Regulamentação de lei das microdestilarias é cobrada em
reunião
A Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial da Assembléia Legislativa de Minas Gerais vai cobrar
das Secretarias de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e
de Ciência e Tecnologia a instalação imediata de um grupo de
trabalho para formular proposta de regulamentação da Lei 15.456, de
2005. Norma que instituiu a política estadual de incentivo às
microdestilarias de álcool e beneficiamento de produtos derivados da
cana-de-açúcar, a lei ainda não foi regulamentada pelo Executivo. O
grupo de trabalho sugerido deverá ter a participação da sociedade
civil organizada. A comissão também vai solicitar do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) a criação de uma linha de
crédito para investimentos nas microdestilarias, direcionada para
municípios e produtores rurais organizados em cooperativas ou
associações.
Todas as solicitações são desdobramentos de
audiência pública realizada nesta quinta-feira (27/9/07) para
discutir estratégias e políticas públicas para produção de álcool
combustível em microdestilarias. Ligadas à agricultura familiar, as
microdestilarias são pequenas unidades com capacidade de produção de
até 5 mil litros. As reivindicações da ALMG estão listadas em
requerimentos, a serem aprovados nas próximas reuniões, dos
deputados Padre João (PT) e Getúlio Neiva (PMDB). Vice-presidente da
comissão, Padre João é autor da Lei 15.456 e do requerimento da
audiência. Convidados, não compareceram representantes dos Governos
Federal e Estadual, sendo a ausência bastante criticada. Já os
representantes de universidades, produtores rurais e empresas,
também convidados a participar, relataram aos parlamentares as
experiências mineiras nesse setor.
Para o deputado Padre João, a audiência foi
produtiva e teve um resultado positivo, com a apresentação de várias
propostas para incrementar a atividade. "O álcool é uma energia
limpa, se produzido pela microdestilaria viabilizada pelo
associativismo e cooperativismo. Se produzido pelas grandes usinas,
não é energia limpa, pois causa mortes e degradação humana. O
mercado internacional precisa saber disso", desabafou, ao se
indignar com o fato de que cerca de 200 mil trabalhadores de regiões
como Norte, Jequitinhonha e Mucuri estão em São Paulo, na safra de
2007, para trabalhar quase como semi-escravos nas lavouras de
cana-de-açúcar. Reafirmando o descaso dos Governos Federal e
Estadual e destacando que é preciso apoiar os pequenos, o deputado
Getúlio Neiva chegou a sugerir uma visita ao secretário da
Agricultura, Gilman Viana Rodrigues, para sensibilizar o Executivo a
constituir o grupo de trabalho. Convidado da reunião desta quinta, o
secretário não compareceu ao debate.
Universidade de Viçosa relata experiência na Zona
da Mata
Uma das experiências divulgadas foi a de
implantação de uma microdestilaria no município de Santa Cruz do
Escalvado, por meio de uma parceria entre a Universidade Federal de
Viçosa (UFV), a prefeitura e a Cooperativa dos Produtores de
Aguardente do Vale do Piranga (Coopervapi). A cidade fica na Zona da
Mata e tem cerca de 5 mil habitantes. O professor do Departamento de
Engenharia Agrícola da universidade, Juarez de Sousa e Silva, que
participa da iniciativa, informou que o objetivo agora é buscar
recursos para viabilizar o projeto - orçado em R$ 168 mil, incluindo
investimentos em plantio e equipamentos.
O apoio é buscado via Fundação de Amparo à Pesquisa
de Minas Gerais (Fapemig) e Sebrae, além da análise da proposta de
uma empresa estrangeira que vende créditos de carbono. Como forma de
contribuir para viabilizar a iniciativa, os deputados Padre João e
Getúlio Neiva também apresentaram requerimento, a ser aprovado, que
solicita à Fapemig apoio para o projeto. Segundo o professor, a
microdestilaria produziria mil litros de álcool/dia e 200 mil
litros/ano. O custo de produção seria de R$ 0,45/litro e, pelas
contas de Silva, o faturamento líquido da unidade poderia chegar a
R$ 130 mil/ano. O álcool produzido seria consumido pela prefeitura e
também pela UFV.
Ao apresentar equipamento que desenvolveu para
viabilizar a produção simultânea de álcool combustível e de
aguardente, Juarez de Sousa e Silva explicou aos deputados que essa
tecnologia está acessível a todos. Ele relacionou os benefícios
ambientais e socioeconômicos da produção de álcool combustível pelo
pequeno produtor de forma associativa. "Não haveria perda de nada.
Hoje os resíduos da cana são queimados pelas grandes usinas",
ilustrou. A atividade tornaria sustentável o estabelecimento rural,
criando-se um sistema integrado que iria desde a produção até a
comercialização, aliado à criação de gado e à agricultura. O bagaço
de cana seria usado como alimento principal para o gado durante
parte do ano, melhorando a produção de leite.
Projeto Jaíba - A
experiência da empresa Alcompac foi relatada pelo professor da PUC
Flávio Salim Nogueira, que informou a inauguração de uma
microdestilaria na área do Projeto Jaíba no dia 30 de outubro. A
unidade industrial terá capacidade de produção de 10 mil litros de
álcool combustível/dia. O professor destacou a enorme demanda
existente hoje pelo produto, além de relacionar os benefícios da
implantação de uma unidade industrial pequena na economia local.
Segundo ele, uma planta como esta gera 45 empregos diretos e, ao
final de uma safra, pode produzir 2,2 milhões de litros de álcool,
com uma receita desse mesmo montante em reais. Salim demonstrou que
é possível agregar renda de R$ 6 mil por hectare cultivado de cana
em sistema cooperativo, caso o produto seja comercializado na
própria região.
Como sugestões à comissão, ele apontou a
necessidade de o poder público criar a necessária "ambiência legal"
para que o álcool produzido de forma associativa chegue ao
consumidor. Na avaliação do professor Salim, é necessária a
instituição de um regime tributário e de um modelo de financiamento
para municípios que queiram implementar projetos em sistema
cooperado, garantindo-se ainda que a receita gerada permaneça na
cidade.
Custo da unidade, comercialização e ambiente legal
são pontos de atenção
O produtor Carlos Alberto dos Reis Ferraz destacou
que não vê o álcool como um produto, mas como um projeto. "Podemos
produzir o combustível, o açúcar, o melado, a aguardente e o
alimento para o gado na época da seca", enfatizou. Na avaliação
dele, o grande problema hoje não é a tecnologia da produção, mas sim
o custo da microdestilaria. Ele aponta, então, como caminho para
viabilizar a iniciativa o cooperativismo e o associativismo, com
retorno do investimento em curto prazo. Ao relatar dificuldades
financeiras antes de investir em álcool combustível, o produtor
Sérgio Pataro afirmou que apostou no setor para acabar com sua crise
pessoal. Hoje ele tem 16 unidades produtoras. "A partir do momento
em que o agricultor produz sua própria energia, ele passa a ser um
microempresário do setor energético. Esta é uma mudança radical no
campo", disse ele.
O custo da unidade foi apontado pelo professor da
PUC Antônio Greco como um entrave para as cooperativas pequenas. O
custo de uma planta com produção de 10 mil litros/dia é de US$ 1
milhão. "Assim não há como decolar o projeto. É preciso se perguntar
quanto vai custar a usina, o que fazer para barateá-la e como
viabilizar financiamentos", opinou. Além do custo da unidade, o
professor disse que outro aspecto a ser estudado é a comercialização
do produto. Opinou que é preciso mudar a legislação federal, a fim
de que as cooperativas possam vender direto o álcool combustível
para os postos.
Contraponto - O alto custo
da destilaria criticado pelo professor Greco foi questionado pelos
participantes e pelo deputado Padre João. O parlamentar demonstrou
que pequenas destilarias com 15 agricultores e unidade central
retificadora com capacidade de 1,5 mil litros/dia produziriam,
anualmente, 270 mil litros. O investimento na propriedade e na
unidade central chegaria a R$ 100 mil, mas o rendimento líquido por
agricultor poderia chegar a R$ 2,5 mil/hectare.
Quanto à comercialização, considerada por Padre
João um entrave, a proposta defendida por ele é pressionar o governo
federal para rever a Portaria 202/99, alterada em 2004. A norma
estabelece que a comercialização cabe à pessoa jurídica com capital
social de R$ 1 milhão e instalação de armazenamento de 730 milhões
de metros cúbicos. Outra norma a ser modificada, segundo Padre João,
é a Portaria 116/02, que proíbe quem produz de vender (segundo o
artigo 12, é vedado ao distribuidor de álcool a atividade de
revendedor varejista). Assim como vários convidados, o deputado
Padre João reafirmou ser preciso regulamentar a lei estadual e
buscar a regularização das microdestilarias no País. "Não se sabe
quantas são, mas não é um número pequeno", opinou. Apenas o número
de alambiques em Minas chegaria a 9 mil unidades.
Fogão a álcool e alambiques - A Comissão de Política Agropecuária também ouviu Regina Couto,
que representa o Projeto Gaia no Brasil. Desenvolvido por ONGs e
empresas estrangeiras, o projeto viabiliza testes para a produção de
fogões a álcool. Os testes foram aplicados em Minas, entre outras
comunidades, em Salinas, com foco na comunidade carente. Com fábrica
na Suécia, o fogão, de duas bocas, custa US$ 75 na Europa. Outro
convidado a falar foi Marco Antônio de Magalhães, da Associação
Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampac), que apoiou a
produção de álcool combustível por meio das microdestilarias e do
associativismo.
Presenças - Participaram
da reunião os deputados Padre João (PT), vice-presidente, que a
presidiu; Getúlio Neiva (PMDB) e Weliton Prado (PT).
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