Críticas à transposição do São Francisco dominam
debate
Muitas críticas à transposição do "Velho Chico", em
meio a poucos defesas do projeto do governo federal deram a tônica
no primeiro dia do Ciclo de Debates O Rio São Francisco e o
Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido, na noite de
quarta-feira (21/11/07). Ainda na abertura do evento, realizado no
Plenário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, deputados
divergiram quanto à necessidade de realizar a obra.
Logo depois, no primeiro painel Usos e Limites
do Semi-Árido Brasileiro, Luiz Carlos da Silveira Fontes, da
Universidade Federal de Sergipe, condenou o projeto federal. Durante
esse painel, manifestantes contra a transposição, liderados pelo
frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra, pediram a
palavra para mostrar fotos e cartazes da obra já em andamento em
Cabrobó (PE), tocada pelo Exército Brasileiro. Segundo eles, mesmo
estando sub-judice no Tribunal de Contas da União, as obras
continuam e o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima,
já teria garantido que, em cerca de 15 dias, as empresas começam a
operar. Aguardado para falar na abertura e oferecer o contraponto ao
debate, o representante do governo federal, João Mendes da Rocha
Neto, preferiu não se pronunciar e deixar sua exposição para o
segundo dia.
Projeto mostraria semi-árido de forma
distorcida
O professor e geólogo Luiz Carlos Fontes, também
coordenador regional do Baixo São Francisco da Bacia desse rio,
avaliou que o momento atual é grave. "Temos que tratar da
revitalização, mas entendendo que a transposição já está aí", disse
ele, lembrando que o governo federal já iniciou processo de
contratação de empresas para a obra. Para Fontes, o semi-árido
brasileiro tem sido apresentado de forma distorcida pelo projeto de
transposição, como se toda a região não tivesse água, e como se a
bacia do São Francisco não fizesse parte do semi-árido.
Tentando desmistificar essa visão, o professor Luiz
Carlos Fontes dividiu a região em duas realidades distintas: a do
interior da Paraíba e Pernambuco (Eixo Leste) e a do interior e
litoral do Ceará e Rio Grande do Norte (Eixo Norte). Na primeira
área, é reconhecida a necessidade de água, mas não necessariamente a
regularização do abastecimento teria que vir com uma transposição,
de acordo com ele. Estudos mostrariam que canais e adutoras
resolveriam a questão, mas o problema é que esses projetos não saem
do papel.
Já no Eixo Norte, a situação é diferente, pois não
falta água, afirmou Luiz Carlos Fontes. "Lá, foi realizado o maior
programa de açudagem do mundo para o semi-árido, com 70 mil açudes
públicos, sendo 700 açudes plurianuais", destacou. Essas obras geram
37 bilhões de metros cúbicos de água para a região e garantiriam o
abastecimento pelos próximos 50 anos. Sendo assim, continua Fontes,
as águas da transposição do São Francisco seriam utilizadas no
Nordeste Setentrional, não para o abastecimento humano e animal, mas
para a irrigação. "A transposição vai retirar água da região mais
pobre, de Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo, e passar para
a região mais rica. É um projeto socialmente injusto",
classificou.
Acesso à água - Baseado em
documento da Agência Nacional das Águas (ANA), o professor conclui
que o problema no semi-árido não é de estoque, mas de distribuição
da água. E para ampliar o número de pessoas com acesso à ela, são
necessárias obras, principalmente a construção de canais, açudes e
adutoras, e também a redução de perdas na distribuição (que chega a
atingir 50%). Luiz Carlos Fontes exemplifica com a própria bacia do
São Francisco, na qual só as populações que ficam na faixa de até 3
km das margens do rio se beneficiam de suas águas.
Por fim, Fontes conclui que a solução mais sensata
para resolver o problema de falta de água no semi-árido passa, no
curto prazo seria: uma melhor distribuição espacial dos recursos
hídricos; ações de educação para a convivência com a seca; ampliação
de cisternas, poços e dessalinizadores, entre outros. No médio
prazo, seriam importantes obras maiores, como construção de grandes
adutoras e transposições locais. E no longo prazo, eventuais
transposições, menores, do São Francisco.
Deputados divergem quanto à transposição
Favorável à transposição, o deputado Paulo Guedes
(PT) tentou mudar o foco da discussão falando da omissão do poder
público em relação à revitalização do rio. "A Copasa joga esgoto no
São Francisco. Será que os órgãos ambientais têm autonomia para
multá-la?. O povo ribeirinho está bebendo esgoto da Grande BH e
exige água limpa!", indignou-se. Ele também defendeu uma guerra
contra a burocracia, para agilizar a "revitalização e transposição,
senão os órgãos ambientais vão demorar cinco anos para liberar a
obra".
Na outra ponta, o deputado Fábio Avelar (PSC),
contrário à transposição, mostrou-se preocupado com os poucos
recursos destinados à revitalização do São Francisco - seriam R$ 40
milhões para todo o processo de revitalização, estimado num período
de 20 anos. Rebatendo a crítica de Paulo Guedes à burocracia, Avelar
disse que nunca ter visto "um projeto andar tão rápido quanto esse
da transposição, fazendo uso de audiências públicas mascaradas".
Em tom conciliador, o deputado Almir Paraca (PT),
afirmou que não se deve ficar preso à polêmica. "Temos que pensar na
revitalização, que já está sendo feita, e promover o seu controle
social", acrescentou. Ele acredita que é possível ampliar os
recursos para essas obras e considerou uma grande vitória o
adiamento da transposição. "Se 70% das águas do São Francisco saem
de Minas Gerais, aqui devem ser concentradas as ações de
revitalização", concluiu.
Apesar de declarar-se contrário à transposição, o
assessor da Cemig para assuntos ambientais, Tilden Santiago, disse
que isso não o impede de discutir o assunto. Na sua opinião, a luta
ambiental é diferente das outras, pois não há vencedores e vencidos.
"Ou todos ganham ou todos perdem".
Por último, o representante das Populações
Tradicionais e presidente da Associação Quilombola da Lapinha,
Jesuíto José Gonçalves, fez um alerta declarando que o Rio São
Francisco está pedindo socorro. Defendendo a paralisação imediata da
transposição, ele disse nunca ter visto "tirar sangue de doente para
dar a outro doente". E sugeriu diversas ações concretas de
revitalização do Velho Chico em sua região, o Norte de Minas:
multiplicação de reservas extrativas na bacia; punição para os
principais poluentes do rio, segundo ele, a Copasa e a Votorantim;
aprovação da Emenda Constitucional que torna a caatinga e o cerrado
"biomas nacionais", entre outras.
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