Ambientalistas garantem que transposição do S. Francisco não
ocorrerá
Se fracassarem as objeções dos ambientalistas, a
oposição dos barranqueiros e as medidas judiciais, ainda assim o
polêmico projeto de transposição do Rio São Francisco não será
concretizado, porque vai esbarrar na burocracia ambiental e nos
entraves próprios enfrentados pelas obras governamentais. "Esta obra
não será realizada. Se começar, não será concluída. Se for
concluída, não atenderá às comunidades que sofrem sede no Nordeste",
previu o ambientalista Apolo Heringer Lisboa, líder do projeto
Manuelzão, nesta quinta-feira (22/11/07), segundo dia do Ciclo de
Debates O Rio São Francisco e o Desenvolvimento Sustentável do
Semi-Árido, realizado no Plenário da Assembléia Legislativa de
Minas Gerais.
A etapa de palestras começou com uma exposição
sobre o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Semi-Árido do
Ministério da Integração Nacional, feita pelo secretário executivo
João Mendes da Rocha Neto, que veio a Belo Horizonte representando o
ministro Geddel Vieira Lima. Mendes sustentou que "o desenvolvimento
do semi-árido não pode estar centrado numa única obra, mas em um
conjunto de ações que envolve vários ministérios e entidades".
Segundo ele, a redução das desigualdades regionais não deve ser
feita apenas na comparação do semi-árido com as regiões mais
dinâmicas. "Dentro do próprio semi-árido há muitas desigualdades,
como a concentração da maior parte da renda em 15 dos 1.173
municípios", disse ele, acrescentando que 56% da população do
semi-árido é urbana, e na área da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) a concentração ainda é maior:
68%.
As soluções para o semi-árido seriam múltiplas,
locais e baseadas na apropriação do saber popular. Não basta propor
soluções de recursos hídricos para as zonas rurais, mas cuidar
também do abastecimento urbano. O secretário-executivo disse que o
Ministério conta apenas com o Departamento Nacional de Obras contra
a Secas (Dnocs), a Codevasf, a Sudene e a Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e lhe faltam braços e recursos
para executar projetos. "Recebemos pouquíssimo orçamento e ainda
enfrentamos os contingenciamentos e os entraves da burocracia",
desabafou.
Os melhores representantes do rio são os
peixes
O orador seguinte foi o ambientalista Apolo Lisboa,
que apresentou conceitos revolucionários, como o da desumanização da
bacia, ou seja, a retirada das atividades humanas para que os
direitos dos animais, dos peixes e dos pássaros seja igualmente
respeitado. "Hoje tudo é feito em função das atividades humanas. São
os homens que promovem o desmatamento, a monocultura, o
carvoejamento, que lançam esgotos nos rios. Por que temos mais
direito ao ambiente do que as jararacas? Quem representa melhor os
rios do que os peixes?", provocou o ambientalista.
Lisboa afirmou que revitalização não é só tratar os
esgotos, mas mudar o modelo de desenvolvimento que confunde riqueza
com dinheiro, e acusou o governo de estar usando o Exército
Brasileiro para amedrontar os indígenas e quilombolas que vivem na
área do projeto. Para ele, esta seria uma missão indigna para as
Forças Armadas, que já têm motivos para se envergonhar do extermínio
dos habitantes de Canudos, perpetrado nos primeiros anos da
República. Para ele, o projeto de transposição vende a ilusão de que
seu objetivo é matar a sede dos nordestinos pobres, e as mentiras em
que se baseia seriam polêmicas demais para que seja realizado. "O
rio tem dois inimigos: o desmatamento e a poluição, que são feitos
por gente estúpida com diploma, que podemos chamar de
analfabestas", atacou.
Na mesma linha, o presidente do Comitê da Bacia
Hidrográfica do São Francisco, Antônio Thomaz Matta Machado, também
garante que o projeto não será realizado, após 58 meses de
tentativas e pressões por parte do Ministério então ocupado por Ciro
Gomes. Machado apela ao presidente Lula para que suspenda o Eixo
Norte, "que vai jogar água onde já tem: os grandes açudes bem
administrados do Ceará". O dinheiro excedente assim poupado poderia
ser utilizado em projetos de revitalização e de desenvolvimento de
tecnologias para o semi-árido.
Suspensão do Eixo Norte é exigência
Thomaz Matta Machado disse que o projeto de
transposição semeou a discórdia dentro do Comitê, onde têm assento
todos os tipos de usuários do rio: pescadores, ribeirinhos,
companhias de saneamento, governo, etc. Ele lista cinco prioridades
para pacificar esses interesses. A primeira é a suspensão do Eixo
Norte. A segunda é a disponibilização de tecnologias viáveis para o
semi-árido, como as barragens subterrâneas em apoio à agricultura
familiar. A terceira é cuidar do abastecimento das 1.132 cidades do
semi-árido. A quarta é admitir grandes obras hídricas onde se
fizerem realmente necessárias para abastecimento humano. A quinta é
reduzir o excesso de burocracia que paralisa o setor público e
impede a realização até de obras emergenciais.
Quanto ao ataque de algas que infestam o São
Francisco de Pirapora a Manga e a proliferação das cianobactérias
tóxicas, Matta Machado atribui aos esgotos humanos e ao derramamento
de adubos NPK no rio. O fosfato favoreceria o desenvolvimento das
algas, e a estiagem torna as águas mais límpidas, permitindo que o
sol penetre e faça crescer as algas. Para ele, bastaria um bom
período de chuvas para controlar o problema, ou que Três Marias
abrisse suas comportas, já que Sobradinho está com apenas 17% de sua
capacidade.
Esse novo tipo de agressão ao rio, que proíbe os
pescadores de trabalhar e os ribeirinhos de usar a água para beber e
para cozinhar, está enfurecendo o deputado Paulo Guedes (PT). "Em
Januária, São Francisco, Manga e Matias Cardoso estão todos
proibidos de pescar e beber. Estamos na margem do rio e não temos
direito à água", clamou. Guedes disse que nasceu em São João das
Missões, numa família de 12 irmãos, e sua mãe buscava água no Rio
Itacarambi, a 600 metros, para o consumo da família. "O rio secava,
e só foi perenizado depois da construção de uma pequena barragem.
São João das Missões tem 10 mil habitantes e 8 mil são remanescentes
xacriabás. É o município com o menor Índice de Desenvolvimento
Humano do Estado, e mesmo assim o Instituto Mineiro de Gestão das
Águas (Igam) foi lá recentemente e aplicou multas exorbitantes,
algumas maiores que o valor das terras. Esse mesmo Igam não tem
coragem de multar a Copasa, que é a maior responsável pela poluição
por esgotos da Região Metropolitana de Belo Horizonte", acusou o
deputado.
Debate da transposição não impede
revitalização
O parlamentar acusa a Copasa de cobrar pelo
tratamento dos esgotos e dar apenas um tratamento primário a 47% dos
esgotos da Capital. "O tratamento terciário, feito com filtros
biológicos, seria capaz de retirar 95% da poluição", sugeriu. Guedes
afirmou ainda que ambientalistas e religiosos fazem greve de fome
contra o projeto de transposição, mas não fazem por causa da
poluição do rio. Atacou também a burocracia dos órgãos ambientais,
que levam cinco anos para emitir uma licença.
Outro deputado petista, Almir Paraca, adotou uma
postura mais serena, ao dizer que a verdade entre os defensores e
adversários do projeto de transposição está no meio do caminho. "Não
podemos ficar paralisados na polêmica. É possível tratar da
revitalização simultaneamente com o debate da transposição", propôs.
Paraca alertou também que vão sobrar recursos no orçamento da
Codevasf porque as prefeituras não têm capacidade técnica para
apresentar projetos e vencer a burocracia. Para ele, é preciso
reforçar a ASA (Articulação do Semi-Árido), o projeto de cisternas e
o de barraginhas, cujos resultados positivos na retenção das águas
são visíveis, como ele pôde constatar numa visita ao Gorutuba.
Antônio Carlos Arantes (PSC), deputado cuja base
fica em torno das nascentes do São Francisco, atestou que o projeto
de barraginhas salvou as nascentes do vale do Rio Jacuí, após um
desastre ambiental que foi a drenagem de um brejo em Cabo Verde para
plantio. Arantes sobrevoou recentemente o São Francisco da nascente
até Petrolina, e relatou que viu "muitas belezas, mas também muita
erosão, assoreamento, desmatamentos e pobreza. Acredito que o
projeto de transposição, com a experiência mundial de 80% de
fracassos, só tem prosseguimento porque se trata de dinheiro
público. Se fosse dinheiro particular, ninguém jogaria fora desse
jeito".
Barranqueiros se queixam da qualidade da água do
São Francisco
Na fase de debates após o painel "Propostas de
Desenvolvimento do Semi-Árido Brasileiro", predominaram
questionamentos de cidadãos do Norte de Minas. Ribeirinhos,
barranqueiros, pescadores e vazanteiros, além de outros moradores da
região, queixaram-se da má qualidade da água do São Francisco. Em
função da poluição e da seca prolongada, as águas estão impróprias
para o consumo humano e animal e têm provocado a mortandade de
peixes, comprometendo a sobrevivência das comunidades que dependem
diretamente do rio. Elas responsabilizaram por esse quadro as
autoridades, principalmente os municípios da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, considerados os maiores poluidores do rio.
Sobre o assunto, o promotor do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Defesa do Rio São Francisco, Alex
Santiago, sugeriu aos parlamentares que aprovassem uma lei prevendo
prazo para que os municípios fizessem o tratamento de seus esgotos.
O deputado Gil Pereira (PP) defendeu uma audiência de todos os
defensores do rio com o presidente Lula. Na reunião, seria levada a
proposta consensual do debate, na sua opinião: a execução das obras
do Eixo Leste da transposição, responsáveis por 20% dos recursos
gastos, e a destinação dos 80% restantes para a revitalização do São
Francisco em Minas Gerais. O deputado Paulo Guedes defendeu a
mudança de ênfase do debate na transposição para a revitalização.
"Por que discutir a transposição lá no Nordeste se estamos bebendo
esgoto no Norte de Minas?", reclamou ele, conclamando as autoridades
a agirem no sentido de resolver a questão.
O coordenador do Projeto Manuelzão, Apolo Heringer
Lisboa, concordou que todo o poder público está devendo na questão
da revitalização do São Francisco. Mas ele enfatizou que a sociedade
também precisa melhorar as propostas nesse sentido. Ele exemplificou
com a meta "Nadar e Pescar no Rio das Velhas em 2010", que muito
contribuiria para a despoluição do São Francisco. Na opinião dele, a
Meta 2010 estaria necessitando de "mais ritmo, mais verbas e melhor
articulação entre os órgãos responsáveis".
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