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Direito dos quilombolas está acima ao de propriedade
privada
Os direitos dos remanescentes de quilombolas ao
território é um direito fundamental, que está acima ao de
propriedade privada. Essa consideração foi feita pela
subprocuradora-geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto
Pereira, que participou, nesta sexta-feira (30/11/07), do debate
público "Regularização de territórios quilombolas em Minas Gerais",
organizado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais. Juntamente com outros expositores, ela
falou sobre "Os quilombolas: direitos territoriais e
legislação".
Deborah Macedo Pereira afirmou que, durante a
formação dos estados nacionais e do Estado brasileiro, houve a
predominância de uma idéia de que a população era homogênea e tinha
um único objetivo. Dessa forma, foram estabelecidos a língua oficial
e os símbolos e heróis nacionais, a partir da visão de um único
grupo da população, a elite masculina, ficando os outros grupos à
margem do direito e da legislação. Segundo ela, a Constituição
Federal (CF) de 1988 modificou essa situação e reconheceu a
existência do multicultarismo e dos direitos dos vários grupos que
compõem a população brasileira.
A procuradora-geral explicou que o artigo 68 dos
Atos das Disposições Transitórias da CF concedeu o direito dos
quilombolas à propriedade de seus territórios. Para ela, a
constituição reconheceu que o território está diretamente ligado à
identidade do grupo, sendo fundamental garantir o seu direito às
terras historicamente ocupadas. Deborah Macedo Pereira afirmou que
foi estabelecido que o direito dos quilombolas é um direito
fundamental, que está acima do direito de propriedade. "O direito
fundamental é universal, enquanto o direito de propriedade diz
respeito a um particular que possua uma propriedade",
considerou.
Unidades de conservação -
Posição semelhante foi defendia pelo procurador de Justiça e
coordenador da Coordenadoria de Conflitos Agrários de Minas Gerais,
Afonso Henrique de Miranda Teixeira. Ele considerou que as
disposições constituicionais estabeleceram que o direito dos
quilombolas a propriedade das terras é atemporal e preexistente. "O
Estado tem o dever de emitir os títulos para a população quilombola,
que deve prevalecer sobre os bens particulares e também sobre os
bens públicos", afirmou.
Afonso Henrique de Miranda criticou a criação de
unidades de conservação em territórios dos quilombolas, o que vem
impedindo a utilização da terra. Para ele, quando o interesse é da
elite dominante, o Estado não tem preocupação em preservar o meio
ambiente, como, por exemplo, a utilização da Serra do Curral pelas
mineradoras, mas o mesmo não poderia ser dito em relação as
populações mais carentes. "A sociedade brasileira tem uma dívida com
as comunidades quilombolas que tem que ser paga através da concessão
dos títulos de propriedade das terras", destacou. O procurador
lembrou ainda que, de acordo com a constituição, os remanescentes
dos quilombolas e seus territórios são um patrimônio cultural, que
deve ser preservado.
Reintegração de posse - Na
abertura do evento, o autor do requerimento para realização do
debate e presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Durval
Ângelo (PT), disse que a comissão é constantemente solicitada para
ajudar na solução de conflitos entre proprietários de terras e
quilombolas. De acordo com o deputado, após várias audiências
realizadas, foi possível conseguir o compromisso da polícia de que a
lei será cumprida e não serão feitas reintegrações de posse sem
autorização judiciária. "É importante que esse debate público
provoque o Poder Público para agir no sentido de resolver essa
questão", destacou. Durval Ângelo lembrou ainda que a Comissão de
Direitos Humanos apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.839/07, que
pretende estabelecer mecanismos capazes de agilizar a regularização
das terras dos quilombolas.
Atuação do Estado é ineficaz na regularização das
terras
Para o antropólogo e professor da Universidade
Federal do Amazonas, Alfredo Wagner Berno de Almeida, o Estado vem
sendo ineficiente no reconhecimento dos direitos dos quilombolas.
Segundo ele, pesquisas mostraram que existem 2 milhões de famílias
remanescentes dos quilombolas, sendo que os Estados com maior
concentração (Minas Gerais, Bahia e Maranhão) são justamente os que
o Poder Público praticamente não vem atuando. O deputado Durval
Ângelo lembrou que em Minas Gerais existe apenas uma comunidade de
quilombolas regularizada pelo Estado, localizada no município de
Leme do Prado.
Alfredo Wagner Berno também falou sobre a história
dos quilombos no Brasil. De acordo com ele, durante o período
colonial, era considerado como quilombos um grupo de negros
fugitivo. Ele lembrou que, após a abolição da escravatura, em 1888,
não houve, como nos Estados Unidos, uma preocupação em conceder
terras para os negros. "Pelo contrário, aqui a elite dominante ficou
preocupada se era necessário conceder indenização aos proprietários
de escravos", destacou. Segundo o antropólogo, durante os 100 anos
que separaram a abolição da Constituição de 1988, os quilombolas
deixaram de existir juridicamente, ficando as comunidades sem
direitos jurídicos e sem identidade. Para ele, é preciso reconhecer
que a sociedade atual ainda é escravista e que muitas vezes os
policiais que retiram os quilombolas das terras atuam como se fossem
capitães do mato.
Assistência jurídica - O
juiz da Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais, Osvaldo Oliveira
Araújo Firmo, afirmou que é importante que as comunidades de
quilombolas e os movimentos sociais contem com uma assistência
jurídica. "A presença desses técnicos poderá garantir maior
tranqüilidade aos movimentos e evitar que se criem certas
expectativas", considerou.
Para Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, é importante
que os movimentos sociais lembrem que atualmente no Estado
brasileiro não são só os seus direitos que estão sendo
desrespeitados. "Por exemplo, o direito de todos a saúde
constantemente não é cumprido", disse. De acordo com o juiz, é
importante que os movimentos sociais lembrem que a função social das
terras não pode ser deixada de lado. "A função social da terra que é
estabelecida pela constituição tem que ser aplicada para os grandes
e pequenos proprietários", considerou.
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