Assassinato de índio xacriabá pode ter motivações
fundiárias
O covarde assassinato do índio xacriabá Avelino
Nunes Macedo por espancamento, ocorrido na madrugada do dia 16 de
setembro, não foi mera crueldade de jovens alcoolizados. Teria como
motivação a luta pela expansão da terra indígena onde vivem hoje
oito mil remanescentes xacriabás e se insere nos conflitos
fundiários do Norte de Minas, instalados pela mobilização dos
quilombolas e dos trabalhadores rurais sem-terra. Essa tese foi
defendida pelos representantes do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) diante dos deputados da Comissão de Segurança Pública da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, nesta terça-feira
(30/10/07), na aldeia central xacriabá, em São João das Missões.
Os deputados Sargento Rodrigues (PDT), Paulo Cesar
(PDT) e Paulo Guedes (PT) deslocaram-se para essa cidade do Vale do
São Francisco, a 687 km de Belo Horizonte. O requerimento foi do
deputado Paulo Cesar. São João das Missões é terra natal do deputado
Paulo Guedes. Cinco dos nove vereadores são xacriabás e o próprio
prefeito José Nunes de Oliveira pertence à etnia, e compareceu à
audiência com um imponente cocar cerimonial.
O deputado Paulo Cesar manifestou sua indignação
com o assassinato do índio Avelino, para ele "um crime bárbaro que
revoltou toda a comunidade indígena, teve forte conotação racista e
deve ser exemplarmente punido para que não aconteça nunca mais". O
delegado regional de Januária, Raimundo Nonato, informou que a
Polícia Civil agiu prontamente para elucidar o caso, preparou o
laudo pericial de necropsia em apenas três dias e em oito dias já
havia concluído o inquérito entregue à Justiça.
Assassinos menores de idade poderão ficar
impunes
Na madrugada do dia 16 de setembro, na saída de uma
festa em São João das Missões, Avelino foi abordado por três rapazes
sob o pretexto de ter esbarrado em um deles. Edson Gonçalves Costa,
de 18 anos, e os dois menores V.S.B. e G.P.O. passaram a agredi-lo,
despindo-o e passando a espancá-lo até a morte. Avelino era pessoa
pacífica na comunidade indígena e participava dos atos de "retomada"
de terras que os xacriabás consideram invadidas por fazendeiros.
O deputado Sargento Rodrigues, presidente da
comissão, encampou a indignação dos indígenas com a perspectiva de
impunidade dos menores que participaram da morte. "Discordo das
proteções do Estatuto da Criança e do Adolescente quando se trata de
crime contra a pessoa. Não posso aceitar que a morte de uma pessoa
seja punida como se fosse um furto de um celular ou de uma
bicicleta, com pena máxima de três anos. Quando fizerem 21 anos,
esses rapazes serão libertados, infelizmente", disse o
parlamentar.
Os depoimentos dos caciques Domingos Nunes, Antônio
Possidone e Santo Caetano Barbosa, além dos parentes e amigos do
índio assassinado, lamentando o ato de violência extrema, sugerem
que as drogas estavam entrando na região e mudando o comportamento
dos jovens. "A gente vê entrando carros estranhos em nossas terras,
trazendo a droga que não existia e fazendo a molecada ficar
revoltada como não é de costume", disse Osvaldo, da aldeia
Barreiro.
Crime pode ter sido cometido a mando de
poderosos
No entanto, Nilton Seixas, do Cimi, disse que os
três assassinos não teriam condições de contratar bons advogados,
mas estavam sendo assistidos pelo melhor criminalista da região, que
atende usualmente os grandes proprietários. Seixas relacionou as
ameaças que pesam sobre lideranças indígenas das aldeias Dizimero,
Licuri, Poções e Morro Vermelho. O prefeito José Nunes de Oliveira
disse que os fazendeiros procuram desqualificar o índio e questionar
o seu direito à terra, à saúde e à educação. "Muitas lideranças
nossas partiram de forma brutal. Já temos a conta de nove
assassinados", disse ele.
O cacique Domingos Nunes disse que a violência
contra os índios é cíclica, e que a morte de Avelino não foi o
episódio mais grave. "Em 1987, eu era apenas um menino de 12 anos e
meu pai era o cacique Rosalino. De madrugada, o fazendeiro Francisco
Amaro e 16 pistoleiros entraram na aldeia atirando nas casas.
Vararam nossa casa toda de bala e eu me refugiei no esteio do
telhado. Quando o dia amanheceu, meu pai e mais três estavam mortos,
e muitos furados de bala estavam sangrando nos matos", relatou.
Segundo Luiz Chaves, diretor-geral do Instituto de
Terras (Iter-MG), a prisão pela Polícia Federal e o julgamento do
fazendeiro Francisco Amaro foram históricos, por ter sido a primeira
condenação no Brasil por crime de genocídio. A chacina dos xacriabás
mobilizou a sociedade e o Governo para concluir a demarcação e a
homologação da reserva.
Chaves vê preconceito racial na atitude da
sociedade contra os índios. "Os caxixós não possuem terra alguma. Os
maxacalis lutam para aumentar os escassos 5 mil hectares onde
sobrevivem. Os aranãs, ressurgidos perto de Araçuaí, também são
sem-terra. Há pouco tempo, o Iter comprou um pedaço de terra para
pacificar ainda que temporariamente os pankararus. São povos
amparados pela Constituição que estão ressurgindo. A sociedade
precisa compreender que os índios não são estorvo ao
desenvolvimento", disse Luiz Chaves.
São João das Missões tem o menor IDH do
Estado
A terra indígena de São João das Missões é
constituída por 53 mil hectares, onde vivem oito mil indígenas. Ao
todo, em Minas há 10 mil remanescentes índios. Os xacriabás são os
mais numerosos, e querem que a sede estadual da Funai seja deslocada
de Governador Valadares, que fica a mais de mil quilômetros de
distância, para atendê-los.
O representante da Funai, Valdemar Adilson Krenak,
relatou a penúria em que vive a fundação, com apenas 36 funcionários
para atender as comunidades indígenas de Minas e do Espírito Santo.
Até chefes de posto estariam se aposentando sem reposição.
A luta pela terra é prioridade na agenda dos
xacriabás. Apesar de disporem de cerca de 6,6 hectares por
indivíduo, seu modo de sobrevivência, seus hábitos de caça, pesca e
coleta de frutos exigem espaços maiores. Querem também o retorno de
seus parentes que hoje trabalham no corte de cana em São Paulo e no
Mato Grosso.
O deputado Paulo Guedes relatou como tomou
conhecimento do assassinato e seu deslocamento imediato para a
região. Para ele, o crime mostra que é necessário reforço na
estrutura de segurança pública no Norte de Minas. "Aqui são apenas
três policiais. Em Manga são só dez, para atender a mais de 100 mil
habitantes. Quando tem juiz, não tem promotor. Quando tem promotor,
não tem delegado. Quando tem delegado, não tem detetive". O
parlamentar revelou ainda que São João das Missões tem o menor
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Minas, e que as escolas
estão caindo aos pedaços. "Sou descendente de xacriabás. É triste
ver os meninos desse povo estudando em ranchos e debaixo de pau",
disse ele.
Requerimentos: O deputado
Paulo Cesar incumbiu-se de cobrar, como vice-líder do Governo,
várias das reivindicações apresentadas pelo deputado Guedes, como a
agilização da chegada do programa Luz para Todos às aldeias
xacriabás. Três delas tomaram a forma de requerimentos que serão
votados na próxima reunião, pedindo o aumento dos efetivos policiais
com a criação de uma companhia da PMMG; o asfaltamento pelo
Pró-Acesso do trecho de Miravânia a Manga; e a transferência da sede
da Funai, ou pelo menos um posto avançado, de Governador Valadares
para São João das Missões.
Presenças: Deputados
Sargento Rodrigues (PDT), presidente; Paulo Cesar (PDT),
vice-presidente; Paulo Guedes (PT). Compôs ainda a mesa, além dos
citados, o prefeito de Matias Cardoso, João Cordoval.
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