Críticas à transposição do São Francisco dominam debate

Muitas críticas à transposição do "Velho Chico", em meio a poucos defesas do projeto do governo federal deram a tônic...

22/11/2007 - 14:53
 

Críticas à transposição do São Francisco dominam debate

Muitas críticas à transposição do "Velho Chico", em meio a poucos defesas do projeto do governo federal deram a tônica no primeiro dia do Ciclo de Debates O Rio São Francisco e o Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido, na noite de quarta-feira (21/11/07). Ainda na abertura do evento, realizado no Plenário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, deputados divergiram quanto à necessidade de realizar a obra.

Logo depois, no primeiro painel Usos e Limites do Semi-Árido Brasileiro, Luiz Carlos da Silveira Fontes, da Universidade Federal de Sergipe, condenou o projeto federal. Durante esse painel, manifestantes contra a transposição, liderados pelo frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra, pediram a palavra para mostrar fotos e cartazes da obra já em andamento em Cabrobó (PE), tocada pelo Exército Brasileiro. Segundo eles, mesmo estando sub-judice no Tribunal de Contas da União, as obras continuam e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, já teria garantido que, em cerca de 15 dias, as empresas começam a operar. Aguardado para falar na abertura e oferecer o contraponto ao debate, o representante do governo federal, João Mendes da Rocha Neto, preferiu não se pronunciar e deixar sua exposição para o segundo dia.

Projeto mostraria semi-árido de forma distorcida

O professor e geólogo Luiz Carlos Fontes, também coordenador regional do Baixo São Francisco da Bacia desse rio, avaliou que o momento atual é grave. "Temos que tratar da revitalização, mas entendendo que a transposição já está aí", disse ele, lembrando que o governo federal já iniciou processo de contratação de empresas para a obra. Para Fontes, o semi-árido brasileiro tem sido apresentado de forma distorcida pelo projeto de transposição, como se toda a região não tivesse água, e como se a bacia do São Francisco não fizesse parte do semi-árido.

Tentando desmistificar essa visão, o professor Luiz Carlos Fontes dividiu a região em duas realidades distintas: a do interior da Paraíba e Pernambuco (Eixo Leste) e a do interior e litoral do Ceará e Rio Grande do Norte (Eixo Norte). Na primeira área, é reconhecida a necessidade de água, mas não necessariamente a regularização do abastecimento teria que vir com uma transposição, de acordo com ele. Estudos mostrariam que canais e adutoras resolveriam a questão, mas o problema é que esses projetos não saem do papel.

Já no Eixo Norte, a situação é diferente, pois não falta água, afirmou Luiz Carlos Fontes. "Lá, foi realizado o maior programa de açudagem do mundo para o semi-árido, com 70 mil açudes públicos, sendo 700 açudes plurianuais", destacou. Essas obras geram 37 bilhões de metros cúbicos de água para a região e garantiriam o abastecimento pelos próximos 50 anos. Sendo assim, continua Fontes, as águas da transposição do São Francisco seriam utilizadas no Nordeste Setentrional, não para o abastecimento humano e animal, mas para a irrigação. "A transposição vai retirar água da região mais pobre, de Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo, e passar para a região mais rica. É um projeto socialmente injusto", classificou.

Acesso à água - Baseado em documento da Agência Nacional das Águas (ANA), o professor conclui que o problema no semi-árido não é de estoque, mas de distribuição da água. E para ampliar o número de pessoas com acesso à ela, são necessárias obras, principalmente a construção de canais, açudes e adutoras, e também a redução de perdas na distribuição (que chega a atingir 50%). Luiz Carlos Fontes exemplifica com a própria bacia do São Francisco, na qual só as populações que ficam na faixa de até 3 km das margens do rio se beneficiam de suas águas.

Por fim, Fontes conclui que a solução mais sensata para resolver o problema de falta de água no semi-árido passa, no curto prazo seria: uma melhor distribuição espacial dos recursos hídricos; ações de educação para a convivência com a seca; ampliação de cisternas, poços e dessalinizadores, entre outros. No médio prazo, seriam importantes obras maiores, como construção de grandes adutoras e transposições locais. E no longo prazo, eventuais transposições, menores, do São Francisco.

Deputados divergem quanto à transposição

Favorável à transposição, o deputado Paulo Guedes (PT) tentou mudar o foco da discussão falando da omissão do poder público em relação à revitalização do rio. "A Copasa joga esgoto no São Francisco. Será que os órgãos ambientais têm autonomia para multá-la?. O povo ribeirinho está bebendo esgoto da Grande BH e exige água limpa!", indignou-se. Ele também defendeu uma guerra contra a burocracia, para agilizar a "revitalização e transposição, senão os órgãos ambientais vão demorar cinco anos para liberar a obra".

Na outra ponta, o deputado Fábio Avelar (PSC), contrário à transposição, mostrou-se preocupado com os poucos recursos destinados à revitalização do São Francisco - seriam R$ 40 milhões para todo o processo de revitalização, estimado num período de 20 anos. Rebatendo a crítica de Paulo Guedes à burocracia, Avelar disse que nunca ter visto "um projeto andar tão rápido quanto esse da transposição, fazendo uso de audiências públicas mascaradas".

Em tom conciliador, o deputado Almir Paraca (PT), afirmou que não se deve ficar preso à polêmica. "Temos que pensar na revitalização, que já está sendo feita, e promover o seu controle social", acrescentou. Ele acredita que é possível ampliar os recursos para essas obras e considerou uma grande vitória o adiamento da transposição. "Se 70% das águas do São Francisco saem de Minas Gerais, aqui devem ser concentradas as ações de revitalização", concluiu.

Apesar de declarar-se contrário à transposição, o assessor da Cemig para assuntos ambientais, Tilden Santiago, disse que isso não o impede de discutir o assunto. Na sua opinião, a luta ambiental é diferente das outras, pois não há vencedores e vencidos. "Ou todos ganham ou todos perdem".

Por último, o representante das Populações Tradicionais e presidente da Associação Quilombola da Lapinha, Jesuíto José Gonçalves, fez um alerta declarando que o Rio São Francisco está pedindo socorro. Defendendo a paralisação imediata da transposição, ele disse nunca ter visto "tirar sangue de doente para dar a outro doente". E sugeriu diversas ações concretas de revitalização do Velho Chico em sua região, o Norte de Minas: multiplicação de reservas extrativas na bacia; punição para os principais poluentes do rio, segundo ele, a Copasa e a Votorantim; aprovação da Emenda Constitucional que torna a caatinga e o cerrado "biomas nacionais", entre outras.

 

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