Clima tenso marca audiência pública em
Ituiutaba
Os conflitos agrários na região de Ituiutaba foram
motivo de reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais, nesta quinta-feira (30/8/07). Com a
presença dos deputados Durval Ângelo (PT), presidente da comissão, e
João Leite (PSDB), a audiência pública na Câmara Municipal reuniu
representantes do Ministério Público de Minas Gerais, dos produtores
rurais da região e de movimentos populares de agricultores
sem-terra. A intenção foi obter esclarecimentos sobre a atuação de
milícias armadas nas fazendas Cachoeirinha e São Vicente.
Segundo denúncias registradas em boletins de
ocorrência, no dia 26 de junho deste ano, por volta das 10 horas, um
caminhão sem placas chegou ao acampamento dos trabalhadores rurais
na fazenda São Vicente. Desembarcaram cerca de 20 homens encapuzados
e armados com revólveres. Depois de agredirem várias pessoas com
socos e chutes, os capangas atearam fogo em cinco barracos,
provocando queimaduras em um agricultor.
Já na fazenda Cachoeirinha, os trabalhadores foram
ameaçados na madrugada do dia 29 de março, conforme relatou uma das
vítimas à 2ª Promotoria de Justiça da comarca de Ituiutaba. Em suas
declarações, esse trabalhador rural disse que no dia 31, o dono da
fazenda enviou ao acampamento dois caminhões lotados de capangas
encapuzados, e que desde então vêm reiterando ameaças contra a vida
dos integrantes do movimento dos sem-terra. Os capangas seriam da
empresa de segurança Multi Service, contratada pelos proprietários
das fazendas. Quatro seguranças tiveram prisão temporária decretada
e um coronel da reserva da Polícia Militar, representante da
empresa, está foragido.
O clima estava tenso antes mesmo da reunião
começar. Na frente da Câmara Municipal, estavam vários policiais
militares e produtores rurais. Já a presença de participantes dos
movimentos populares não foi tão expressiva. O início do debate
também foi marcado por nervosismo, com falas contundentes de membros
da União de Defesa do Proprietário Rural (UDPR) e de produtores
rurais.
Durval esclareceu que entre os objetivos da
audiência pública estava o de elucidar os fatos ocorridos e de
sensibilizar o Governo federal para a necessidade de agilizar a
reforma agrária no País. Ele também destacou a participação do
judiciário mineiro. "O Ministério Público de Minas Gerais tem sido
um grande parceiro na luta pela Justiça", frisou. "O início dessa
reunião me preocupou muito. Eu espero que aqui seja efetivamente
buscado o entendimento, para que essa terra não seja manchada de
sangue", pediu João Leite, ao final da audiência. Os promotores
presentes fizeram sugestões que poderiam dar mais agilidade e
eficácia aos processos de desapropriação. Uma delas é fazer com que
a Vara de Conflitos Agrários tenha competência criminal. Os
deputados afirmaram que vão levar as sugestões e apresentá-las às
autoridades competentes.
Criação da UDPR foi tema de audiência em
2004
A fala dos participantes dos movimentos sociais foi
breve. O coordenador do Grupo Renascer - Contag, Ivo Ferreira,
detalhou os conflitos ocorridos na Fazenda Cachoeirinha. Segundo
ele, vários trabalhadores rurais foram cercados em uma emboscada na
estrada próxima à fazenda e tiveram celulares roubados, apanharam e
tiveram motos danificadas. Ele também foi alvo de ataques. "Ouvi:
'atira pra matar, atira pra matar'", declarou. No entanto, ele não
sabe dizer se os homens encapuzados estavam realmente com armas de
fogo. O coordenador geral do Movimento Popular Sem Terra (MPST),
Francisco Batista Rodrigo, apresentou fotos de um homem com parte do
corpo queimado após, segundo ele, ataques dos homens encapuzados ao
acampamento.
Na fase de debates, de sete falas, somente duas
foram de representantes dos trabalhadores rurais sem-terra.
Inicialmente, discursos exaltados culpavam a comissão de tomar
partido dos sem-terra. O servidor do TJMG João Emílio Silva
questionou por que os parlamentares não tinham se manifestado antes
dos fatos, de forma preventiva. Durval Ângelo pediu o respeito do
participante, que estava visivelmente exaltado. "Há três anos
estivemos aqui, sim. Discutimos na Câmara de Uberlândia o risco de
criação da UDPR, que tinha no seu estatuto expressões como 'uso da
força'. Quem pode fazer isso é o poder judiciário. O foco dessa
comissão é onde a vida está sendo ameaçada. Todos aqui são tratados
com respeito!", argumentou firmemente.
"Não somos milícia armada. Defendemos nossa
bandeira, onde se lê 'ordem e progresso'. Não somos contra a reforma
agrária e operamos dentro da legalidade", defendeu o presidente da
UDPR, Marcelo Vilela. Ele e outros participantes pediram que os
deputados não deixassem de analisar também o lado dos produtores
rurais, que mesmo com terras produtivas, estão tendo suas
propriedades invadidas.
Já o advogado do MPST, Esdras Juvenal de Queiroz,
disse que o movimento tem respeitado a lei. "Todos os acordos feitos
na Vara de Conflitos Agrários estão sendo cumpridos por nós",
contou. Em declarações posteriores à reunião, representantes do
Ministério Público atestaram que os participantes dos movimentos
sem-terra da região têm histórico positivo e afirmaram que os
proprietários das duas fazendas que são alvo das denúncias não
apresentaram queixa formal ao judiciário em relação às invasões.
O promotor de Justiça Luis Carlos Martins Costa, do
Centro de Apoio Operacional de Conflitos Agrários, destacou: "É
preferível o Estado gastar com ordens judiciais de desocupações
legítimas que o sacrifício de vidas humanas. O que se pretende é que
tudo seja feito dentro da lei, porque há instrumentos para isso".
Essa também foi a afirmação dos demais representantes do MP e dos
deputados, que as partes usem da lei para resolver os conflitos de
interesses, e não que se faça justiça com as próprias mãos.
Sindicato dos Produtores Rurais admite uso de
força
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais,
Romes Bastos, defendeu os produtores e se disse indignado com o que
estava assistindo. "Gostaria que os direitos humanos fossem para
todos. Não é contra a lei ter arma. Estamos vendo proprietários
sendo ameaçados com facões e vendo suas propriedades sendo
atacadas", declarou. Segundo ele, o carro de um produtor rural foi
depredado. O promotor de justiça da comarca de Ituiutaba, Paulo
Henrique Belicole, afirmou que os procedimentos legais sobre o caso
já foram tomados, inclusive com a detenção de um dos depredadores.
"Em entrevista à TV Assembléia, Romes admitiu que eles respondem a
força com força. "Temos que defender o que é nosso."
O deputado João Leite salientou que tinha outra
expectativa em relação à fala de Romes. "Não esperava ouvir um
ataque aos direitos humanos, eu esperava uma defesa e que fosse
cobrada uma postura de nossa comissão. A lei tem que garantir a vida
e tem que ser usada para isso", disse.
Presenças - Deputados
Durval Ângelo (PT), presidente; e João Leite (PSDB). Além dos
convidados acima, também estavam presentes o juiz de Direito,
Lourenço Migliorni Fonseca Ribeiro e o promotor de justiça Willian
Gracia Pinto Coelho, ambos da comarca de Santa Vitória; e o promotor
de justiça da comarca de Ituiutaba, Fábio de Paula Carvalho.
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