa idéia está no Projeto de Lei (PL)
1.839/07, da Comissão de Direitos Humanos, em tramitação. A deputada
também cobrou a criação de uma coordenadoria estadual para conduzir
as políticas públicas para os quilombolas de forma integrada.
Radiografia de Minas - De
acordo com o Grupo de Trabalho de Regularização de Territórios
Quilombolas em Minas Gerais, o Estado é o terceiro da federação em
número de comunidades quilombolas já reconhecidas e com os
respectivos certificados emitidos pela Fundação Cultural Palmares,
órgão federal. Oitenta e oito comunidades quilombolas demandam ações
de regularização territorial. De acordo com o Centro de Documentação
Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), o número de comunidades com
potencial para se auto-reconhecer é, no entanto, muito maior, tendo
ultrapassado 430. Elas estão localizadas sobretudo no Norte de Minas
e no Vale do Jequtinhonha. Comunidades quilombolas de várias regiões
do Estado, como do Norte, dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e do
Rio Doce, estiveram representadas no Debate Público.
Projeto estabelece prazos para ações de governo e
também trata de terras devolutas
Sobre a necessidade de um marco legal em Minas, a
deputada Elisa Costa (PT) elogiou a tramitação do Projeto de Lei
(PL) 1.839/07, da Comissão de Direitos Humanos, que regulamenta o
artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal. Esse artigo determina que aos remanescentes
das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
os títulos respectivos. O PL 1.839/07 foi anexado ao PL 67/07, do
deputado Paulo Guedes (PT), que institui o Projeto Quilombos, de
resgate histórico e valorização das comunidades quilombolas e que
aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Constituição e
Justiça.
O PL 1.839/07 determina que o procedimento
administrativo para regularização territorial das comunidades será
iniciado por requerimento dos próprios interessados, pelos órgãos
estaduais competentes ou a requerimento do Ministério Público. Sem
prejuízo da competência concorrente da União e dos municípios, o
reconhecimento e a delimitação do território quilombola pelo órgão
estadual deverá ocorrer em 120 dias e será constituído de Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação Territorial. Esse relatório
deverá ter levantamento fundiário, planta e memorial descritivo do
território e cadastramento das famílias, entre outros dados.
Finalizada a etapa de reconhecer e delimitar o território
quilombola, será demarcada e titulada a terra.
Terras devolutas - O
projeto determina que os imóveis inseridos em áreas devolutas serão
identificados, demarcados e registrados por procedimento de
arrecadação sumária previsto na Lei de Terras Estadual ou mediante
discriminação de terras devolutas e, ainda, por processo de
aquisição ou desapropriação.
São Paulo, Pará e Piauí relatam experiências de
regularização fundiária
O assistente especial de quilombolas e outras
comunidades tradicionais do Fundação Instituto de Terras do Estado
de São Paulo (Itesp), Carlos Henrique Gomes, apresentou a
experiência daquele estado. Das 21 áreas reconhecidas desde 1996,
quando teve início esse processo, seis foram tituladas - e todas
elas são devolutas. Outras 10 estão em fase de conclusão de
relatório técnico, por isso a expectativa é que esse número seja
elevado para 31. Além disso, 13 territórios quilombolas foram
apontados para reconhecimento. De acordo com Gomes, o instituto faz
o reconhecimento da comunidade, titula as terras localizadas em
áreas públicas estaduais (as chamadas devolutas) e apóia os
quilombolas por meio de um programa específico de assistência, que
já atendeu 1,1 mil famílias. A grande maioria das terras está
localizada no Vale do Ribeira, no sul do Estado.
Carlos Henrique Gomes apontou como problema a
situação das áreas de ocupantes não quilombolas - a maioria pequenos
posseiros que, caso não recebessem indenização para saírem das
terras, poderiam gerar novo problema social. Por esse motivo, muitos
casos foram resolvidos por meio de acordo entre posseiros e Estado.
Aqueles que não aceitaram sair das áreas quilombolas localizadas em
terras devolutas são grandes fazendeiros, segundo Gomes. A avaliação
do Itesp é que os relatórios referentes às terras particulares devem
ser encaminhados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), a quem caberia cuidar do assunto e das
desapropriações. Os grandes gargalos, lamentou Gomes, são as
desapropriações dessas áreas e a necessidade de incrementar a
parceria com o governo federal.
Coube ao coordenador estadual do Movimento
Quilombola do Piauí, Antônio Bispo dos Santos, reforçar a denúncia
quanto à demora para regularização territorial dos territórios
quilombolas. Ele também defendeu a instituição de uma lei estadual
sobre o assunto em Minas, ao mesmo tempo em que avaliou o Debate
Público como um momento histórico, de encontro do poder quilombola
com o poder legislativo. Ele condenou o poder da sociedade
"euro-cristã monoteísta colonizadora" que faz o certo transformar-se
em errado e vice-versa. No Piauí, explicou Bispo dos Santos, o
Estado aprovou uma lei genérica que só tem funcionado devido à
pressão social para acionar "a capacidade operacional do
poder".
Pressão social - O
coordenador estadual das Associações das Comunidades Remanescentes
de Quilombolas do Pará, José Carlos Galiza, conclamou os
remanescentes de quilombos a se integrarem a outros movimentos
sociais. "Nossa organização é que pressionou o governo a se
sensibilizar pela nossa causa. São essenciais as parcerias com
outras instituições, como as que representam os trabalhadores rurais
e as de defesa dos direitos humanos", ensinou. Ele mostrou a
experiência do Pará, onde o governo implantou o Projeto Raízes, que
articula todas as políticas públicas para a comunidade quilombola do
Estado. O Pará foi a primeira unidade da federação a titular terras
para quilombolas e a primeira também a efetuar desapropriação nesse
sentido. São 36 os títulos entregues até agora, que beneficiaram
mais de 70 comunidades (26 emitidos pelo instituto de terras do
Estado; e 10, pela União).
O deputado Ruy Muniz (DEM), que coordenou o painel
sobre as experiências de outros estados na regularização fundiária
dos quilombolas, destacou a importância dos debates. Agradeceu à
Mesa da Assembléia por apoiar o evento e também às comunidades dos
remanescentes dos quilombos e à comunidade universitária, em
especial a UFMG.
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