Catadores temem nova Política Estadual de Resíduos
Sólidos
Catadores de papel estão apreensivos quanto à
aprovação do novo marco regulatório da gestão de resíduos sólidos.
Eles temem ser preteridos na coleta seletiva de lixo por empresas
privadas, e manifestaram suas preocupações na audiência pública das
Comissões de Participação Popular e de Meio Ambiente e Recursos
Naturais da Assembléia Legislativa de Minas Gerais realizada nesta
terça-feira (18/9/07). A reunião, marcada por desabafos e
depoimentos emocionados de catadores que reclamam de discriminação e
preconceito, foi solicitada pelos deputados Almir Paraca (PT), Fábio
Avelar (PSC), André Quintão (PT), Wander Borges (PSB) e Ronaldo
Magalhães (PSDB).
O presidente do Movimento Nacional dos Catadores de
Materiais Recicláveis, Gilberto Warley Chagas, acusou as
desigualdades dentro da categoria em função de tratamentos
diferenciados por parte das prefeituras. Segundo ele, no Norte de
Minas os catadores ganham em média R$ 100 por mês, em contraste com
a remuneração média de R$ 800 em Belo Horizonte. Em Janaúba, os
catadores não têm sequer um galpão para triagem do material,
enquanto em Juiz Fora eles não têm permissão para recolher papel nas
ruas do centro durante o dia.
"As leis são feitas de cima para baixo e os
catadores não participam do seu processo de elaboração", reclamou
Warley. Ele defendeu a formação de uma comissão de catadores para
acompanhar a tramitação dos projetos de gestão de resíduos sólidos
no Congresso e na ALMG. "Quem inventou a coleta seletiva foi o
catador de papel. Há mais de 60 anos fazemos esse trabalho de graça,
gerando empregos formais na indústria de reciclagem", comentou.
Para o professor da PUC Minas Teodoro Adriano
Zanardi, com a nova legislação o lixo vai passar a ter valor
econômico, e sua exploração vai despertar o interesse de empresas
privadas. Ele defende que a lei assegure a dispensa de licitações
para a coleta seletiva, uma vez que as associações de catadores não
teriam condições de concorrer em pé de igualdade com grandes grupos
privados. "Os projetos prevêem a remuneração pela coleta seletiva de
lixo, mas é preciso garantir a preservação das associações de
catadores", disse.
Projeto prevê incentivos para catadores
O novo marco regulatório da gestão de resíduos
sólidos em Minas Gerais será resultante da aprovação do Projeto de
Lei 1.269/07, do governador, que aguarda parecer da Comissão de
Constituição e Justiça. A proposta de Política Estadual de Resíduos
Sólidos prevê que o poder público deverá incentivar a formação de
cooperativas e associações de catadores e promover a inclusão social
desses trabalhadores. Os princípios dessa política são a redução da
geração, a reciclagem, o tratamento e disposição final adequada do
lixo.
O texto prevê a participação da sociedade na
elaboração e acompanhamento de políticas públicas de gestão de
resíduos sólidos e a responsabilidade compartilhada entre cidadãos,
poder público, comerciantes e grandes poluidores (como indústrias e
mineradoras). Pelo PL 1.269/07, a coleta do lixo urbano se dará de
forma preferencialmente seletiva, e o Estado e as prefeituras
deverão incentivar a coleta seletiva em parceria com as associações
de catadores. O artigo 12 prevê que a prestação dos serviços de
limpeza urbana poderá ser feita pelos municípios, por empresas
privadas contratadas ou por consórcios, sob o regime de concessão,
permissão ou terceirização.
O PL 1.269/07 prevê ainda a recuperação de áreas
degradadas pela deposição inadequada de resíduos, a cobrança
progressiva pela coleta de lixo e adoção de incentivos fiscais para
unidades recicladoras. Com a aprovação do projeto, seria proibido
lançar lixo in natura a céu aberto, assim como catar
materiais nas áreas de destinação final de resíduos. Cada município
deverá elaborar um plano de gestão integrada de resíduos sólidos, e
contará com o apoio do Estado para sua execução.
O secretário de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, José Carlos Carvalho, reiterou o
compromisso de inclusão social dos catadores. Ele lembrou que o PL
1.269/07 é resultado de exaustivas discussões com movimentos sociais
e ambientalistas, com a incorporação de sugestões apresentadas
durante o Seminário Legislativo Lixo e Cidadania, realizado
pela ALMG em 2005.
Legislação federal vai valorizar controle
social
Em âmbito nacional, a nova política de resíduos
sólidos será criada com a aprovação do PL 1.991/07, enviado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso no início deste
mês. Segundo o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do
Ministério do Meio Ambiente, Eustáquio Luciano Zica, o projeto
respeita as diferenças regionais do País e valoriza o controle
social sobre a gestão do lixo. Ele informou que a legislação federal
não pode estabelecer como os municípios vão contratar o serviço de
coleta de lixo, mas pode criar mecanismos para incentivar a
participação das associações de catadores nesse processo.
O secretário explicou os pontos principais do PL
1.991/07, como o estímulo à formação de consórcios intermunicipais
para a gestão compartilhada do lixo, a responsabilização de todos os
produtores de lixo e a proibição da importação de resíduos danosos
ao meio ambiente. O texto também prevê a criação da chamada
"logística reversa", mecanismo legal que vai permitir a reintrodução
de produtos reciclados na cadeia produtiva. Para viabilizar esse
mecanismo, será dada prioridade para associações de catadores,
segundo Zica.
A luta pela aprovação da política nacional de
resíduos sólidos já dura pelo menos dez anos, de acordo com o
secretário. Em 2001, uma comissão especial da Câmara dos Deputados
aprofundou os debates sobre o assunto, que já era objeto de mais de
70 projetos. Em 2003, outra comissão especial analisou a proposta,
que foi modificada para permitir a importação de pneus usados da
Europa. Ele aponta para o risco de desvirtuação da proposta atual
caso ela seja apreciada por uma comissão especial, que poderia
novamente liberar a importação de pneus usados. "Há uma pressão do
chamado Primeiro Mundo para nós resolvermos os problemas ambientais
deles", comentou.
Deputados apóiam projeto do governo
O presidente da Comissão de Participação Popular,
deputado André Quintão, avalia que os resíduos sólidos podem se
converter em objeto de disputa ao serem transformados em mercadorias
de valor. Ele defendeu a aprovação rápida do PL 1.269/07 para a
concretização da Política Estadual de Resíduos Sólidos. "Temos que
ter capacidade técnica e política para que a lei seja aprovada. Não
podemos atrasar esse processo", disse.
Para o deputado Fábio Avelar, a aprovação do PL
1.269/07 vai representar um avanço na legislação mineira de gestão
do lixo. O deputado Wander Borges avalia que a futura lei será um
marco para o desenvolvimento sustentável do Estado. O deputado Almir
Paraca também avalia que a proposta do governo é boa, e defendeu o
fortalecimento das associações de catadores. O deputado Eros
Biondini (PHS) também manifestou apoio à atuação dos catadores.
Os deputados aprovaram um requerimento de autoria
coletiva para a realização de nova audiência pública conjunta para
debater a proposta federal de política de resíduos sólidos.
Presenças - Deputados
André Quintão (PT), que presidiu a reunião; Fábio Avelar (PSC),
Wander Borges (PSB), Almir Paraca (PT), Eros Biondini (PHS), Antônio
Carlos Arantes (PSC) e deputada Elisa Costa (PT). Também
participaram da reunião a vice-presidente da Abes, Maeli Estrela
Borges; e a representante do Fórum Estadual Lixo e Cidadania,
Fabiana Goulart.
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